23 Outubro 2020
Quando o Vaticano abriu o arquivo de materiais relacionado aos 19 anos do papado de Pio XII, pela primeira vez em muito tempo, historiadores certamente esperavam focar em questões controversas em torno da Segunda Guerra Mundial e os registros pontifícios durante o Holocausto.
Mas a nova pesquisa nos arquivos apareceu e deslocou o foco, pelo menos parcialmente, sobre outra figura: dom Giovanni Montini, que serviu como um dos mais influentes conselheiros de Pio antes de se tornar o papa Paulo VI.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 22-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O nome de Montini surgiu no caso de Robert e Gerald Finaly, dois meninos judeus que foram confiados aos cuidados de católicos franceses em 1944 por pais que seriam mortos em Auschwitz.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os parentes das crianças passariam anos tentando garantir seu retorno à família. Eles seriam bloqueados pelos bispos franceses, agindo sob a direção de autoridades do Vaticano, incluindo Montini, que estava preocupado em devolver os meninos porque eles haviam sido batizados como católicos.
O historiador David Kertzer, da Brown University, autor de vários livros best-sellers sobre a história do Vaticano e da Itália, destacou uma nova pesquisa sobre o caso em um artigo de agosto para a revista The Atlantic.
Kertzer, cujo livro de “O Papa e Mussolini” (de 2014) ganhou o Prêmio Pulitzer de Biografia ou Autobiografia em 2015, disse que achava que a pesquisa contínua nos arquivos de Pio XII poderia levar a um repensar sobre o papel do futuro Paulo VI na guerra e no período imediato do pós-guerra.
“Embora Montini certamente tenha presidido uma série de coisas muito boas, podemos estar caminhando para uma imagem mais matizada de Montini, ou pelo menos para compreender a evolução de Montini”, disse Kertzer.
“Tanto sobre os anos de guerra e os anos do pós-guerra antes de ele se tornar cardeal [em 1958], acho que aprenderemos muito”, disse Kertzer.
Robert Ventresca, historiador da King's University College, disse que não esperava que houvesse um “repensar radical” do papel de Montini na história.
“É uma questão interessante, no entanto”, disse Ventresca, autor de uma biografia de Pio XII, “Soldier of Christ” (“O Soldado de Cristo”, em tradução livre, publicada em 2013). “O que foi a experiência [de Montini] durante a guerra e as experiências do imediato pós-guerra, o que significaram para sua formação e como influenciaram seu pontificado?”.
“Essa é uma questão em aberto”, disse Ventresca. “Eu diria que é uma questão não resolvida”.
Montini serviu sob o comando de Pio XII nos dois cargos mais importantes na Secretaria de Estado do Vaticano de 1939 a 1954, quando Pio XII fez de Montini o arcebispo de Milão.
De acordo com a pesquisa de Kertzer, Montini aconselhou o embaixador do Vaticano em Paris a apenas concordar em devolver os meninos, desde que “não fossem levados para se tornarem judeus novamente”.
Depois que os meninos foram devolvidos às suas famílias no final do ano, Montini enviou um protesto por escrito ao embaixador da França no Vaticano, dizendo que a Santa Sé queria “expressar seu grande pesar pela solução que foi dada a este caso sem considerar os interesses religiosos dos dois jovens batizados”.
Montini foi nomeado cardeal em 1958 pelo papa João XXIII, a quem Montini sucederia como pontífice em 1963. Como papa Paulo VI, ele lideraria as três sessões finais do Concílio Vaticano II, instituiria uma série de reformas pós-conciliares e se tornaria o primeiro pontífice a viajar amplamente pelo mundo.
Kertzer documenta o papel de Montini no caso Finaly, especialmente no início de 1953, quando a Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício do Vaticano (agora a Congregação para a Doutrina da Fé) estava aconselhando Pio a instruir os bispos franceses a não devolverem os dois meninos para seus parentes.
Ventresca disse que era importante reconhecer que, durante as décadas de 1940 e 1950, Montini trabalhava em um escritório onde havia “muito preconceito [e] anti-semitismo”.
“Não há dúvida de que isso é apenas uma característica da mentalidade da visão de mundo dos homens que ocupam esses cargos, o que certamente teria sido compartilhado por grandes segmentos da opinião europeia e mundial, francamente”, disse o historiador.
“Acho que Montini sempre foi uma voz moderadora”, disse Ventresca. “Eu acho que a voz dele era mais moderada e moderadora”.
O rabino James Rudin,ex-diretor de assuntos inter-religiosos do Comitê Judaico Americano, disse que Paulo VI é tido “em grande consideração” pela comunidade judaica por seu papel na continuação do trabalho do Concílio Vaticano II e na promulgação de sua declaração sobre relações com religiões não-cristãs, Nostra Aetate.
Embora Rudin tenha chamado a pesquisa de Kertzer de “interessante”, o rabino disse que esperava que demorasse muito para os pesquisadores tirarem quaisquer conclusões sobre o papel de Montini durante a guerra.
“Acho que as pessoas não devem prejulgar o que vão encontrar”, disse Rudin. “Este é apenas o capítulo um do que está por vir”.
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Pesquisas nos arquivos de Pio XII destacam outra figura: Giovanni Montini, o futuro Paulo VI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU