18 Setembro 2020
"Trabalhar para o enfrentamento nessa disputa de concepções em torno dos direitos humanos exige uma nova compreensão desses direitos e de seu processo de constituição e de implementação. Isso levaria ao estabelecimento de uma ideologia dos direitos humanos, para que se possa planejar e implementar uma comunicação diferenciada com todos os setores da sociedade, a partir de uma base norteadora; a partir de pontos comuns e articuladores de nossas lutas emancipatórias nos diversos campos desse projeto", escreve João Batista Moreira Pinto, doutor em Direito pela Université de Paris X, professor licenciado da Escola Superior Dom Helder Câmara e professor visitante da UFPB.
Para as campanhas eleitorais municipais de 2020, os candidatos/as que têm uma trajetória de aproximação com os direitos humanos deverão responder ao seguinte dilema: devem ou não pautar suas campanhas pelo discurso de defesa e luta por esses direitos?
O histórico de eleições anteriores é repleto de casos de candidatos que, ao adotarem o discurso dos direitos humanos, ou mesmo por terem um histórico de lutas em defesa desses direitos, perderam eleições em função da “acusação” ou “insinuação” de adversários de que eles defenderiam ou protegeriam “bandidos”.
Essa correlação equivocada entre a atuação dos direitos humanos e a “defesa de bandidos” é algo que remonta ao período do regime militar no Brasil e tem por trás outros interesses. Não podemos nos esquecer que a ditadura prendeu, torturou e matou um grande número de opositores políticos, práticas que se estenderam também aos presos comuns. Nesse sentido, muitas entidades e defensores dos direitos humanos da época tiveram, entre suas prioridades, denunciar e tentar evitar tais atos criminosos, defendendo a vida e a integridade das pessoas.
Ora, já nesse período, o regime e a direita, articulados com setores da mídia, cunharam a concepção de que os que se diziam defensores de direitos humanos seriam defensores de “bandidos” e que o que “os direitos humanos” faziam era tentar impedir a atuação da polícia contra a criminalidade. Omitiam, portanto, que suas práticas eram ações consideradas criminosas, mesmo no regime militar, e por isso eram feitas “nos porões” e “às escondidas”, como evidenciado pelas comissões da verdade. Tentavam encobrir igualmente que Direitos Humanos era algo bem mais amplo e com potencial político contrário aos projetos somente liberais e de direita.
Assim, a mídia tradicional, em programas de rádio e televisão, sobretudo programas pautados por notícias policiais, atuou fortemente e continua a fazê-lo na divulgação dessa concepção equivocada, a ponto de ainda hoje a maioria da população fazer a correlação entre “direitos humanos” e a “defesa de bandidos”.
Entretanto, dados relativamente recentes abrem possibilidades e perspectivas para a superação dessa incompreensão. Pesquisa realizada em 2018, pela IPSOS, apontou que, apesar de 66% afirmarem que os “direitos humanos defendem mais os bandidos que as vítimas”, 63% “são a favor dos direitos humanos” e somente 21% afirmaram ser “contra os direitos humanos”. Além disso, percebeu-se tanto o desconhecimento quanto o interesse pela temática, uma vez que 69% declararam querer “entender melhor o significado dos direitos humanos”, enquanto 73% afirmaram querer entender melhor “a atuação dos direitos humanos no Brasil” [1].
Eis aí uma grande abertura para o aprofundamento dos programas e estratégias de educação em direitos humanos no Brasil, que de alguma forma, nos governos anteriores ao golpe de 2016, possibilitaram esse questionamento e interesse da população sobre os direitos humanos.
É fundamental aproveitarmos essa abertura para que se reflita sobre a compreensão mais adequada sobre os direitos humanos em nossa sociedade. Tenho defendido que os direitos humanos passaram a ser o melhor projeto político de articulação entre os atores comprometidos com uma sociedade menos desigual, e onde se possa estabelecer um pacto pelo acesso a todos os direitos por todos e todas.
Trabalhar para o enfrentamento nessa disputa de concepções em torno dos direitos humanos exige uma nova compreensão desses direitos e de seu processo de constituição e de implementação. Isso levaria ao estabelecimento de uma ideologia dos direitos humanos, para que se possa planejar e implementar uma comunicação diferenciada com todos os setores da sociedade, a partir de uma base norteadora; a partir de pontos comuns e articuladores de nossas lutas emancipatórias nos diversos campos desse projeto.
Para este momento, entretanto, de aproximação da campanha eleitoral e de possíveis articulações, mesmo que para o âmbito municipal, os dados acima nos apontam algumas referências para uma definição positiva frente ao dilema de adotar ou não a defesa dos direitos humanos, e com isso, um posicionamento e estratégias de comunicação políticas considerando esses direitos.
Como pontos de partida, destacamos as seguintes estratégias:
• Assumir com clareza a amplitude dos direitos humanos, evidenciando que questões do dia a dia da população estão diretamente relacionadas a uma maior ou menor implementação desses direitos, a partir das políticas públicas municipais, estaduais e nacionais. Dentre essas políticas, a atenção à saúde, ao idoso, à educação de qualidade, à segurança pública adequada, condições de trabalho e de moradia dignas, acesso a alimentação saudável, enfim, melhores condições de vida para todos e todas, o que significa também, maior respeito e cuidado com o meio ambiente e com as pessoas; com todas as pessoas, inclusive com aquelas que estão vivendo em privação de liberdade, para construirmos as bases para uma sociedade menos violenta, menos desigual, mais participativa e de maior bem-estar social coletivo;
• Constituir redes e processos de comunicação interativos que favoreçam a que essas mensagens cheguem a todas as pessoas, sobretudo àquelas que poderão ter maior interesse e que seriam mais beneficiadas com o conhecimento e a adoção e implementação na sociedade dessa dimensão ampla e transformadora de direitos humanos;
• Por fim, a explicitação de fragilizações concretas, vivenciadas nos últimos anos de governos conservadores, nos diversos aspectos que integram os direitos humanos poderá ser fundamental para que se compreenda sua amplitude e relevância.
Essas estratégias poderão levar ao aprimoramento da compreensão desses direitos e a algumas vitórias importantes já nessas eleições, evidenciando um caminho e uma alternativa comum para os setores progressistas e próximos aos direitos humanos, em vistas às eleições de 2022, com desafios mais amplos, mas que precisam ser enfrentados desde agora.
[1] 63% dos brasileiros são a favor dos direitos humanos. Disponível aqui.
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Adotar ou não a defesa dos Direitos Humanos nas próximas eleições? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU