17 Dezembro 2020
“É incontroverso que o contexto global contemporâneo se encontra dominado pela lógica capitalista, a qual consolidou nos países um estilo de vida específico calcado no consumismo. A fim de sustentar esse modo de vida altamente capitalista, o liame existente entre o homem e o meio ambiente passou por consideráveis modificações. É fato que a relação entre o ser humano e a natureza sempre existiu, pois os indivíduos sempre buscaram nela meios para satisfazer suas necessidades relacionadas à sua sobrevivência e bem-estar. Contudo, quando se verifica um modelo social calcado no consumismo e na criação sucessiva de bens e objetos de consumo como sinônimo de felicidade, a relação que antes era baseada na garantia da sobrevivência e do bem-estar dos sujeitos passa a se basear em necessidades irracionais e insustentáveis, cuja principal consequência é a criação de um rastro de destruição ambiental”, escrevem Mariza Rios, doutora em Direito pela Universidade Complutense de Madrid – Espanha, e Giovanna Rodrigues de Assis, graduanda em Direito Integral na Escola Superior Dom Helder Câmara, nos Cadernos IHU Ideias número 309.
As autoras evidenciam algumas relações de trabalho que surgem na lógica capitalista-consumista. Segundo elas, “dentro desse cenário, destaca-se a posição sui generis ocupada na sociedade por um grupo de indivíduos denominados catadores de materiais recicláveis. A constituição dessa categoria representa um paradoxo ao contexto contemporâneo: a mesma sociedade de consumo que tem contribuído para a degradação ambiental em diversos níveis, possibilitou o surgimento e a manutenção de uma classe de pessoas que atua contrariamente à lógica do modelo econômico-social vigente, uma vez que esses sujeitos encontraram naquilo que aos olhos do capitalismo não possui mais valor – e que provavelmente integraria parte dos resíduos que contribuem para o atual colapso ambiental –, seu meio de sobrevivência e de obtenção de renda”.
Mariza e Giovanna se valem dos argumentos apresentados pelo Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si’ sobre a cultura de descarte e a aparentemente invisível correlação entre degradação ambiental e sofrimento das populações mais pobres. A partir das contribuições de Zygmunt Bauman, as autoras argumentam que, se as mercadorias são descartadas e, em tempos de modernidade líquida, o próprio consumidor vira mercadoria, conclui-se que a cultura de descarte atinge diretamente vidas.
Neste contexto dramático, Mariza e Giovanna nos convidam a considerar a categoria de catadores de materiais recicláveis como cidadãos essenciais para a sustentabilidade ambiental e social, além de novos sujeitos de direitos. As crises que se convergem e marcam o ano 2020 – sanitária, climática, política, ética, econômica e social – evidenciam a importância destas pessoas no funcionamento das sociedades que percorriam um caminho cada vez mais urbanizado e consumista. Nas palavras das autoras,
“A realidade constatada é que, ao exercerem a sua atividade tendo como objetivo imediato a garantia de um meio de obtenção de renda, esses trabalhadores acabam por realizar, também, um serviço de utilidade pública e ambiental. Em face do exposto, conclui-se que é fundamental que a atividade exercida pelos catadores e catadoras de materiais recicláveis seja devidamente reconhecida pelos órgãos públicos e pela sociedade civil. Para tanto, se faz necessária a criação de políticas públicas e a aplicação de recursos financeiros nesse setor, com o fito de proporcionar uma estrutura para que esses sujeitos possam expandir o seu trabalho e exercê-lo com maior segurança. Além disso, é de extrema importância a criação de projetos de educação ambiental para que a sociedade civil possa se conscientizar sobre o protagonismo ecológico desses trabalhadores, dando passo essencial para desestigmatizar a imagem dessa população frente ao corpo social”.
Imagem: Capa dos Cadernos IHU Ideias número 309, de Mariza Rios e Giovanna Rodrigues de Assis
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A construção da sustentabilidade ambiental. Catadores de materiais recicláveis como sujeitos de direitos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU