11 Março 2021
É curioso que, quando se trata de algo tão complicado como o gênero, somos propensos a negar às pessoas a autoridade para interpretar e narrar suas experiências, especialmente a autoridade para fazer uma correção na história que foi contada em seu nome. Ao fazer isso, também negamos a elas a oportunidade de nos dar os instrumentos para ver o que Deus operou neles.
A opinião é de Daniel Walden, escritor e classicista estadunidense, em artigo publicado em Commonweal, 08-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é injusto dizer que o debate católico sobre sexo e gênero tem um problema. Mais precisamente, tem um par de problemas: um deles diz respeito à nossa capacidade de falar credivelmente ao público não católico; o outro diz respeito à nossa capacidade de falar produtivamente uns com os outros.
O primeiro problema, lamento dizer, é em grande parte culpa nossa. A Igreja tem as estruturas canônicas para levar as mulheres aos escalões superiores de liderança sem qualquer alteração no nosso entendimento da teologia sacramental, mas não as tem usado. Homens gays continuam sendo oficialmente barrados dos seminários por força de um documento cujo raciocínio não consegue aguentar 30 segundos de pensamento. Intelectuais católicos públicos e bispos falam rotineiramente sobre a “ideologia de gênero”, um termo sem um referente claro, em declarações e entrevistas.
Em suma, não somos credíveis, porque nossas instituições são hipócritas e porque rotineiramente falamos tolices em público – tolices que, infelizmente, também estruturam os nossos debates internos, levando à segunda parte do problema. Mas as questões de sexo e gênero continuam tendo consequências graves tanto para nossos irmãos cristãos quanto para nossos concidadãos, e, portanto, temos o dever de pensar e falar sobre elas de forma séria e rigorosa. As discussões que mais valem a pena são difíceis até certo ponto; não há nenhuma razão para nos esquivarmos do esforço de pensar sobre um assunto tão importante, embora complicado, com algum grau de clareza.
O primeiro passo para ter conversas mais frutíferas sobre sexo e gênero é entender do que estamos falando. Usamos termos como “sexo” e “gênero” em debates teológicos como se suas definições fossem autoevidentes, mesmo que permaneçam ferozmente disputadas fora da teologia entre pessoas que dedicaram suas vidas a pensar seriamente sobre os seus significados.
Mas, se a teologia é “a disciplina pela qual deixamos de falar tolices sobre Deus”, como disse Herbert McCabe certa vez, então me parece que também deveríamos parar de falar tolices sobre aqueles e aquelas que foram criados à imagem de Deus. Ao examinar o que queremos dizer quando falamos sobre “sexo” ou “gênero”, nos equipamos para nos livrarmos de várias falsidades e ídolos, e nos preparamos para encontrar sexo e gênero como mistérios profundos, que vivemos todos os dias, mas que não podemos compreender totalmente .
Sexo e gênero são exclusivos das coisas criadas e, especificamente, das coisas vivas. Deus é sexuado apenas no sentido de que o Filho nasceu no mundo como um ser humano masculino, mas não há nada nas Escrituras ou na tradição que torne necessária a masculinidade de Cristo. De fato, o nascimento do Salvador parece abalar toda a nossa compreensão do sexo, pois Cristo era uma criança do sexo masculino cuja masculinidade e corpo masculino foram formados não a partir do material genético de outro homem, como todos os outros filhos do sexo masculino, mas apenas do material genético de uma mulher mediante a obra de Deus.
De fato, grandes teólogos da Igreja como Orígenes e Gregório de Nissa relegaram o sexo corporal da humanidade à criação após a Queda, tornando-o uma espécie de detrito ontológico, uma nota de rodapé inconveniente para a nossa humanidade. Não tenho certeza se eu iria tão longe, mas tais argumentos nos lembram de que essa parte do modo como nos categorizamos não parece refletir, sequer por analogia, qualquer atributo conhecido do Deus em cuja imagem somos feitos.
Ao buscar entender os termos “sexo” e “gênero”, então, precisamos começar em outro lugar: no princípio, e com isso eu me refiro à sua primeira aplicação em nós logo depois de nascermos. Uma pessoa que faz o parto de um recém-nascido inspeciona a criança em busca de certos sinais, principalmente o formato dos órgãos genitais da criança e, com base nesses sinais, atribui e registra um sexo para a criança. Isso se torna, para a maioria de nós, uma questão de registro público – um nascimento masculino ou feminino é inscrito e registrado junto às autoridades competentes. É, antes de mais nada, um termo médico, e muitos dos seus usos no início das nossas vidas se relacionam com isso: ele serve como uma abreviatura para uma certa quantidade de padronizações médicas, cujas discrepâncias merecerão mais atenção por parte de um médico. Essa continua sendo a principal função do sexo ao longo da vida.
Observe-se que, até aqui, há a ausência de qualquer debate sobre quais roupas uma criança usa e que tipo de companheiros de brincadeira ela deve buscar. Isso ocorre porque a maioria das pessoas confia nos pais ou responsáveis para dar um relato verdadeiro do seu filho ou filha e esperam que as roupas e os hábitos da criança confirmem esse relato. Como Judith Butler descreve, o gênero da criança, em termos práticos, é tratado como “uma espécie de fazer, uma atividade incessante” e, assim, torna-se parte de uma identidade, parte daquilo que Herbert McCabe chama de história de vida de uma pessoa.
Crescer é precisamente o processo de assumir a responsabilidade de contar essa história para nós mesmos, de afirmar o nosso direito de decidir o que queremos dizer com aquilo que fazemos e falamos. Uma das partes mais importantes da nossa história de vida é o nosso lugar nas categorias sociais que estruturam a vida social e erótica humana. A nossa vida social não apenas está estruturada e regulada em vários graus pelo fato de sermos percebidos como homens ou mulheres (e, então, como o tipo certo de homem ou mulher), mas também pelo fato de sermos eroticamente atraídos por homens ou mulheres, ou por muitos tipos de pessoas, ou por nenhum.
A aprovação ou o opróbrio social que isso pode acarretar tem um efeito dramático no modo como nos experienciamos e nos retratamos como homens, mulheres ou como pessoas para as quais essas duas palavras são inadequadas. Esse conjunto diversificado de relacionamentos, experiências e atos de posicionamento é aquilo que subsumimos sob o termo aparentemente simples de “gênero”.
A responsabilidade que as crianças assumem de contar suas próprias histórias inclui fazer correções no relato que os nossos pais fizeram: “Eu não sou esse tipo de pessoa, dizemos, mas outro tipo”. Muitos pais brincaram de bola com seus filhos ou filhas apenas para os ouvir dizer um dia que preferiam estar dentro de casa tocando piano ou lendo, e quase todos os pais um dia enfrentarão, com o maior pavor, o desejo de um adolescente de escolher suas próprias roupas. A luta de uma criança para assumir e crescer na responsabilidade de contar a história de quem ela é pode ser uma fonte de tremendo conflito entre pais e filhos, e uma das fontes mais frequentes de conflito é o crescente conhecimento e afirmação por parte de um filho ou filha da sua própria vida erótica. Quando revisamos a história que nossos pais contaram sobre, por exemplo, quem amaríamos quando crescêssemos, revisamos algo intimamente ligado à nossa personalidade. Somente os seres humanos escrevem biografias, e somente os seres humanos que concebem as suas vidas como portadoras de uma narrativa.
Esse aspecto narrativo da nossa humanidade, embora muitas vezes seja uma fonte de conflito, é também uma das formas pelas quais participamos mais diretamente da ação de Deus. A revelação de Deus a nós nas Escrituras é um ato narrativo, e seu propósito principal é a autorrevelação de Deus. É “revelação” em seu sentido mais fundamental: Deus nos falando sobre Deus.
Mas Deus sempre excede os limites da nossa linguagem e do nosso pensamento, e, por isso, devemos aprender sobre Deus por meio daquilo que Deus diz sobre nós. Como Deus não é o sujeito da história, mas o seu autor, a revelação narrativa nos fala sobre Deus por meio dos acontecimentos humanos, impregnando as histórias do povo de Israel e dos apóstolos de uma especial importância como revelações da obra de Deus no mundo, culminando no arquétipo de toda a revelação, Deus em Cristo.
Nós, cristãos modernos, recebemos essa revelação de segunda mão, por assim dizer, nas Escrituras, enquanto a primeira mão, a revelação pessoal da Encarnação experimentada pelos primeiros discípulos, aquilo que McCabe chama de “a intensidade da sua presença corporal”, chega até nós na Eucaristia.
Nós, seres humanos, porém, vivemos dentro da história e nos conhecemos por meio do ato de contá-la: quando narramos as nossas vidas, podemos falar direta e convincentemente sobre nós mesmos. Mas fazemos algo mais do que isso, pois, ao nos revelarmos, também revelamos a obra de Deus. Portadores que somos da imagem divina, nesses atos de narração ensinamos as outras pessoas a como darem brilho a essa imagem, a como lerem e entenderem o ícone que está na frente delas. Dizer às outras pessoas o que a nossa vida significa é envolvê-las mais profundamente em nós mesmos, e ouvir o que alguém nos diz que a sua vida significa é ser mais profundamente envolvido no mistério da sua humanidade e do criador da humanidade.
Impor a outrem o sentido da sua vida, pelo contrário, é uma espécie de pretensão de divindade. É dizer à outra pessoa algo que só Deus pode dizer a ela, reivindicar a autoridade interpretativa última sobre experiências que não nos pertencem. Em última instância, é violentar a humanidade alheia e o próprio propósito da linguagem, pois temos a linguagem precisamente para convidar os outros à nossa própria interioridade, para lhes contar a nossa história.
É curioso, então, que, quando se trata de algo tão complicado como o gênero, somos propensos a negar às pessoas a autoridade para interpretar e narrar suas experiências, especialmente a autoridade para fazer uma correção na história que foi contada em seu nome. Ao fazer isso, também negamos a elas a oportunidade de nos dar os instrumentos para ver o que Deus operou neles.
Assim como a revelação de Deus a nós é o que fundamenta a nossa razão e possibilita o ato de dar sentido, assim também, em uma escala muito menor, a nossa compreensão de outra pessoa deve se fundamentar na sua autorrevelação a nós. Se eu encontrar um homem e ficar ruborizado e emudecido, pode ser porque eu o considero bonito e charmoso, ou pode ser porque eu sei que o ofendi seriamente no passado e estou com vergonha de vê-lo novamente. Não existe nenhuma lista de correspondências que decifre instantaneamente o sentido desses sinais para quem me vê: o sentido deles se encontrará, em vez disso, na minha história de minha, na soma de tudo o que eu digo e disse sobre mim no discurso, nos sinais e nas ações.
Assim também ocorre com as roupas que vestimos, com as formas de falar que escolhemos, com a companhia que mantemos: tudo isso pode expressar o conjunto de relacionamentos e desejos que chamamos de “gênero”, mas só podemos dar sentido a isso por meio da história de vida de uma pessoa – a imagem completa de uma pessoa sendo aquilo que ela é.
A decisão de uma mulher de usar jeans de trabalho expressa sua forma de ser mulher; a decisão de um homem de usar cabelo comprido expressa a sua forma de ser homem. Esse fato crítico foi, penso eu, negligenciado por um discurso teológico católico que trata os debates seguros e estéreis sobre sexo médico como cruciais, enquanto negligencia severamente os tópicos mais difíceis que carregam um peso moral e ético real – a saber, os atos comunicativos pelos quais alguém tenta narrar uma parte tão importante da sua história de vida, e como nós, cristãos, devemos receber essa história.
Não estou propondo aqui o dever de receber as histórias de vida que as pessoas nos contam, inclusive sobre seu gênero, sem nenhum engajamento crítico. Mas a negação reflexiva com a qual as histórias das pessoas transgênero são recebidas é apenas um “engajamento crítico” com uma cultura intelectual que rotineiramente confunde erudição com discussão, anúncios pagos para resenhas de livros e pronunciamentos em busca de publicidade sobre teologia moral.
O engajamento autêntico – o tipo de encontro radical com outras pessoas que o Papa Francisco regularmente estabelece como uma obrigação para todos os cristãos batizados – exige que suspendamos tais instintos para uma reação imediata. Para sermos adequadamente críticos, devemos primeiro entender aquilo que criticamos. Devemos entender o que uma pessoa está dizendo: quais são os seus termos, como eles mapeiam a experiência e como o arranjo desses termos extrai sentido e significado dos eventos sequenciais da experiência. Essa compreensão não vem de uma reação momentânea a uma única afirmação, mas de um envolvimento contínuo com a compreensão plena de uma pessoa sobre a sua própria vida.
A verdade da biografia não é como a verdade de uma reportagem de jornal; se fosse, não haveria sentido em escrever uma biografia. Escrever uma biografia, contar uma história de vida não é apenas contar o que aconteceu, mas levar o leitor ou ouvinte às profundezas da experiência do sujeito, mais do que a simples narração factual permite.
Plutarco, no alvorecer da biografia, tem plena consciência disso quando diz que se deve permitir “atender aos sinais da alma” em seus temas, em vez de apenas os “grandes feitos e contendas” que a sua era considerava como definidores do caráter de uma pessoa. Ele sabia que a verdade de uma vida emerge apenas por meio da nossa imersão nela, que se torna aparente apenas por meio da compreensão madura de uma pessoa em seus próprios termos.
Isso reflete a forma como chegamos a compreender a verdade sobre Deus, cuja obra em nossas vidas está oculta de nós até e a menos que entremos mais profundamente na vida cristã de amor. É esse amor que deve ser o nosso ponto de entrada na história de vida de outra pessoa. Somente no amor e por meio dele podemos começar a entender o que uma pessoa está nos dizendo.
E o que uma pessoa nos diz quando assume e corrige a história do seu gênero é terrivelmente importante. Quando uma pessoa se identifica como transgênero, ela está dizendo que os relacionamentos que a nossa sociedade permitiu que ela formasse não são adequados, que deve haver maneiras mais autenticamente humanas para ela viver. Elas estão dizendo que a linguagem usada sobre elas até esse ponto, a linguagem pessoal que em inglês é altamente generificada e o é ainda mais em muitas outras línguas, era sentida como uma mentira, uma mentira que não pode mais ser suportada por causa de tudo aquilo que ela distorce ou obscurece sobre as suas vidas. Elas sentem que deve haver outras formas mais verdadeiras para falar sobre as suas vidas. Elas podem até estar dizendo que sentem um tipo grave de erro em relação ao seu corpo e ao modo como ele se desenvolveu, que o seu cérebro não está interagindo adequadamente com o restante do seu corpo, de modo que a sua mente e o seu espírito são afetados, uma condição agora chamada de “disforia de gênero”.
Não há nada no ensino da Igreja que nos obrigue a descrer dessas coisas quando as ouvimos, e, de fato, há muito que nos urge a levá-las a sério. Ao fazer essa revisão em sua história de vida, a pessoa está tentando ser ela mesma mais plenamente, para chegar a um senso maduro de quem ela é que dê sentido à sua vida como ela se desenvolveu até agora.
Como McCabe poderia dizer, é uma revolução do eu, um avanço que não faz sentido nas nossas velhas maneiras de pensar, mas depois da qual as nossas velhas maneiras de pensar ganham um novo tipo de sentido. Desse modo, é como se apaixonar: não nos apaixonamos em etapas discretas e deliberadas. Em vez disso, percebemos que simplesmente estamos apaixonados, e essa percepção reescreve a história do nosso passado e desenha novamente os horizontes do nosso futuro.
Essa revolução afeta todos que conhecem essa pessoa e nos convida também a dar um novo sentido à sua vida e ao modo como nos encaixamos nela. Se levarmos a sério o pronunciamento de Cristo de que nós, seus discípulos, conheceremos a verdade e a verdade nos libertará, então devemos a outras pessoas o fato de receber suas tentativas de dizer a verdade sobre si mesmas e de tentar ver a verdade naquilo que elas dizem, mesmo e talvez especialmente quando as nossas maneiras habituais de falar e de pensar não se acomodam facilmente.
À objeção, popular em círculos mais conservadores, de que o entendimento das pessoas transgênero sobre seu próprio gênero é defeituoso, só se pode dizer que sim, é claro que é, da mesma forma que o seu e o meu são defeituosos, embora a maioria das pessoas trans tenha passado muito mais tempo pensando sobre o assunto do que o restante de nós.
As nossas ideias de gênero são formadas em um mundo decaído, em sociedades criadas por seres humanos decaídos que nos ensinaram a importância de lutar em guerras e de ter filhos, mas frequentemente negligenciaram o ensino da importância ainda maior de ser corajoso e de criar filhos.
De fato, dados os polos de violência masculina e de abnegação feminina que estruturam a compreensão de gênero na nossa cultura, devemos nos surpreender não pelo fato de que algumas pessoas considerem as suposições, expectativas e restrições que elas impõem como uma mentira insuportável, mas porque a maioria das pessoas sempre as suporta. Embora a nossa compreensão de gênero possa ser fundada de alguma forma na verdade, eu não acho que sejamos capazes de dizer o que é essa verdade. A Escritura nos diz que “homem e mulher Ele os criou”, mas as pessoas não decaídas diferem muito das decaídas, e qualquer que seja o sentido de “homem e mulher” no Éden, não podemos hoje dizer como a humanidade não decaída expressou o gênero.
Hans Urs von Balthasar observa que “não podemos conhecer a forma de uma sociedade humana paradisíaca” ou mesmo “uma relação primária entre os sexos, uma vez que os primeiros filhos nasceram fora do Paraíso”, e John Cavadini diz que não podemos falar sobre sexo não decaído pela mesma razão: a nossa vontade é decaída, e os nossos pensamentos são pecaminosos, e as formas pelas quais a humanidade não decaída viveu não estão disponíveis para nós, exceto nos exemplos do Salvador e de Sua Mãe, cujas vidas as Escrituras relatam apenas brevemente.
As pessoas transgênero costumam ver essa lacuna no nosso conhecimento melhor do que os cisgêneros. O que as histórias de vida de pessoas trans nos mostram é que ainda não entendemos as Escrituras, que “homem e mulher Ele os criou” não é um modelo, mas sim um mistério, profundo o suficiente que ainda não podemos mapear totalmente os seus contornos, mas que devemos abordar com corações cheios de humildade e amor.
Acima de tudo, essa humildade significa estar consciente do nosso próprio pecado. A maneira como vivemos o gênero é objetivamente perversa: o casamento e a vida religiosa são ambos escolas para expor isso e nos ensinar a viver melhor. O fato de que a tentativa de alguém de viver isso com sinceridade pode confundir a nossa compreensão diz muito mais sobre a pequenez da nossa compreensão do que sobre a outra pessoa, assim como a necessidade de mudar a nossa linguagem sobre uma pessoa diz apenas que a nossa linguagem sempre foi inadequada.
Nada disso é novo para uma tradição cristã na qual Deus escapa sempre do nosso discurso e, mesmo assim, expressa a Sua obra na vida de todos que encontramos. Isso também não implica que as pessoas não possam fazer um relato errado sobre si mesmas; de fato, isso presume que todos os nossos relatos sobre nós mesmos estão de alguma forma errados, e que os nossos erros só podem se tornar visíveis à luz de outros que vivem na verdade de Deus de forma diferente da nossa.
Mesmo assim, não temos nenhum outro ponto de partida senão as histórias que as pessoas contam sobre si mesmas: impor uma história de vida estranha sobre um ícone de Deus é ler a outra pessoa através dos olhos do nosso pecado e das mentiras que o pecado nos ensinou. É pecar – e nós pecamos assim – contra elas e contra o Deus que as criou, quando o que realmente devemos a elas é um novo começo. Não podemos desfazer as feridas que infligimos quando exigimos histórias falsas em vez de verdadeiras; somente Cristo pode fazer novas todas as coisas. Mas, da nossa própria e pequena maneira, podemos admitir os nossos erros e começar a ouvir, conhecendo a nossa ignorância e não nos envergonhando dela.
McCabe observa que “dar amor é dar o precioso dom do nada, do espaço. Dar amor é deixar ser (…) A criação é simples e unicamente deixar as coisas acontecerem, e o nosso amor é uma vaga imagem disso”. Quando reservamos um tempo para deixar uma pessoa ser quem ela é e contar a história do seu ser, também estamos participando, embora vagamente, do ato da criação e, ao fazer isso, também nos tornamos mais plenamente os seres humanos que fomos criados para ser. Quando tivermos aprendido a fazer isso, podemos começar a falar com bom senso.
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Gênero, sexo e outras tolices - Instituto Humanitas Unisinos - IHU