04 Dezembro 2020
"O caminho para a reconquista da democracia de fato, lastreada nos pressupostos dos direitos humanos, é longo. Aos setores democráticos é preciso evitar ilusões messiânicas; atuar em diversas frentes na consolidação de um projeto nacional inclusivo e democrático. Retomar as ações estratégicas de organizações de base, trabalhando a formação política; unificar as lutas sociais e criar novos mecanismos de informação e formação alternativos aos oligopólios da mídia", escreve Robson Sávio Reis Souza, pós-doutor em Direitos Humanos e doutor em Ciências Sociais. É presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de MG.
No próximo dia 10 de dezembro comemoramos o 72º aniversário da Declaração Universal de Direitos Humanos. E, mais que nunca, precisamos falar sobre os direitos humanos.
Com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a humanidade incorporou, paulatinamente, o cerne que sustenta as democracias contemporâneas: a partir da noção de dignidade humana, todos os estados nacionais devem elaborar e implementar políticas de defesa, proteção, reparação e promoção de direitos. Não somente dos direitos liberais (civis e políticos), mas também, e com a mesma intensidade, dos direitos sociais, culturais, econômicos e difusos.
Os direitos humanos são todos os direitos (civis, políticos, culturais, econômicos, sociais...) e são direitos de todos (independentemente da origem étnica, da condição econômica, da orientação sexual e das preferências políticas, religiosas e ideológicas...).
Sendo a dignidade humana o cerne da doutrina dos direitos humanos, lembramos as palavras do Papa Francisco em discurso no Parlamento Europeu:
Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis de que não pode ser privada pelo arbítrio de alguém, e muito menos em benefício de interesses econômicos. (...). Afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente e não pode, por isso, ser objeto de troca ou de comércio. (Papa Francisco. Discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em 25.11.2014).
Fica patente na declaração de Francisco que nos últimos tempos as democracias têm se capitulado à lógica perversa do capital. A economia se sobrepõe à política e os direitos sociais são drasticamente reduzidos em muitos países.
Em sociedades de consumo e de individualismo exacerbado, os pobres e despossuídos de direitos – também chamados de consumidores falhos – têm seus direitos limitados ou até mesmo sequestrados. E para a realização plena dos direitos humanos a intervenção do Estado – para diminuir as perversidades do capitalismo em sua fase rentista e concentradora de riqueza e renda - é crucial.
Como naturalizar e não problematizar, por exemplo, a imensa injustiça provocada pelas altíssimas taxas de juros e de spread bancário que oprimem milhões de cidadãos (consumidores) em favor de meia dúzia de banqueiros e especuladores?
Lançando um olhar sobre a realidade brasileira, Jessé de Souza (2015) nos ajuda a entender que a perfeita união entre o economicismo ("a crença explícita ou implícita de que a variável econômica por si esclarece toda a realidade social") e o culturalismo conservador (“uma ciência da ordem que existe para afirmar e legitimar o mundo como ele é”) justificam as leituras dominantes e empobrecedoras do debate político em nosso país. Por que não indignamos do fato de que "nos bolsos do 1% mais rico da população brasileira está o resultado do trabalho dos 99% restantes"?
Para manter uma ordem social estruturalmente injusta e desigual, somente com muita violência simbólica, "que se disfarça de convencimento pelo melhor argumento". Como já ensinava Max Weber, é preciso que o dominado socialmente se convença de sua inferioridade para que a dominação social seja possível. Neste sentido, "a legitimação científica da dominação fática produz a imagem de sociedades idealizadas de um lado e de sociedades essencialmente corrompidas do outro". Portanto, "em vez de apontar para as causas reais da concentração da riqueza nas mãos de uns poucos e para a exclusão da maioria, essas concepções de intelectuais servis ao poder e ao status quo nos levam a acreditar que nossos problemas advêm da 'corrupção apenas do Estado', desviando nosso olhar a uma falsa oposição entre o Estado demonizado, tido como corrupto, e um mercado visto como o reino de todas as virtudes".
Por isso, cada vez mais é preciso estudar e conhecer nossa história e a real situação dos direitos humanos em nosso país: um país historicamente marcado pela violência estrutural e pela justiça seletiva, cuja cultura dominante e elitista naturaliza as desigualdades étnico-raciais, geracionais e socioeconômicas (produtoras de múltiplas exclusões e de várias formas de preconceito e discriminações).
O caminho para a reconquista da democracia de fato, lastreada nos pressupostos dos direitos humanos, é longo. Aos setores democráticos é preciso evitar ilusões messiânicas; atuar em diversas frentes na consolidação de um projeto nacional inclusivo e democrático. Retomar as ações estratégicas de organizações de base, trabalhando a formação política; unificar as lutas sociais e criar novos mecanismos de informação e formação alternativos aos oligopólios da mídia.
Por fim, um projeto de Nação democrática, para além de democracia formal, significa a defesa intransigente dos direitos e conquistas (mesmo que parciais em muitos casos) advindos com a Constituição Federal de 1988, violentamente solapados nos últimos anos pelas reformas ultraliberais em curso, principalmente na perspectiva da reconstrução de um estado social, baseado nos pressupostos dos direitos humanos.
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