17 Janeiro 2020
"Quem desejar ainda ouvir as ideias e ter um perfil biográfico, combinado com um esboço sugestivo de sua história traçado por Maria Concetta De Magistris, agora tem um belo texto disponível que, desde o título emblemático, reúne 'os sonhos e os sinais' de uma vida e de um pensamento humano, religioso e cultural" escreve Gianfranco Ravasi, cardeal italiano e prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 12-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Moral. No ensaio de Giannino Piana, cinco protagonistas do século XX e suas pesquisas: Dietrich Bonhoeffer, Paul Ricoeur, Emmanuel Lévinas, Italo Mancini e Pietro Prini. Se você procurar um dicionário etimológico a palavra "responsabilidade", descobrirá com surpresa a referência ao verbo "casar", que está na raiz do mais imediato "responder". De fato, a gênese está no latim spondere, que implica um compromisso quase juramentado, portanto sério e exigente. Em torno desse ato, que é estrutural em relação à liberdade humana e à relação inter-humana - "ser homem é precisamente ser responsável", escrevia em 1939, em Terres des hommes, Antoine de Saint-Exupéry - alguns pensadores contemporâneos construíram seu sistema ético, filosófico/teológico. Um de nossos maiores estudiosos da moral, Giannino Piana, selecionou cinco que ele define como "protagonistas" nessa antropologia da responsabilidade.
Claro, há maneira e maneira de orientar o tema. Basta pensar na abordagem "situacionista" de Jean-Paul Sartre que, em um de seus ensaios, depois reunidos na imponente coletânea de dez volumes, não por acaso intitulados Situations, afirmava: "Não fazemos o que queremos e, mesmo assim, somos responsáveis pelo que somos”. Sem mencionar André Gide, que em seus Diários apontava mais para o alto, envolvendo também a teologia: "A responsabilidade do homem aumenta com a diminuição daquela de Deus". Uma atitude que teria sido apresentada em formas radicais e inéditas na cultura secular.
Piana, por outro lado, começa com um teólogo de altíssimo perfil e incidência no mundo "laico", também por causa de seu dramático testemunho contra o nazismo, Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). Seu retrato teológico que lemos nessas páginas está ancorado no fundamento cristológico de uma moral de responsabilidade, como já aparece na epígrafe do capítulo, com base em uma citação de sua Ética (1949): "Cristo não se preocupava em saber se ‘a norma de um ato pode se tornar princípio de uma lei universal’ (Kant), mas se minha ação ajuda agora o próximo a estar diante de Deus". A cristologia da cruz torna-se, assim, o eixo hermenêutico de todo a abordagem do tema.
No entanto, muitos outros elementos convergem para compor o quadro da análise, como a superação bonhoefferiana da ética tradicional tanto cristã como laica, a dialética entre livre responsabilidade e obediência às normas, o contraponto harmônico necessário entre realidades "penúltimas" e "últimas" pelas quais fidelidade à terra e fidelidade a Deus devem ser recompostas em unidade. "Sua contribuição para a ética da responsabilidade - comenta Piana - reside em ter estabelecido a estreita ligação existente entre as duas ordens, natural e cristã, fazendo-as convergir na pessoa de Jesus de Nazaré, que une em si o humano e o divino". Mesmo através de nossa simples evocação alusiva, é fácil intuir que esse e os subsequentes perfis se tornam, em última análise, verdadeiras sínteses do pensamento dos autores convocados.
Na galeria de retratos aparece outra imponente figura na reflexão do século passado, Paul Ricoeur (1913-2005), cujo sistema ético é rotulado como "responsabilidade em relação ao outro". Trata-se de um relacionamento no qual ao tradicional nexo "eu-tu" é introduzido o “terceiro”, ou seja, o próximo distante e desconhecido, mas não anônimo, pois tem um rosto e um pertencimento à humanidade comum. É evidente a relevância inclusive política que esse modelo ético adquire na qual são chamadas a servir de contraponto harmônico necessário justiça e caridade, combinando assim "a preocupação por um sólido fundamento da ética com a atenção à historicidade da ação humana e à relatividade das expressões que ela assume”.
Igualmente relevante e em continuidade com Ricoeur é o terceiro personagem, Emmanuel Lévinas (1905-1995), conhecido por todos pelo seu recurso ao símbolo do "rosto" em sua antropologia relacional: "O rosto do próximo significa para mim uma responsabilidade irrecusável, anterior a todo livre consentimento, todo pacto, todo contrato”. É na prática o reconhecimento de que a estrutura constitutiva da moral está na relação interpessoal que reconhece no outro um sujeito dotado de dignidade absoluta e direitos inalienáveis, portanto destinado a questionar a nossa responsabilidade. A galeria de retratos termina com duas figuras italianas que Piana justamente traz de volta à cena porque seu pensamento é igualmente estimulante e também porque o autor manteve um diálogo proveitosos com elas.
De um lado, há Italo Mancini (1925-1993), cuja pesquisa é agudamente delineada também em sentido geral, mas com o objetivo que se estreita para a última fase da pesquisa desse sacerdote filósofo e teólogo, ligado à Universidade de Urbino, tornada por ele e Carlo Bo, uma referência cultural importante no panorama, não apenas italiano. Especificamente, Piana ilumina a transição do empenho por uma "teoria do céu" para aquela de uma "teoria da terra", com corolários que entrelaçam também as questões inerentes à sociedade, à política, ao direito e à ciência.
O trânsito de Mancini, portanto, é da "cidade de Deus", que ainda permanecia no fundo como estrela polar, para a "cidade do homem" cujo estandarte deve ser a justiça.
Pietro Prini é inteiramente contemporâneo a nós (1915-2008), e a ele é reservado o último retrato, uma figura que, com sua agudeza, foi capaz de infligir alguns espinhos no flanco sonolento da cristandade atual e, de maneira mais geral, à relação sistemática ocidental, em particular no cientificismo e à tecnocracia. De fato, o triunfo do mero experimental-factual muitas vezes esgotou e arquivou qualquer perspectiva de valor. Piana, partindo do paradigma do corpo e da dialética da necessidade-desejo, representa claramente a nova antropologia de Prini, que não hesita em interagir com todas as questões críticas da atualidade, da comunicação à sexualidade, da bioética à ética social e política, da questão ambiental para a paz e assim por diante.
Deixamos espaço para os cinco protagonistas do ensaio de Piana.
Para concluir, por ocasião de seu nonagésimo aniversário, apresentamos - embora apenas com uma citação - um personagem de alto valor intelectual, espiritual e social, o conhecido jesuíta Bartolomeo Sorge. Seu currículo incluía, entre outros, a direção da Civiltà Cattolica, a famosa revista jesuíta, assim como a igualmente prestigiosa das "Aggiornamenti Sociali", a fundação do Centro Pedro Arrupe de Palermo como centro de pesquisa e atividade social, a sua rica bibliografia no campo moral, que mencionamos algumas vezes nessas páginas, seu livre e corajoso testemunho eclesial e civil. O papa Luciani teria gostado que ele fosse, inclusive, seu sucessor na posição de patriarca de Veneza. Quem desejar ainda ouvir as ideias e ter um perfil biográfico, combinado com um esboço sugestivo de sua história traçado por Maria Concetta De Magistris, agora tem um belo texto disponível que, desde o título emblemático, reúne "os sonhos e os sinais" de uma vida e de um pensamento humano, religioso e cultural.
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Perfis de alta responsabilidade. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU