24 Setembro 2020
James Holzhauer-Chuckas é o diretor do setor de juventude de quatro paróquias de Evanston, no estado americano de Illinois, e um oblato beneditino que certa vez pensou em se tornar padre. Tem orgulho de ser católico, sendo o único que permanece fiel entre seus familiares, contou ele ao National Catholic Reporter, isso depois que seus pais e irmãos saíram da Igreja em meio às crises de abuso sexual clerical e a desentendimentos com a postura da Igreja relativa aos direitos LGBTQs.
A reportagem é de Madeleine Davison, publicada por National Catholic Reporter, 16-09-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Holzhauer-Chuckas tem uma história singular, compondo uma estatística pouco comum: é filho de pais sem filiação religiosa e se identifica como católico. Entre os adolescentes de hoje, a tendência é ir em sentido contrário, segundo revelou um novo estudo.
Realizado pelo Centro de Pesquisas Pew (Pew Research Center) [1] e divulgado em 10 de setembro, o estudo sugere que a maioria dos adolescentes americanos compartilha identidades e práticas religiosas com os pais, porém estes adolescentes têm uma probabilidade muito menor do que os progenitores de dizerem que a religião é importante em suas vidas.
O gráfico mostra a porcentagem de pais e adolescentes quanto à importância que a religião tem para cada grupo. Enquanto 43% dos pais dizem que a religião é “muito importante” para eles, apenas 24% dos adolescentes dizem o mesmo.
Por exemplo, quase a metade de todos os adolescentes tem as mesmas crenças religiosas que seus pais, e a maioria tem ido a cerimônias religiosas com pelo menos um dos pais. Mas enquanto 43% dos pais dizem que a religião é “muito importante” em suas vidas, apenas 24% dos adolescentes dizem o mesmo.
“Grande parte do que a pesquisa mostra é que os adolescentes são bastante religiosos e que assumem a religiosidade dos pais. Mostra também que são menos religiosos em certa medida”, disse a pesquisadora Elizabeth Podrebarac Sciupac, uma das autoras do estudo.
Os pesquisadores estudaram 1.818 pares de sujeitos nos EUA: um adolescente de 13 anos a 17 anos, e um dos pais ou responsável. Sciupac falou que a equipe quis saber mais sobre o futuro da religião no país.
“Parte do objetivo foi mensurar, especialmente com o cenário religioso cambiante dos EUA, como chegamos a uma realidade com menos afiliação religiosa nos últimos dez ou 15 anos mais ou menos: O que vemos entre os adolescentes? O que estamos vendo em termos de filiação desse público, suas crenças, práticas? Como isso se enquadra numa narrativa mais ampla?”, exemplificou a pesquisadora.
O estudo descobriu que a maioria dos adolescentes americanos se identifica com alguma religião. Cerca de 6 de cada 10 são cristãos, e 24% são católicos. Os latinos têm maior probabilidade de se identificarem como católicos (47%) do que os seus adolescentes brancos, apenas 17% dos quais se identificam como católicos. Os adolescentes católicos concentram-se mais nas regiões oeste e nordeste dos EUA, em relação às regiões sul e centro-oeste.
Em relação aos seus pais, os adolescentes têm uma maior probabilidade de identificarem-se como sem religião, ou sem afiliação religiosa. Uma parcela equivalente a 32% deles não se identifica com nenhuma religião, em comparação com 24% dos pais participantes da pesquisa. E cerca de 1/4 dos adolescentes sem filiação religiosa tem um dos pais católicos.
Holzhauer-Chuckas falou que muitos dos pais com os quais atua em seu trabalho pastoral preocupam-se com que os filhos venham a sair da Igreja. Uma postura rígida da instituição contra os direitos LGBTQs tem afastado muitos adolescentes, disse, como ocorreu com duas mães e seus filhos com os quais Holzhauer-Chuckas atua. Muitos dos jovens manifestam frustração quando veem que a Igreja não pretende ordenar mulheres. Eles se sentem tristes com a resposta católica à crise de abusos sexuais.
“Nos meios de comunicação, os jovens não assistem muitas mensagens positivas sobre a Igreja”, acrescentou Holzhauer-Chuckas. “Acho que os pais temem que, se os filhos acabarem vendo só coisas ruins, além de que já participam pouco da paróquia, e menos ainda no ministério jovem, isso tudo pode facilitar para que se afastem da Igreja”.
Segundo o entrevistado, desde que ele vem trabalhando no setor de juventude, a formação religiosa nos espaços católicos teve uma virada dogmática que não atrai o desejo dos jovens de viver ativamente a fé.
“A formação católica tem sido: ‘Vocês receberão a Confirmação se conseguirem nomear os sete dons do Espírito Santo’, ao invés de algo assim: ‘Como vamos pôr em prática a Confirmação?’”, disse.
Os adolescentes são muito menos dogmáticos do que os pais, mostram os resultados do estudo. Esses jovens têm inúmeras perguntas quanto à existência de Deus, ao papel do mal no mundo e se alguma religião é, ou não, a única verdadeira. Enquanto 63% dos pais disseram que tinham certeza absoluta sobre a existência de Deus, apenas 40% dos adolescentes disseram o mesmo. Os adolescentes católicos e protestantes históricos mostraram menos certeza ainda na existência de Deus e na verdade absoluta de uma única religião, em comparação com os adolescentes evangélicos.
Pouco menos da metade dos adolescentes católicos e protestantes históricos disseram que tinham certeza da existência divina, em comparação com os cerca de 7% dentre os evangélicos. Aproximadamente três de cada 10 adolescentes católicos e protestantes históricos disseram que acham que existe verdade em uma única religião apenas, enquanto que 2/3 dos adolescentes evangélicos disseram o mesmo.
Catherine Lucy, mãe católica de três adolescentes em St. Louis, disse que seus filhos às vezes perguntam sobre temas políticos e religiosos, por exemplo sobre o aborto e o que acontece após a morte. Lucy diz que se esforça para ensinar os menores tudo de acordo com a postura da Igreja Católica, ao mesmo tempo que disponibiliza informações e argumentos contrastantes.
“Não creio que os meus filhos fariam, mas eu não quero que eles pensem que eu esteja fazendo uma lavagem cerebral e que só vou ensinar a eles uma única coisa”, contou Lucy. “Quero que eles saibam os dois lados de uma questão”.
O quadro mostra a porcentagem de adolescentes que frequentam celebrações religiosas, rezam diariamente e acreditam em Deus com certeza absoluta. (Centro de Pesquisas Pew)
Em vez de insistir em questões doutrinárias, Holzhauer-Chuckas tenta engajar os adolescentes na realização de atividades práticas, como o serviço social, ou pondo-os a participar da liturgia. Antes da pandemia de covid-19, as igrejas das comunidades com as quais trabalha realizavam missas jovens. Nelas, eles liam os anúncios e realizavam outras tarefas.
“Na adolescência, questionamos tudo. E me parece que às vezes os mais jovens se cansam: Por que tenho que fazer isso toda semana?”, Lucy deu como exemplo. “Me parece que perguntar estas coisas faz parte da adolescência, e eu nunca fui muito severa com eles... Nunca disse: ‘Vocês precisam fazer porque eu mando’”.
Em casa, a maioria das famílias dos adolescentes se envolve em alguma forma de prática ou debate religioso, segundo o Centro de Pesquisas Pew. Aproximadamente seis de cada 10 adolescentes informaram que conversam sobre religião, cerca da metade disse que reza antes de fazer as refeições e 1/4 lê as Escrituras, embora os católicos o façam em menor grau do que os cristãos em geral. Cerca da metade dos adolescentes católicos disseram que gostam de fazer estas coisas pelo menos um pouco.
Holzhauer-Chuckas falou que os adolescentes têm muitas vezes curiosidade a respeito do tema religião. Apesar do que possam dizer, eles também se preocupam com o que os pais pensam. “Acho que os jovens são muito mais espertos do que às vezes imaginamos, e são bastante espirituais também”, disse. “Creio que se lhes dermos as ferramentas, e com a orientação dos pais, os adolescentes têm tudo o que precisam para começar... a enxergar com os próprios olhos”.
Apesar das iniciativas de pessoas como Holzhauer-Chuckas, os adolescentes com idade entre 13 e 17 anos parecem menos animados em se tratando de religião na comparação com os pais. Nessa relação, os adolescentes estão menos propensos a ver a religião como “muito importante” em suas vidas. Cerca de 1/4 dos adolescentes católicos e protestantes históricos disseram que a religião era muito importante para eles, em comparação com os cerca de 10% dos adolescentes evangélicos.
Lucy disse que os seus filhos têm expectativas diferentes do que seria viver uma vida conforme os preceitos católicos em relação à forma como ela mesma foi criada. Hoje, os adolescentes talvez não priorizam o casamento com um outro católico, nem fazem questão de pôr os menores em escolas católicas, como fizeram as gerações dos mais velhos. A entrevistada disse saber que seus filhos podem vir a ter, quando crescer, opiniões diferentes em torno da religião, porém ela quer que isso não seja um empecilho para a relação em família.
“Acho que posso apoiá-los em qualquer decisão que tomem quando forem adultos, porque sei que estão tendo uma base boa e sei que vão analisar e tomar decisões que são as melhores para eles”, disse Lucy. “Não há por que eu me sentir desapontada, ou dizer que queria que as coisas fossem diferentes, porque o meu desejo é ter uma boa relação com os meus filhos”.
Por fim, segundo Sciupac, os pesquisadores buscaram descobrir o quanto pais e adolescentes sabem uns dos outros em se tratando de religião.
Eles pediram para os adolescentes e para um de seus pais, ou responsáveis, avaliar a importância que a religião tem na vida que levam, e em seguida para avaliar a importância que achavam que a religião tem na vida do outro.
Em aproximadamente sete de cada 10 casos os pais e adolescentes avaliaram com precisão o quão importante a religião é para o outro. Quando erram, os pais em geral acham que a religião é mais importante na vida dos adolescentes do que de fato o é.
Mas, em 4 de cada 10 casos, o adolescente e o pai/responsável disse que os dois partilham as mesmas crenças religiosas. Sciupac interpreta estes números como um sinal de que os pais e adolescentes conhecem, em média, muito bem uns aos outros quando o assunto é religião.
“Esses dados me parecem particularmente interessantes, quando vemos tantos adolescentes e pais que não estão numa mesma caminhada religiosa. É uma das formas pelas quais eles vivenciam a religião juntos”, disse.
Segundo ainda Holzhauer-Chuckas, ele busca incentivar os pais e adolescentes para que conversem entre si sobre suas crenças religiosas e procurem entender melhor um ao outro. Às vezes, funciona.
“Depois de um café da manhã durante um encontro, um adolescente veio e me perguntou: ‘Hoje olho o pai de uma forma diferente’. Para mim, essa fala foi tão poderosa que me levou às lágrimas”, disse o diretor de juventude. “Eu perguntei: ‘O que quer dizer com olhar o seu pai de uma forma diferente?’ E ele me disse: ‘Sei lá. Nunca pensei que, em minha fé, eu pudesse me sentir tão próximo assim do meu pai’”.
[1] O texto da pesquisa está disponível aqui, em inglês.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
EUA: Pesquisa mostra que adolescentes e pais praticam a fé juntos, embora os primeiros sejam menos religiosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU