01 Fevereiro 2021
Em 2014, Thomas Piketty revolucionou a teoria economia contemporânea com a publicação de seu livro “O Capital no século XXI”. O economista francês (Clichy, 1971) realizou uma análise da desigualdade, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, a partir do final do século XIX, com uma linguagem clara e alguns postulados contundentes, que o levaram ao número um da lista de não ficção do New York Times e o tornaram um sucesso de vendas (até o momento, ultrapassou três milhões de cópias vendidas em todo o mundo).
A reportagem é publicada por Infobae, 28-01-2021. A tradução é do Cepat.
Em 2019, apresentou seu mais recente livro, “Capital e Ideologia”, no qual pretende oferecer algumas alternativas ao capitalismo moderno.
Piketty falou sobre o seu mais recente texto, sobre capitalismo e desigualdade, em uma conversa com o analista econômico colombiano Ricardo Ávila, em evento que compõe a programação do Hay Festival 2021, que acontece nesses dias na Colômbia.
“Eu considero que a luta de classes é importante, considero que a ideologia é importante, os dois fatores estão relacionados, mas não quer dizer que estejam alinhados um ao outro. A classe não determina a ideologia completamente, é só um dos fatores que influenciam, mas não se trata de uma relação um a um. Quando eu falo de ideologia, não a abordo com uma ideia negativa, o que quero dizer é que cada sociedade, cada indivíduo tem que ter ideias, ideologias, opiniões sobre o que considera ser a melhor forma de organizar a sociedade”.
Em seu texto, a partir de dados, números e estatísticas, o diretor de estudos da Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais (uma das instituições educacionais de maior reputação na França) remonta à origem das desigualdades, sob a premissa, explica, de que aprender da história de outros sempre será importante.
“O que busquei analisar em meu livro Capital e Ideologia é a história da desigualdade, é que existe uma grande diversidade de ideologias, de instituições, que podem dar origem a diferentes níveis de desigualdade. É isso que estive estudando, em diferentes países, ao longo do tempo, da história, buscando analisar esses processos, que é uma das melhores formas que temos para nos preparar para uma transformação, para alguns processos futuros. Não posso prever como serão, mas acredito que é preciso levar em conta o passado para nos preparar para as transformações futuras”.
A partir dessa espécie de exploração da história das desigualdades, Piketty oferece uma proposta em seu livro, afirmando que pode ajudar a melhorar as condições de equidade na economia capitalista.
“Eu descrevo três tipos de impostos: um imposto anual sobre a propriedade, outro sobre a renda e outro pela emissão de carbono, que é uma nova forma de tributação progressiva que antes não existia e que acredito que é muito importante para o futuro”.
O professor associado da Escola de Economia de Paris afirma que, a partir de suas indagações históricas, pôde concluir que impostos assim contribuíram muito para a redução da desigualdade no século XX, especialmente em regiões desenvolvidas, como nos Estados Unidos, Canadá e Europa Ocidental, onde os recursos desses tributos puderam ser utilizados em educação e em infraestrutura.
“Não digo que todos esses investimentos foram com o dinheiro dos mais ricos, mas é certo que tiveram algumas obrigações tributárias mais altas durante o século XX, o que facilitou que as classes médias e de menor renda pudessem receber mais em seguridade social. Fez parte do contrato social que teve êxito no século XX”.
Piketty explica, por exemplo, que nos Estados Unidos, entre 1930 e 1980, em média, o nível de impostos para as rendas mais altas foi de 81%. Estava em 70% um ano antes de Reagan chegar à presidência, “e isto não matou o capitalismo nos Estados Unidos, ou não existiria hoje. Ao contrário, foi um período de crescimento”, afirma.
No entanto, quando o republicano chegou à Casa Branca, partiu de uma ideologia diferente. “Ele disse: ‘penso que já fomos longe demais com isto do new deal’”, e os impostos para os mais ricos baixaram de 80% para 30% e 28%. “Eles sabiam que esta redução de impostos podia levar a aumentar a desigualdade, mas afirmavam que também significaria um maior crescimento econômico, o que implicaria que o bolo que seria dividido seria muito maior e até mesmo o salário menor cresceria mais do que antes, todo mundo se beneficiaria, e isso evitaria, até certo ponto, o aumento na desigualdade”.
Isso, conclui Piketty, não ocorreu. Os dourados anos 1980 significaram um grande boom econômico, mas, explica, o crescimento per capita caiu pela metade, porque metade da população não participou das boas notícias, o que significou um grande aumento na desigualdade.
“Esse ‘fracasso’ de Reagan explica uma parte importante deste ambiente político que vemos nos Estados Unidos nos últimos anos, pode ser parte da explicação da razão pela qual o Partido Republicano é antiglobalização, antiestrangeiros. Na época de Reagan havia muito otimismo de que as políticas econômicas trariam prosperidade para todos, incluindo as classes médias e os mais pobres, mas isso não funcionou, então o Partido Republicano começou a buscar uma explicação: ‘nosso crescimento foi levado pela China e os migrantes do México, o resto do mundo é culpado de ter levado o dinheiro dos estadunidenses que trabalham duro’ e foi assim que terminamos com a eleição de Donald Trump”.
É assim que, avalia o economista francês, uma das lições da história do século XX é que requeiramos um tipo de tributação progressiva da renda, para poder controlar a desigualdade que temos visto crescer nos últimos anos. “É importante ver os fatos e não ficar com a declaração típica de que iremos baixar os impostos para aumentar o crescimento. Há uma parte dos econômicas que dizem que é preciso crescer primeiro antes de redistribuir a riqueza e que por isso não é boa ideia subir os impostos, porque essa tributação progressiva irá afetar o crescimento, mas em meu trabalho eu faço comparações históricas, sistemáticas, e isso não está correto”.
Piketty cita como exemplo a situação da Europa após os enfrentamentos bélicos. “Após a Segunda Guerra, iniciou-se a implementação da tributação progressiva e foi criado o sistema de seguridade social, e após 1945, a taxa de crescimento foi maior que no século XIX, antes da Primeira Guerra Mundial, e nunca retornamos a esse tipo de concentração da riqueza de antes da Primeira Guerra, que era muito parecido ao que temos agora em alguns países da América Latina. Percebemos que esse tipo de concentração extrema da riqueza e a renda não era útil socialmente”.
O autor de Capital e Ideologia afirmou que a prioridade do investimento social deveria ser a educação. “A educação é central, e foi uma ponte para a prosperidade nos países ricos, o êxito foi investir em educação e em saúde, mas isto requer um sistema tributário que seja equitativo para que as pessoas aceitem pagar por tudo isto. Trata-se de equilibrar o investimento em saúde e em educação com um sistema apropriado de tributação para cobrir esses custos”.
No entanto, adianta que chegar a esse sistema tributário mais equitativo não será fácil. “O que mostro em meu livro é que se requer uma grande mobilização política e social para impor mudanças nesses regimes desiguais. A revolução francesa representou uma contribuição importante, também a mobilização das classes trabalhadoras na primeira parte do século XX. O final da escravidão ocorreu após uma longa luta. No mundo real, é necessário um período de crise, de mobilização social, de novos desafios, para forçar esta mudança social, a transformação destas instituições econômicas e ideológicas. A democracia e o voto universal são importantes, mas não são suficientes para alcançar a mudança”.
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“A educação foi uma ponte para a prosperidade nos países ricos”, afirma Thomas Piketty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU