24 Agosto 2020
Atualmente Alessandra Smerilli, religiosa, doutora em Economia e consultora do Vaticano, coordena os impulsos vaticanos para uma economia sustentável após a pandemia da Covid-19. Nesta entrevista, ela explica por que, para um mundo melhor depois da crise, também é preciso que haja mais mulheres em cargos de liderança.
A reportagem é de Roland Juchemin, publicada por Domradio.de, 21-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Irmã Alessandra, você faz parte da comissão sobre a Covid-19 do Vaticano, que se ocupa das consequências da pandemia. Já se falou das oportunidades de um novo começo no âmbito econômico e social após o confinamento. Existem sinais positivos ou são simples desejos?
Acho que a mudança é possível. Mas ela não ocorre automaticamente. Tendemos a voltar ao estilo de vida habitual. A pandemia já introduziu mudanças. Segundo alguns estudos, nas oito semanas de confinamento, a digitalização do mundo do trabalho deu passos, para os quais, de outra forma, seriam necessários cinco anos. Para outras mudanças que todos esperam – um ambiente mais saudável, maior justiça social – os governos e as empresas precisam de impulsos e de ajudas para canalizar os desenvolvimentos de forma adequada.
E vocês dão tais impulsos?
Sim, tentamos promover e apoiar esses processos. É por isso que trabalhamos em nível internacional com especialistas em economia, empresas, agências de consultoria para chegar aos mais importantes tomadores de decisão. Trata-se principalmente de dar voz aos pobres e àqueles que foram esquecidos por causa da pandemia. Precisamente nesta semana, o papa exortou a evitar que o dinheiro público seja atribuído a empresas que não trabalham de maneira inclusiva e sustentável.
Mas hoje todo governo e toda empresa não estão tentando aplacar o crescente descontentamento com medidas que muitas vezes estão longe de ser sustentáveis?
Sim, é isso. Por isso, são necessários tomadores de decisão sábios, que são aqueles que queremos apoiar. A Europa, com o “New Green Deal”, por exemplo, tem uma estratégia clara. No entanto, existem lobbies que obstaculizam o desenvolvimento sustentável; ameaçam o perigo de que, depois, as empresas terão que demitir os colaboradores. Mas existem estudos que preveem com precisão onde e quais postos de trabalho serão perdidos e como as pessoas deverão ser formadas e apoiadas para que possam encontrar trabalho em outro lugar. Por isso, é importante dizer claramente o que favorece o bem comum e quais passos é preciso dar para fazer isso.
Você foi nomeada pela ministra italiana para a Família e a Igualdade de Oportunidades, Elena Bonetti, para uma comissão consultiva composta apenas por mulheres. Qual é a situação das mulheres após seis meses de pandemia?
Os nossos dados mostram que as mulheres são as mais afetadas tanto social quanto economicamente. Durante o confinamento, quando todos tiveram que ficar em casa, apenas 55% dos homens assumiram mais as tarefas domésticas. Em quase a metade das famílias, o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos a serem acompanhados também nas aulas on-line continuaram ficando a cargo das mulheres – acrescentando-se ao seu trabalho profissional. Se no outono [europeu] as escolas não forem retomadas normalmente, muitas mulheres não poderão voltar a trabalhar. Na Itália, esse é um problema cultural.
É um problema mais grave na Itália do que em outros Estados?
Sim. No índice Gender-Pay-Gap, a diferença salarial entre mulheres e homens para a mesma atividade, considerando-se 144 Estados no mundo, a Itália vê nada menos do que 120 países em situação melhor do que a sua.
Mais sustentabilidade, mais justiça social, mais justiça entre os gêneros: esses são objetivos bonitos e importantes, mas todos eles podem ser alcançados?
É uma esperança! Os Estados nos quais as mulheres estiveram mais envolvidas na tomada de decisões para enfrentar a pandemia superaram melhor a crise até agora. As medidas foram tomadas e organizadas com mais rapidez e comunicadas de forma mais clara e empática. A ponto de explicar tais medidas expressamente também às crianças e aos adolescentes, como fez a chefe de governo da Nova Zelândia, Jacinda Ardern. Dirigir-se à geração futuro é um traço tipicamente feminino, no caso da pandemia extremamente importante.
Na Igreja Católica, o predomínio masculino é particularmente forte. Quais são as suas experiências nessa monocultura masculina?
Estamos no bom caminho. Não só no Vaticano, mas também na Conferência Episcopal Italiana. Em um mundo de predomínio masculino como o Vaticano, não há necessariamente apenas uma má vontade de assumir mulheres. As mulheres são até menos conhecidas, suas habilidades não são conhecidas.
Você diz que está no bom caminho. Mas com que velocidade?
O Papa Francisco dá sinais importantes. Mas não depende apenas dele. É um processo igualmente importante que também deve ocorrer nas dioceses, nas paróquias, nos movimentos. Além disso, é necessária uma legitimação especial: nós, mulheres, devemos nos colocar em jogo, sem timidez nem senso de inferioridade. Lembro-me no Sínodo dos os jovens, em 2018, quando o cardeal Reinhard Marx relatou as experiências no âmbito alemão de como as mulheres deviam assumir responsabilidades nos órgãos eclesiais e como elas eram expressamente favorecidas e preparadas. Precisamos disso ainda mais.
O papa nomeou um jesuíta para a direção da Secretaria para a Economia, e outro homem tornou-se recentemente secretário-geral desse órgão. No entanto, o próprio papa disse que havia duas candidatas. Uma oportunidade perdida?
Talvez sim. Mas esse cargo atualmente é muito delicado. Havia enormes expectativas no nível midiático em relação à nomeação de uma mulher. Isso dificultaria o desempenho das funções decorrentes dessa nomeação com a necessária discrição. Frequentemente, essa atenção midiática desencoraja as pessoas a se candidatarem para um certo cargo e as impede no trabalho.
Você teria sido uma boa escolha para um desses cargos?
Acho que não, porque sou uma acadêmica.
Quando você lida com meninas ou mulheres jovens, você percebe o que as desencoraja ou as perturba de modo particular?
Em nível universitário, encontro um grande entusiasmo e vejo que essas jovens mulheres têm expectativas muito claras. As decepções chegam mais tarde, nas empresas ou nas organizações, quando se dão conta de que há poucas oportunidades para elas.
Você é um exemplo para as mulheres jovens?
Tento superar os estereótipos e abrir caminhos para outras: como religiosa, como graduada em economia, como consultora política. É por isso que eu também participo de debates na televisão. E, quando alguém me diz, como já aconteceu: “Volte ao convento para rezar!”, eu respondo que Deus se fez homem para se encarregar do mundo e dos seus problemas. E que eu também fui chamada para fazer isso. Principalmente os jovens me dizem: siga em frente, mostre-nos o que é possível.
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Economia e mulheres: “A mudança é possível”. Entrevista com Alessandra Smerilli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU