28 Mai 2020
"Vigiai e orai, tempo difícil pela frente, nada fácil morrer o velho, nem fácil será o parto do novo. Vigiai e orai! Eis que uma cidade nova vai surgir livre de reis, soldados e sacerdotes, de templos e altares", escreve dom Mauro Morelli, bispo emérito da Diocese de Duque de Caxias, RJ.
No dia dos pães sem fermento Jesus pôs-se à mesa com os apóstolos e disse: “Ardentemente desejei comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer” (Lc 22, 15-16).
Aos nove de Abril de 2020, reinando o coronavírus no Império da Pandemia, em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, a cidade deserta, em quarentena, estando este ancião com o pastor mais jovem e titular da extensa paróquia, sentados na varanda de nossa casa para a oração do louvor vespertino, eis que alguém com três toques nos chama ao portão.
Para nossa surpresa, Jesus de Nazaré, com sandálias nos pés e cajado de peregrino, mochila nas costas, foi logo dizendo: A paz esteja com vocês! Mais do que nunca desejo, antes de padecer, celebrar a Páscoa com meu povo. Ouço seu clamor e sinto sua angústia no meio dos alaridos e contorções da própria Terra ferida pela ganância desmedida que transforma alimento em vil moeda, gerando peste, fome e guerra.
Sentando-se à mesa conosco, depois de um bom café com pão de queijo, com olhar penetrante e voz firme, mas suave para nos encorajar, quase confidenciando, retomou a palavra: "Não tenham medo de celebrar a Páscoa"... sem povo, vigiai comigo e orai. Virão tempos difíceis pela frente com muito sofrimento e morte, mas uma nova manhã vai raiar em que mães não mais vão chorar a morte de seus filhos, mas dançar de alegria pois criança não mais morrerá criança e chegará aos cem anos com o vigor da juventude. (Is 65,17-21).
Vigiai e orai, tempo difícil pela frente, nada fácil morrer o velho, nem fácil será o parto do novo. O povo está disperso e desunido; o pão anda escasso e o cálice vazio; cadeias amarram a liberdade; a vida de tantas formas ameaçada; a paz, no mundo profundamente abalada. Nos vales e planícies, não se ouvem mais os cânticos da vida, mas gemidos da fome e gritos dos cárceres do terror.
Vigiai e orai! Eis que uma cidade nova vai surgir livre de reis, soldados e sacerdotes, de templos e altares (Ap 21). No Quilombo do Brasil, como em outras repúblicas e impérios, não mais fome, miséria, violência e morte que jorram da Ordem e Progresso que sustentam e alimentam tirania, concentração de poder e riqueza, desperdício e miséria!
Neste século XXI, da minha era, em novo Pentecostes a Vida em Comunhão vai renascer. Sempre a caminho, o Povo peregrino abençoará o pão e fará a partilha nas casas ou em tendas à margem da estrada. Vai levantar e caminhar em cada manhã em busca da Terra Prometida onde tudo e todos estarão conectados em rede fraterna e solidária, o lobo e o cordeiro bebendo na mesma fonte.
Pelas portas dos templos que novamente se abrem, ecoarão gemidos e cantilenas delirantes da agonizante Velha Matrona, outrora revestida de pompa e poder, prestígio e glória, com a Tríplice Coroa, com escudos e títulos de nobreza. Pobres pescadores transformados em nobres e príncipes, dominando sobre reis e até sobre a consciência dos povos como se pudessem possuir a Verdade que é maior do que o Universo!
Eis que surge uma menina subindo a escadaria do templo, sentando-se pelos degraus sem pressa, olhando formigas e insetos, encantada com os pássaros e contente com suas perguntas sobre tudo que encontra no caminho ou voando pelos ares.
Assim será meu povo, simples como criança, incapaz de viver sem colo e sem mão amiga, sempre querendo saber a razão das coisas que lhe apresentam. Sem senhores e soberanos, errando ou trocando passos, não fazem distinção de classe ou raça. Todos se revestem da mesma dignidade, como ministros e servidores da vida.
Superando barreiras e preconceitos, com hinos de louvor, proclamam que no seio da Terra as sementes da Verdade, lançadas na vastidão do mundo, desabrocham em flores e frutos, na vida de peregrinos de outros caminhos. No dom do Espírito não adoram ídolos, nem se curvam diante do poder do ouro e da vaidade. Na força do Espirito expulsam os demônios da magia, do poder e da riqueza.
O povo peregrino não é dono de nada, não ajunta tesouros, repartindo o pão com a criança, o jovem e o idoso. Acredita que a saúde e a vida das crianças, de todo mundo, é o lucro do trabalho. O primeiro lugar pertence ao pequeno e ao fraco, ao doente e ao idoso. Meu povo acredita que tem a posse da terra, dádiva divina, quem nela trabalha para o sustento da vida.
Em silêncio, ficamos contemplando o sol se pondo sobre a Canastra, com uma prece: Fica conosco, Peregrino do Amor Misericordioso! Na noite daquele mesmo dia, éramos não mais do que doze tomando assento à mesa, no esplendor das luzes e no vazio do templo, para dar início à celebração do Solene Tríduo Pascal. Pela porta aberta do templo, na montanha elevado, água pura foi jorrando em cascata, ladeira abaixo, a terra fecundando. Em festa da Vida transformou o jardim da agonia.
No vale florido, aves revoaram, paralíticos saltaram, famintos foram saciados e prisioneiros com alegria a liberdade aclamaram, no coro do povo em fraternidade reunido. Entre pequenos e simples, prostitutas e publicanos, pescadores e feirantes, o cântico de Belém foi de novo entoado: Glória a Deus nas alturas e paz na terra ao povo muito amado!
A semente da mostarda, em muitas sementes transformada, pelo mundo foi se alastrando. De várias raças e línguas, o povo miúdo, ignorantes e escravos, alguns poucos nobres e sábios, na fraternidade repartem o pão, no vinho do tempo novo embebido!
O Povo Peregrino, cultivando sonhos, estará sempre a caminho até mergulhar na Comunhão da Vida em que o Pai, com seu coração de Mãe, será tudo em todos (1Cor 15,28).
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Pentecostes: em tempo de Páscoa morre o velho para surgir o novo! Artigo de Mauro Morelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU