ONU: clima, biodiversidade e patologias se interconectam

Foto: Pixabay

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

31 Outubro 2020

“Não há um grande mistério: as pandemias são completamente provocadas pelas atividades humanas”. E essas atividades são as mesmas que causam a crise climática e a extinção em massa de espécies: a “exploração insustentável” do planeta, segundo revelou uma análise do Painel Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Ecossistema (IPBES, na sigla em inglês) da ONU.

A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 29-10-2020. A tradução é do Cepat.

Entre as agressões que essa exploração ambiental acarreta, o IPBES destaca a mudança no uso dos solos, a expansão da agricultura intensiva e o comércio com a vida selvagem. Mas por que “o crescimento exponencial do consumo e o comércio” levou ao surgimento de doenças infecciosas? “Porque interrompe as interações naturais entre a vida selvagem e os micróbios, aumenta o contato entre esses animais silvestres, o gado, os humanos e os patógenos, o que levou a quase todas as pandemias”, responde o relatório.

De fato, os pesquisadores recordam que 70% destas novas doenças, e praticamente 100% das que se expandiram planetariamente (da gripe ao HIV e a Covid-19) são causadas por vírus cuja origem está nos animais e saltaram aos humanos pelo contato entre a vida selvagem, o gado e as pessoas.

Ao mesmo tempo, todas essas atividades que permitiram a irrupção de patógenos são responsáveis também por ao menos 23% das emissões de gases do efeito estufa que causam o aquecimento global, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Para completar o panorama, também fizeram com que até um milhão de espécies estejam à beira da extinção. Uma taxa que supera várias vezes a média dos últimos 10 milhões de anos, conforme alertou o próprio IPBES, em maio do ano passado.

“Reavaliar a relação entre humanos e natureza”

Que a destruição de ecossistemas faz com que os vírus dos animais atinjam os humanos e, em última instância, se tornem pandemias mundiais é um fato conhecido. O que esta revisão ressalta é que a evidência surgida do conhecimento científico induz a “reavaliar a relação entre os humanos e a natureza e a reduzir as mudanças ambientais globais causadas por um consumo insustentável que levam à mudança climática, a perda de biodiversidade e a emergência pandêmica”, concluem os especialistas.

“As mesmas atividades humanas que provocam a mudança climática e a perda de biodiversidade também são responsáveis pelo risco de pandemias”, destaca o zoólogo e ecólogo de doenças, Peter Daszak, diretor do grupo de especialistas. “Os impactos no meio ambiente são o caminho para as pandemias”.

Porque o cálculo é que até 1,7 milhão de vírus permanece contido na fauna selvagem. Entre 500.000 e 800.000 têm potencial para infectar humanos, recordam os cientistas. Estão presentes especialmente em mamíferos como morcegos, primatas e roedores, mas também em aves e animais domésticos.

Clima, biodiversidade e patologias se interconectam

A destruição de habitats e a mudança no uso dos solos, como a transformação de matas tropicais em monoculturas como a palma e a soja, interconectam os efeitos da mudança climática, da perda de biodiversidade e da irrupção de novas doenças.

O ciclo pormenorizado pelos especialistas do IPBES inclui o desmatamento e a ocupação de ecossistemas para abrir campos para o cultivo e a pecuária – uma das grandes emissoras de gases do efeito estufa -, mas também para desenvolvimentos urbanísticos. Este processo expulsa ou extingue uma multidão de espécies silvestres e abrem espaço para o assentamento de humanos e de seus animais: “A via para as pandemias”, avalia este grupo de especialistas.

Além disso, a mudança climática está favorecendo a transferência de patógenos porque cria condições ambientais favoráveis para que vetores como, por exemplo, os mosquitos invasores prosperem e sirvam para espalhar patologias como a dengue, a malária ou a febre do Nilo Ocidental.

Na Espanha, o mosquito tigre, transmissor de doenças graves como a dengue, dobrou sua presença em cinco anos. E não para por aí a sinergia climática-pandêmica. A mudança do clima está provocando movimentos em massa de pessoas. A transformação de ecossistemas liberou patógenos até agora contidos. As espécies animais que melhor se adaptam a novos ambientes degradados e dominados pela ação humana podem abrigar novos vírus.

Prevenir as causas: cem vezes mais barato

A análise insiste em que, até agora, as pandemias foram geridas de modo mais reativo ou paliativo que preventivo: confinamentos, tratamentos médicos e inclusive um grande esforço humano e econômico para encontrar vacinas. No entanto, este estudo destaca que atacar as doenças em sua origem e eliminar as condições que permitam seu surgimento seria uma fórmula mais efetiva e barata. “Ainda confiamos nas tentativas de controlar as doenças depois que tenham surgido, mas podemos escapar da era das pandemias com muito mais esforço focado na prevenção”, afirma Daszak.

O risco de pandemias pode ser reduzido significativamente, caso estas atividades sejam diminuídas, explica o relatório. Entre as linhas de atuação, os especialistas pedem “a promoção de um consumo responsável para que se reduza o consumo insustentável de recursos em zonas quentes, onde surgem as novas doenças. Também a redução no consumo excessivo de carne e produtos pecuários”, que estão no final de uma reação em cadeia que se inicia ao destruir ecossistemas para abrir espaço para a produção intensiva.

Ainda que o relatório aponte para a necessidade de algumas mudanças que qualifica como “sísmicas”, também destaca que o custo para prevenir o surgimento de pandemias como a Covid-19 será “cem vezes menor do que o provocado pela própria pandemia, razão pela qual existem incentivos econômicos muito fortes para realizar estas mudanças”.

Leia mais