17 Novembro 2020
A revista mensal San Bonaventura Informa – da Pontifícia Faculdade Teológica São Boaventura Seraphicum – reúne em uma publicação digital gratuita (“L’economia di Francesco”, editada por Elisabetta Lo Iacono, disponível em italiano aqui) todos os artigos da coluna “L’economia di Francesco”, com a qual ela acompanhou seus leitores rumo à celebração do evento internacional “A economia de Francisco” (19-21 de novembro de 2020).
Retomamos, por gentil concessão da redação da revista, o prefácio assinado pelo economista italiano Luigino Bruni, responsável científico do encontro “A economia de Francisco” (o evento será realizado online, de acordo com a programação detalhada em francescoeconomy.org).
Bruni é professor do departamento de Jurisprudência, Economia, Política e Línguas Modernas da universidade Lumsa, de Roma. O artigo foi publicado por Settimana News, 15-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“A economia de Francisco” nasce com os jovens, nasce a partir da ideia do papa de falar e de ouvir quem hoje está se formando e está trabalhando por uma economia fraterna e mais justa, à altura dos tempos novos. Os jovens ainda têm uma capacidade e uma disponibilidade à mudança, e se todos queremos ter esperança, devemos ter esperança com eles.
Hoje, “A economia de Francisco” é um verdadeiro movimento, que envolveu mais de 3.000 jovens economistas e empreendedores de 115 países e inspirou mais de 300 encontros preparatórios em todo o mundo.
O século XXI está mostrando que os bens comuns, os bens relacionais e o ambiente não são administráveis com a lógica capitalista, e, se não mudarmos rápida e velozmente, nós só os destruiremos.
O movimento de Greta e os outros movimentos juvenis que, nestes últimos tempos, estão animando (dando alma) ao mundo, dizem a mesma coisa de vários modos. Embora a dimensão econômica desse variado movimento juvenil seja menos enfatizada do que a ecológica, o grande desafio do século XXI será mantê-las juntas.
E é aqui que se capta o sentido do evento “A economia de Francisco”: um processo iniciado para oferecer aos jovens uma pátria ideal (Assis) a partir da qual partir para encontrar uma relação integral com o oikos. Uma nova ecologia só é possível junto com uma economia nova – se o oikos é um só, não é concebível nem viável uma ecologia integral sem uma economia integral.
A Laudato si’ marcou uma etapa fundamental da conscientização da Igreja e do mundo sobre a insustentabilidade do capitalismo, em particular em relação à terra. A convocação (10 de maio de 2019) que o Papa Francisco dirigiu aos jovens economistas e empreendedores para um evento global em Assis é uma concretização e um desenvolvimento de algo que acompanha constantemente a sua ação e o seu pensamento.
Essas são as grandes inovações de “A economia de Francisco”. É a primeira vez que um líder mundial ou uma instituição global convoca jovens economistas para chamá-los a um compromisso comum e grupal.
O papa se coloca nas mãos dos jovens, do seu coração e da sua inteligência para mostrar e pensar uma economia diferente daquela que hoje exclui e “mata” milhões de pessoas na terra. Esta é já uma primeira mensagem: dar espaço aos jovens, e não preencher todos os espaços. O Papa Francisco já disse várias vezes: é preciso ativar processos, e não ocupar espaços.
Depois, a economia. A Igreja Católica sempre deu uma grande atenção à política ou à família. Menos para a economia como ciência econômica e empresarial. Este papa também inova ao colocar a teoria e a prática econômicas no centro da sua atenção de pastor. Não se muda o mundo sem mudar a prática e, sobretudo, a teoria econômica.
O Papa Francisco, por outro lado, entendeu que, sem uma época de pensamento econômico novo, não vamos a lugar algum, porque hoje a economia é a gramática da linguagem social. É um grande fator de inovação ter compreendido que a economia é uma prioridade se quisermos mudar o mundo em um sentido humanístico e cristão.
“A economia de Francisco” é a economia do Papa Francisco e de São Francisco, juntos. Aquela economia franciscana amplamente descrita nestas páginas [da revista]. Francisco iniciou a sua revolução, também econômica, escolhendo como sua forma de vida “somente” o Evangelho.
Ele era jovem quando decidiu pôr fim às riquezas mercantis do seu pai para se dedicar inteiramente à sua vida nova, colocando no centro a “irmã pobreza” e o desapego também material dos bens como sinal de perfeição de vida.
Aquele gesto, portanto, foi a certidão de nascimento de uma oikos-nomos diferente, de um novo governo da casa, não mais gerido pela busca de lucros e de ganhos. Foi a gênese de um reino onde a moeda é a charis: a gratuidade.
Aquela primeira gratuidade deu origem a uma economia e a uma civilização do gratuito – pensemos nos Monti di Pietà, protobancos civis, as primeiras instituições de microfinanças sem fins lucrativos – que libertou e continua libertando milhões de pobres.
A escolha de Francisco e dos franciscanos de viver em “altíssima pobreza”, isto é, sem nada possuir, continua sendo hoje uma grande profecia para a economia, porque também nos lembra que existe outra dimensão da pobreza (aquela escolhida livremente) entendida como partilha de vida, como providência, como gratuidade.
Uma pobreza entendida como sobriedade, como libertação das mercadorias para escolher os bens. Nenhuma economia funciona se antes das mercadorias não soubermos ver os bens, isto é, aquelas realidades que têm valor não só porque têm um preço. O princípio econômico funciona se se apoiar no princípio da gratuidade, porque podemos vender e comprar, trocar e lucrar, somente se primeiro reconhecermos uma lei da gratuidade que fundamenta a vida de todos e se soubermos ver o valor das coisas infinitamente maior do que o seu preço.
A relação entre os franciscanos e a economia é muito mais complexa do que aquilo que se conta – mas também muito mais interessante. Hoje, não temos mais as categorias para compreender o que foi a pobreza de Francisco e depois de Clara e dos seus discípulos.
Ao contrário da dos mosteiros, onde pessoas individualmente pobres viviam em instituições que se tornaram ricas, a pobreza de Francisco era individual e comunitária, porque nem mesmo os conventos deviam possuir bem algum. Nada possuir, vivere sine proprio.
Imediatamente, com Francisco ainda vivo e durante um século depois, desenvolveu-se um acalorado debate, até mesmo jurídico, sobre a distinção entre propriedade dos bens e o seu uso. Os teólogos e os juristas franciscanos tentaram convencer os papas e a Igreja de que era possível consumir os bens primários sem se tornar seus donos.
E assim, enquanto a Idade Média cristã seguia a ética econômica moderada herdada do fim do Império Romano, Francisco, os seus frades e as suas irmãs tentaram algo de impensado que ainda hoje nos deixa sem fôlego: voltaram pelas estradas, de ricos se tornaram pobres mendicantes em meio aos pobres. A riqueza franciscana se tornou o não possuir nada para entrar em outro reino.
Mas, como sabemos, a tentativa franciscana de distinguir propriedade dos bens do seu uso não teve sucesso. A Igreja de Roma (Papa João XXII), contestando as teses dos teólogos franciscanos (São Boaventura), afirmou com uma bula a impossibilidade unicamente do uso dos bens e atribuiu à ordem a propriedade dos bens que eles usavam.
A utopia muito concreta dos franciscanos não entrou nem no direito da Igreja romana, nem na herança econômico-jurídica do Ocidente. Mas não está morta, porque continua desafiando as nossas economias e os nossos sistemas jurídicos. Mais uma vez, a partir de Assis e de Francisco.
Com o terceiro milênio, entramos definitivamente na era dos bens comuns. Se continuarmos nos sentindo proprietários e donos da terra, da atmosfera, dos oceanos, continuaremos somente a destruí-los. Devemos, logo, aprender a utilizar os bens sem sermos donos deles, devemos velozmente aprender a arte do uso sem propriedade.
Em Assis, os jovens se (e nos) perguntarão: a economia do sine proprio será a oikonomia possível da era dos bens comuns?
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Francisco, a economia, os jovens e Assis. Artigo de Luigino Bruni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU