11 Abril 2020
A presença das mulheres, as únicas que ficaram perto de Jesus o tempo todo, está ligada às trevas do luto e da vontade de vigiar o corpo, segundo uma pietas que precede e, de algum modo, supera a dos apóstolos.
O comentário é da biblista e capuchinha clarissa italiana Stefania Monti, do Convento de Fiera di Primiero. O artigo foi publicado em Il Regno, 09-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
G. Vermes comentava ironicamente, a propósito dos relatos da ressurreição, que a única certeza é de que o cadáver desapareceu, porque, apesar de ele ter tentado, não conseguira enquadrar os dados de uma narrativa que não se exige que seja homogênea, mas pelo menos que tenha alguma concordância temporal, senão situacional.
Isso é compreensível, na realidade: a mesma coisa contada à distância do tempo por pessoas diferentes não pode concordar absolutamente. Ainda mais – e este é o elemento decisivo – que não se trata de testemunhos forenses nos quais é necessário ser preciso, mas sim de relatos com pano de fundo e com objetivo teológicos, nos quais o que vale é a verdade do fato (a ressurreição) e não a verossimilhança da crônica.
Tentemos, em particular, ver o relato de Marcos 28,1-10, que será proclamado durante a Vigília Pascal deste ano conturbado pela epidemia.
Convém partir de Mateus 27,61, onde o relato da paixão e da morte se encerra no entardecer da sexta-feira, no limiar do shabbat, com as mulheres sentadas na frente do sepulcro.
O gesto delas tem um significado duplo: as mulheres fazem o luto segundo a tradição e ficam de olho no túmulo. À distância do tempo, poderão recuperar os restos mortais de Jesus para lhes dar um enterro digno, de acordo com o costume. Algo impensável no momento, tratando-se de um condenado à morte por um tribunal romano.
Sabe-se que, há algumas décadas, foram encontrados em Jerusalém os restos de um desses condenado após uma revolta, em um túmulo de uma família aristocrática. Segundo a inscrição, os restos mortais eram do “pendurado”, portanto, de um crucificado, e é possível que tenham sido postos no túmulo por uma espécie de privilégio, tratando-se de um aristocrata, sujeito à vigilância da família. As mulheres talvez pensaram que o mesmo devia acontecer para Jesus.
Portanto, cumprem uma dupla função e, para completá-la, no fim do sábado, isto é, no sábado à noite, voltam ao sepulcro, não para ungir – operação muito longa e complexa, além de prematura –, mas sim para verificar se o corpo ainda estava no seu lugar, esperando o momento permitido para recuperá-lo.
É a noite do sábado, a atmosfera é noturna: tudo depende de uma palavra grega (opse) que pode ser preposição (“depois”, como na nossa tradução) ou advérbio (“tarde”, como Jerônimo, o Codex Bezae e, em geral, o grego dos papiros a entendem).
O Evangelho apócrifo de Pedro diz: “[35] Mas, durante a noite (e, portanto, “tarde” em relação ao shabbat) na qual despontava o dia do Senhor, enquanto os soldados montavam guarda em turno, dois a dois, ressoou no céu uma grande voz, [36] viram os céus se abrirem, e homens descerem de lá, em um grande esplendor, e se aproximarem do túmulo”.
A hora da ressurreição, para a tradição judaico-cristã à qual Mateus também adere, é noturna. As mulheres saíram de casa no fim do shabbat que respeitaram, ainda escuro, e não vão cuidar do corpo, mas apenas “ver”: o verbo theorein indica um ver concreto, como se veria um espetáculo (cf. Lc 23,48), que se impõe aos olhos.
A presença das mulheres, as únicas que ficaram perto de Jesus o tempo todo, está ligada às trevas do luto e da vontade de vigiar o corpo, segundo uma pietas que precede e, de algum modo, supera a dos apóstolos.
No momento da ressurreição, reaparece em Mateus o terremoto (seismos, v. 2) ou, melhor, um “grande” terremoto. O tremor que havia se sentido desde a entrada de Jesus em Jerusalém se torna agora algo tremendamente manifesto e acompanha o rolamento da pedra tumular.
A atmosfera é apocalíptica, como no momento da morte de Jesus, e a narrativa é construída com grande coerência: fala-se de um vestido branco e do terror dos guardas.
Não se diz nada sobre a reação das mulheres, exceto em um segundo momento (v. 8), e quando Jesus vai ao encontro delas, elas parecem não ter dúvidas sobre a sua identidade, porque fazem uma proskynesis em ato de adoração.
Jesus se dirige a elas com as palavras típicas do Deus dos Padres: “Não temam” e chama de “irmãos” os discípulos que, na realidade, o abandonaram.
Mas a paixão e a morte construíram a fraternidade que tem ele próprio como sujeito primeiro, ao estilo do antigo José (cf. Gn 44,4), porque compartilhou a condição humana.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Irmãos na paixão. Artigo de Stefania Monti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU