05 Agosto 2020
"Eu não fiquei surpresa quando, no fim de julho, o Vaticano lançou novas instruções limitando a extensão na qual os leigos e leigas podem presidir uma paróquia. Mas fiquei triste ao ver uma instituição tão empenhada em preservar o poder clerical a ponto de estar disposta a negar os dons que os leigos e leigas oferecem à vida da Igreja todos os dias", escreve Jamie Manson, teóloga, mestre pela Yale Divinity School, onde estudou teologia católica e ética sexual, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu não fiquei surpresa quando, no fim de julho, o Vaticano lançou novas instruções limitando a extensão na qual os leigos e leigas podem presidir uma paróquia. Mas fiquei triste ao ver uma instituição tão empenhada em preservar o poder clerical a ponto de estar disposta a negar os dons que os leigos e leigas oferecem à vida da Igreja todos os dias.
Os leigos e leigas, segundo o documento, não devem “dirigir, coordenar, moderar, governar a paróquia”.
Somente um padre pode exercer “o pleno cuidado das almas”, diz o Vaticano – o que significa, é claro, que as mulheres nunca podem.
Eu li estas diretrizes logo após terminar o novo livro de memórias de Emily M. D. Scott, “For All Who Hunger: Searching for Communion in a Shattered World”.
"Esta é uma história sobre como o pão partido e passado de mão em mão me resgatou da minha solidão. Talvez você também tenha estado sozinho e precisa ser lembrado de que, apesar de todas as evidências em contrário, a sua solidão não vai durar para sempre". (Foto: Divulgação)
Scott (que foi minha colega de aula na Yale Divinity School) relata sua história de tentar criar um novo tipo de Igreja na cidade de Nova York, um lugar que ela acha dolorosamente solitário e isolado.
Scott chegou à cidade para conseguir um emprego como diretora de culto em uma reverenciada Igreja protestante no centro da cidade. A congregação estava envolvida em conflitos, e a sua liderança estava fechada a novas ideias.
Essa igreja, escreve ela, era “toda de pedra cinza, com campanário e portas de madeira inamovíveis” – o tipo de igreja em que muitas pessoas, especialmente os jovens, sentem que não conseguem entrar. Scott diz que eles estavam desejando algo maior que eles mesmos não podem nomear e que a Igreja institucional parece não lhes oferecer:
“A coisa pela qual eles têm fome – um lugar para ser conhecido, um lugar para se interpor diante do mistério e da confusão da vida, aquela coisa que os leva a se sentar no banco de trás de uma grande catedral de pedra em uma manhã de domingo quando eles poderiam almoçar com os amigos – muitas vezes parece terciário em qualquer igreja que eles possam frequentar.”
Scott e sua amiga da escola de Teologia, Rachel, tramaram um complô para promover uma “Igreja do Jantar” [Dinner Church], um espaço em que os credos, as casulas, as mesas de conferência são removidas, e a liturgia volta aos seus elementos básicos: pão, vinho, água, óleo e as palavras de Jesus. Elas também literalmente serviriam o jantar. “Em um lugar onde quase ninguém tem espaço em seus apartamentos apertados para uma mesa de jantar, cozinhar e comer juntos parece algo particularmente poderoso”, escreve ela.
O que torna a visão de Scott tão rica é que ela não deseja criar uma nova versão de protestantismo do baixo clero. Sua imaginação sacramental é vívida e exuberante. Ela quer desmantelar as armadilhas da Igreja para que o sentido de seus símbolos mais fundamentais seja “tão transparente que ninguém jamais diria: ‘É adorável, mas o que significa?’”.
Scott é muito parecida com muitos católicos millenials que eu conheço e que estão se formando para a pastoral em cursos de pós-graduação, desejando ministrar em sua Igreja, mas incertos sobre se as lideranças da Igreja realmente acolherão seus talentos e habilidades pastorais.
A sua experiência difere dos inovadores jovens-adultos católicos precisamente no apoio que ela recebe de alguns membros do clero. Uma das partes mais comoventes do livro é quando Scott e Rachel apresentam a ideia da “Igreja do Jantar” para o pastor de uma pequena congregação sem recursos financeiros no Lower East Side de Manhattan. Ele é “um pastor de verdade, com clergyman de verdade e um escritório de verdade”, escreve Scott. “E eu me sinto o oposto disso – uma mulher jovem e não ordenada que acha que pode começar uma Igreja.”
Eles entusiasmadamente contam ao pastor Phil sobre o seu sonho, e, quando finalmente ficam sem palavras, ele fica em silêncio e reflexivo. “Eu acho isso maravilhoso”, ele finalmente anuncia, proferindo cada palavra.
Obviamente, a jornada de Scott não foi fácil. Depois de um ano naquele local, a “Igreja do Jantar” de Santa Lídia teve uma existência nômade, até que finalmente se instalou em uma sala comercial no Brooklyn. Scott nomeou a Igreja em homenagem a uma mulher dos Atos dos Apóstolos que é conhecida pela sua hospitalidade, mas também por “liderar seu próprio negócio e o seu próprio lar, sem nenhum marido por perto”.
Com o tempo, Scott foi ordenada na Igreja Luterana e instalada como pastora na Igreja de Santa Lídia. O pastor Phil e muitos outros mentores e lideranças da Igreja impuseram as mãos sobre ela na cerimônia.
A igreja está sempre lutando financeiramente, a sua sala comercial tem uma bomba d’água que se rompe regularmente, e, é claro, há o estresse de atender às ciladas da “Igreja do Jantar”, particularmente os silêncios constrangedores durante a refeição e as ideias litúrgicas criativas que não funcionam.
Mas Scott encontra uma abundância de santidade nessa bagunça, e algumas das melhores narrativas em suas memórias são sobre momentos de graça em situações simples ou difíceis, como o sorvete grátis oferecido após uma reforma em grupo e o modo pelo qual um paroquiano impertinente exigente se tornou uma bênção.
Aqueles que já ministraram entre pessoas desajustadas, ou em meio à escassez, ou às margens da sociedade apreciarão particularmente a visão sacramental de Scott sobre tudo isso, que é uma reminiscência do impressionante livro de memórias de Sarah Miles de 2008, intitulado “Take This Bread”. “Este é o milagre: nunca há o bastante, mas sempre há o suficiente”, relembra ela ao longo de sua história.
A descrição de Scott do batismo de um membro da comunidade em uma calçada com uma banheira e um balde de água gelada, e o relato da sua última Vigília Pascal com a comunidade dão nova vida a esses ritos antigos. “A transcendência acontece nos momentos em que uma fronteira é ultrapassada e em que desafiamos os limites que geralmente definem as nossas vidas”, escreve ela, “quando algo sagrado acontece em um lugar comum”.
Ela preenche o seu livro com esses momentos, mas é notavelmente sincera sobre os momentos em que erra o alvo e sobre as suas crises de esgotamento. Em 2017, ela tomou a angustiante decisão de deixar a Igreja de Santa Lídia após nove anos de liderança.
Scott e a Igreja de Santa Lídia também estão profundamente comprometidas com a justiça e o ativismo, e as partes do livro sobre o trabalho antirracista da comunidade parecem ter um senso quase sobrenatural da iminência do movimento que abalou os Estados Unidos e os fundamentos da supremacia branca desde o assassinato de George Floyd no fim de maio. A sua descoberta da profunda desigualdade social e econômica no rastro da supertempestade de areia Sandy também fala profeticamente sobre a nossa atual pandemia.
“For All Who Hunger” é uma resposta inspiradora e comovente para a pergunta que eu venho ouvindo há mais de uma década: por que os millennials não se interessam pela Igreja? Como eu disse antes, os jovens progressistas realmente se importam com a Igreja. A Igreja de Santa Lídia é o milagre que pode acontecer quando a Igreja simplesmente dá acesso a novas ideias e a uma nova geração de lideranças.
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Millennials progressistas oferecem à Igreja muitas esperanças e promessas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU