31 Outubro 2020
"Era possível entender e temer que muitos elementos estavam se soldando em um amontoado explosivo como aquele que está testando as praças nestes dias: e, agora que chegou, deve ser compreendido e impedido", escreve Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por Domani, 29-09-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O que está acontecendo nas praças e na sociedade italianas tem algo de inédito. Já se sabia que a raiva social estava chegando. Já se percebia que o intervalo temporal que separa a promessa de um plano de reconstrução e o seu financiamento e a sua execução era perigosamente grande.
Era evidente que as organizações criminosas gozavam da ingenuidade com que todos continuam pensando nelas na sua dimensão folclórica-geográfica tradicional e subestimaram a sua capacidade de construir rapidamente estratégias financeiras e industriais capazes de superar a cultura sem fôlego do capitalismo italiano.
Já se podia presumir que as forças que chamaremos por comodidade – e até dando razão ao ministro Peppe Provenzano que teme uma inflação minimizadora do termo – de “fascistas”, incitadas pela parte mais irresponsável da direita italiana, não tinham desaparecido com o fim da hegemonia salviniana sobre a Liga.
Portanto, podia-se entender e temer que tudo isso unido estava se soldando em um amontoado explosivo como aquele que está testando as praças nestes dias: e, agora que chegou, deve ser compreendido e impedido.
O desastre que a pandemia – e não o governo – causa à restauração nestes dias que são o prelúdio de um confinamento europeu em grande escala não é suficiente para explicar a capacidade de manobra e de ação dos grupos que demonstraram que podem colocar a ferro e fogo o centro das grandes cidades em uma geografia (Nápoles e não Palermo, Turim e não Milão, Roma e não Bolonha) que deveria nos fazer refletir.
Não pode ser a longa manus das máfias sobre a cadeia produtiva alimentar que justifique a rapidez de um fenômeno que, para citar Luciano Lama, “não é a rebelião de uma parte sequer pequena do povo”, mas sim a alusão chantagista e ameaçadora às instituições democráticas que se faz ver como possível.
Conforme explicou o procurador antimáfia Cafiero De Raho, infiltraram-se e uniram-se ao protesto os grupos antagônicos, os ultras da direita “futebolística” das torcidas violentas e a mão invisível da criminalidade que é capaz de fornecer aquele “refresco” por excelência que é comprar tudo, seja por meio do empréstimo usurário, seja a preços vantajosos para ela a poucos semestres do fim da emergência.
Uma solda inédita: e de rara periculosidade, porque, no imaginário do cidadão pensativo, essas três ameaças à ordem e às instituições estão em áreas diferentes. Este pensa que – usando nomes do jornalismo – as ameaças a Paolo Berizzi vêm de ambientes diferentes daqueles que forçam Paolo Borrometi a viver sob escolta e que mandaram embora absolvidos os agressores de Carlo Alvino.
Por outro lado, nestas lívidas “noites italianas”, são precisamente essas três instâncias que estão se aproximando e se aproximaram perigosamente: e, mais do que o cidadão pensativo, hoje é a estabilidade e a vigilância do governo e da relação governo-parlamento que devem garantir que se intervirá com toda a força necessária para apagar o fogo de uma infecção que não é menos insidiosa do que a Covid-19.
O fato de que as sociedades ocidentais vão sair mudadas pela Covid-19 já é dito até por quem tem um diploma em sociologia online: mas a peculiaridade italiana – sempre no meio, mesmo agora que a falha das relações internacionais se reposicionou no Mediterrâneo oriental como há dois séculos, sempre frágil nas suas instituições e na sua representação política, mesmo que por razões totalmente diferentes das dos anos 1970 ou 1990 – diz que o nosso amanhã não deverá se defrontar apenas com aquilo que todos deverão se defrontar – desigualdades, reinvenção da economia, pagamento das dívidas desta fase: há questões mais antigas e mais históricas que tornam as instituições democráticas um bem que precisa de uma proteção maior do que elas podem oferecer.
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Raiva social: o segundo contágio a ser erradicado. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU