22 Outubro 2020
Por causa do poder da tecnologia, tudo está mudando: é uma evidência, quase uma banalidade. Menos evidentes, como sempre, são as prioridades que devemos assumir. As gerações e a mudança de época: no último livro de Paolo Benanti, um desafio para a sociedade civil organizada na era das plataformas.
A reportagem é de Marco Dotti, publicada por Vita, 21-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O digital, com todos os seus artefatos, não gera apenas instrumentos. Produz saltos de paradigma, novas visões da sociedade, visões diferentes sobre o mundo. Computadores, tablets, smartphones, plataformas e interfaces. Acima de tudo: as redes por meio das quais interagimos, estudamos, trabalhamos permitem olhar para o nosso tempo como um tempo de uma complexidade infinita. Um tempo do qual emergem correlações entre seres e coisas às vezes imprevistas, às vezes imprevisíveis, certamente inéditas na vida cotidiana de bilhões de pessoas.
Estamos no meio de uma mudança de época, explica Paolo Benanti, teólogo franciscano, hoje um dos maiores especialistas em novas tecnologias. A época que estamos vivendo, intensificada pela pandemia, é de fato uma época radical. Uma Digital Age.
Por causa do poder da tecnologia, tudo está mudando: é uma evidência, quase uma banalidade. Menos evidentes, como sempre, são as prioridades. A prioridade nessa mudança não é denunciar o “mal” ou exaltar o “bem” das tecnologias. A principal tarefa é compreender. Essa é uma questão particularmente importante se olharmos com as lentes – as poucas, mesmo em tempos de pandemia, que não desapareceram – do Terceiro Setor.
Benanti, que dedicou a esse tema o seu recente e altamente recomendado livro “Digital age. Teoria del cambio d’epoca. Persona, famiglia e società” [Digital age. Teoria da mudança de época. Pessoa, família e sociedade, emtradução livre] (Ed. San Paolo, 202 páginas), nos explica que ao Terceiro setor e à sociedade civil “cabe a tarefa de fazer as perguntas fundamentais sobre a mudança. O Terceiro Setor deve agir como mediador dessa experiência do digital sobre as questões éticas, culturais, geracionais. Temas culturais, em sentido forte”.
Cultura material e cultura digital caminham juntas, porque “olhar para a cultura é olhar para o humano”, e se, “em última instância, a cultura nos interessa, é porque ela é sempre expressão do ser humano e da sua atitude em lidar com a finitude e a radicalidade da existência humana”.
Para o Pe. Benanti, “vivemos em uma época em que o digital está tocando todos os aspectos da nossa existência. Imersos no digital, somos levados a nos perguntar: estamos diante de um simples instrumento, ou esse instrumento está mudando a nós e ao mundo?”.
Para responder a essa pergunta, Benanti nos convida a dar alguns passos para trás. Os problemas, ensinava o filósofo Franco Volpi, mesmo que aparentemente não tenham soluções, certamente têm uma história. E é para aí que precisamos voltar, porque é aí que, muitas vezes, se escondem as respostas (e, talvez, as soluções).
Benanti convida a voltar com a mente ao século XV, quando um artefato tecnológico como a lente convexa produziu dois utensílios: o telescópio, para olhar o infinitamente grande, e o microscópio, para olhar o infinitamente pequeno.
A partir daquele momento, a concepção do que éramos e do que eram o ser humano e o cosmos mudou. “Está acontecendo o mesmo debaixo dos nossos olhos com o digital.”
Os sistemas digitais hoje nos colocam diante das mesmas e grandes perguntas que se seguiram à descoberta do telescópio e do microscópio: o que é o cosmos, o que é a vida, como os sistemas sociais mudam, consequentemente?
Perguntas longe de serem abstratas ou, melhor, imersas na complexidade que os sistemas digitais em parte revelam, em parte geram, em parte se intensificam. A sua concretude é o impacto, verificável por todos, do digital sobre a vida cotidiana.
Escola, família, saúde, dignidade humana, relações primárias, trabalho. Valores. Sim, valores: porque o digital revela que, se não precisamos de respostas calibradas sobre um moralismo do passado, temos uma incrível necessidade de perguntas à altura do desafio ético que se prefigura.
A nossa sociedade, agora, já se define em termos daquela que José van Dijk, estudiosa de media studies, professora da Universidade de Utrecht, na Holanda, chamou de “plataform society”. A pandemia nos expôs como nunca às plataformas, mostrando a interdependência dos sistemas sociais e morais – mas às vezes também da nossa própria sobrevivência física: pensemos nos aplicativos de rastreamento dos contágios – e o digital. O que está em jogo é, ao mesmo tempo, mais concreto e mais importante do que questões de privacidade e de rastreamento.
A questão dos dados (o chamado dataism) também tem relação com os valores. “São os valores públicos que representam aquilo que está verdadeiramente em jogo na luta pela plataformização da sociedade”, explica van Dijk.
Que valores estamos dispostos a sacrificar? Quais estamos dispostos a levar conosco para a Digital Age? Mas, sobretudo, e aqui entra em cena o Terceiro Setor, com a afirmação, o desenvolvimento e a difusão de quais valores públicos estamos dispostos a nos comprometer?
Benanti delineia, entre outros, um cenário desafiador para a sociedade civil organizada: o desafio educacional na transmissão entre gerações de valores e de sentido da vida.
Nos próximos 20 anos, a primeira geração de crianças nascidas no terceiro milênio se encontrará diante de perguntas inéditas geradas pelo digital, pelas plataformas e pela realidade sintética que está se afirmando.
“A resolução dessas perguntas descreverá, para o bem ou para o mal, um mundo profundamente diferente daquele que experimentamos.” Preparar-se agora, para torná-lo humanamente “habitável”, é o desafio que espera pela sociedade civil na Digital Age.
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Sociedade civil e era digital: velhas questões, novos desafios na era da sociedade da plataforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU