Por: MpvM | 10 Fevereiro 2023
O tema que perpassa toda a liturgia de hoje encontra-se na Sabedoria que está contida na lei de Deus e que é revelada em toda sua plenitude em e por Jesus Cristo.
Para encontrar essa Sabedoria precisamos observar a maneira como Jesus se relaciona com a lei. Mas, antes disto, se faz necessário vermos como no início o povo de Deus vivia a relação com a lei. Eles falavam com orgulho dela onde encontravam a vontade do Deus verdadeiro. Era a melhor coisa que haviam recebido dele e não a sentiam como um jugo pesado. Ali podiam encontrar tudo aquilo que precisavam para viver e nela estava a garantia da salvação.
A reflexão é de Sonia Cosentino, leiga. Ela possui graduação em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio (2005) e mestrado tem teologia pela mesma Universidade (2008).
Referências bíblicas
1ª Leitura - Eclo 15,16-21 (Gr.15-20)
Salmo - Sl 118,1-2.4-5.17-18.33-34 (R.1)
2ª Leitura - 1Cor 2, 6-10
Evangelho - Mt 5,17-37
Dentro desta perspectiva encontra-se a primeira leitura (Eclo 15, 16-21) que afirma que o ser humano tem liberdade para escolher seguir ou não aquilo que se encontra nessa lei. Deus coloca diante do homem o fogo e a água, a vida e a morte, para que faça sua opção, e Deus dará a ele o que preferir. Logo, seguir a lei de Deus era uma opção que garantia, caso a observasse a salvação, e caso a desprezasse, a perdição.
O salmo de Resposta (Sl 118, 1-2.4-5.17-18.33-34) continua nesta mesma linha ao assegurar que são felizes aqueles que andam conforme a lei de Deus e a observa fielmente. Faz ainda uma invocação a Deus para que abra os olhos do crente para contemplar as maravilhas que encerram sua lei. Logo, este Salmo reafirma que a salvação se encontra no cumprimento estrito da lei de Deus.
Jesus, no entanto, seduzido totalmente pelo Reino de Deus, não vive na dependência de observar, escrupulosamente, a lei. Ele busca a vontade de Deus a partir de outra experiência diferente. Está chegando o Reino de Deus, e isto muda tudo! A lei pode regular corretamente muitos capítulos da vida, mas já não é a coisa mais decisiva para descobrir a verdadeira vontade desse Deus afetuoso. Agora é necessário perguntar-se o que significa ser leal ao Deus da compaixão que conduz o ser humano para além do que dizem as leis. Procurando o que pode fazer bem às pessoas, Jesus critica, corrige e retifica determinadas interpretações da lei quando as vê em contradição com a vontade de Deus, que quer, antes de mais nada, compaixão e justiça para com os fracos e necessitados de ajuda.
A partir de sua experiência de um Deus compassivo Jesus sugere um estilo de vida contrário ao legalismo, pois este impede o ser humano de experimentar o amor de Deus e sua misericórdia. E o faz propondo algumas situações concretas que ilustram de maneira expressiva como viver a lei de Deus em toda sua radicalidade.
Vejamos como isto acontece a partir do Evangelho (Mt 5, 17-37) de hoje. Jesus ainda está sentado na montanha, na Galileia, ensinando a pedagogia do Reino de Deus e ampliando quatro pontos da lei.
Observemos o primeiro ponto, o interdito "não matar" (vv.21-26):
Aos antigos bastava não matar (Ex 20,13; Dt 5,17) e isto era o suficiente para cumprir a lei, mas odiar, prejudicar e até bater era permitido pela lej. Mais tarde, esse desamor legitimou até a pena de morte em alguns casos (Lv 20,8ss). O interdito de não matar recebe da parte de Jesus uma ampliação de sentido. Em primeiro lugar, a morte pode ser entendida sob diferentes facetas: psicológica, afetiva, econômica, moral e também física. Por isso, o ódio, a inveja, o ciúme, o desprezo, a manipulação econômica, o preconceito são outras formas de assassinato, de tal forma importantes para Jesus, que ele veta a prática de desprezar alguém ao chamá-lo de louco ou idiota (v.22) e aconselha a se ter uma atitude conciliadora (v.25). A lei do Amor trazida por Jesus faz uma reversão mental e prática: o “não matarás” se transforma na necessidade de preservar, valorizar e estimular toda forma de vida. O perdão e a reconciliação são formas de resgatar, recuperar e salvar vidas, numa pedagogia oposta ao desejo de vingança, de ódio e condenação tão comuns naquela sociedade e também nos dias de hoje.
O segundo ponto destacado fala sobre o adultério (Mt 5, 27-30):
Foi dito aos antigos "Não deveis cometer adultério!" Interessante destacar aqui que ao homem é proibido ter relações sexuais com a esposa ou noiva de outro. O adultério equivale a um roubo. Neste caso, o pecado não consiste em ofender a própria esposa, mas em possuir uma mulher que pertence a outro homem (Ex 20, 14-17).
Logo, esse mandamento foi reduzido impedir a posse de “algo”, no caso, a mulher que pertence a outro. Ampliando essa lei Jesus vem mostrar que o adultério não é apenas a traição, mas é o desamor, o desrespeito, a desvalorizarão do outro.
O adultério é o ato concreto, mas para Jesus há um caminho anterior que o possibilita, algumas portas de entrada, como o olho ou a mão (v. 30). Podemos perceber que a intenção e o desejo já são meio caminho para o ato; desta forma, Jesus quer que seus discípulos e discípulas sejam capazes de controlar seu olhar, pois há uma relação entre o olho e o coração.
O terceiro ponto a ser abordado por Jesus é o repúdio à mulher (vv. 31-32):
Aos antigos foi dito que poderiam repudiar sua mulher desde que lhe dessem carta de divórcio. O matrimônio era um contrato entre duas famílias. Com a compra da noiva, o marido exercia plenos poderes sobre ela e a função social da mulher estava bem definida: ter filhos e servir fielmente ao marido. O homem era o senhor e a mulher sua propriedade.
O divórcio era um direito exclusivo do homem e uma razão suficiente para consegui-lo dentro da lei era, depois do casamento consumado, o homem encontrar algo inconveniente na esposa, por exemplo, não ver mais graça nela (Dt 24,1), ter algum doença ou ser estéril. Pelo fato de ser propriedade dele, o homem se desfazia dela dando-lhe carta de divórcio. Jesus acaba com estes absurdos protegendo as mulheres ao afirmar que o repúdio só seria admitido por motivo de prostituição (v.32).
O quarto ponto abordado por Jesus reflete sobre os juramentos e compromissos (v. 33-37):
Aos antigos foi permitido que se jurasse em nome do Senhor desde que esse juramento fosse cumprido. Jesus vem nos mostrar que o juramento é sempre um sinal de fraqueza, de incapacidade e de desconfiança. A proibição dos juramentos feita por Jesus leva à pedagogia da sinceridade, da lealdade e do compromisso. Quando alguém tem um passado correto ele não precisará jurar. Quando o 'sim' é 'sim' e o 'não' é 'não' (v.37), não é necessário jurar pela própria vida nem pelo trono de Deus (v.34).
A Segunda Leitura (1 Cor 2,6-10) continua na mesma perspectiva aberta por Jesus no Sermão da Montanha. A Sabedoria apontada por Paulo não é aquela deste mundo, da sociedade injusta, da elite dos que decidem o que pode vir ou não de Deus, nem dos que possuem muitos conhecimentos. A verdadeira Sabedoria não se encontra na letra fria da lei, mas sim no Espírito nela contido e que Jesus veio revelar plenamente. A Sabedoria de Deus é visível para aqueles e aquelas que se abrem a acolher o Amor Incondicional de Deus que os transforma em “novos seres”.
Podemos sintetizar a liturgia de hoje afirmando que Jesus não veio trazer uma lei mais radical e severa. Ele pregou o Evangelho que significa uma alegre notícia que é a seguinte: NÃO É A LEI QUE SALVA, MAS O AMOR!!! A lei possui apenas uma função humana de ordem, de harmonia e compreensão entre os seres humanos. O amor que salva supera todas as leis e leva todas as normas ao absurdo. Por isso, o Sermão da Montanha pressupõe o homem e a mulher novos e libertos para coisas maiores. Ele é um guia do discípulo e da discípula de Jesus que já abraçou a boa-nova e procura comportar-se segundo a novidade que Cristo lhe trouxe que é a de encontrar na Lei de Deus sua verdadeira Sabedoria que nos aponta que:
Como discípulas e discípulos de Cristo saibamos viver dentro da Lei do Amor trazida por ele!!!!!
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6º Domingo do Tempo Comum - Ano A - Não é a lei que salva, mas sim o Amor! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU