17 Dezembro 2019
"Mas algo profundo emerge da memória de Francisco e dos textos de Fiorito: na maneira de se apresentar do mestre, o jovem Bergoglio escolheu e assimilou o que em sua vida se tornou estilo. E que em seu papado se tornou governo."
A opinião é de Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 16-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Com o papa jesuíta, a "espiritualidade inaciana" está obviamente na moda, especialmente entre aqueles que não sabem nada sobre isso e a citam para bancar o hermeneuta ou o elogiador em um papado complexo. No coração do papado há uma estrutura interior, mas hoje sabemos que não é genericamente "jesuíta" ou "inaciana", mas é mais específica no sentido em que deve muito a um filósofo argentino de quem o Papa não falava com frequência: o padre Miguel Ángel Fiorito, nascido em 1916 e falecido em 2005, de quem a Civiltà Cattolica, publica cinco volumes de ensaios, editados por José Luis Narvaja. O trabalho de Fiorito é muito importante para decifrar a experiência marcante do jovem Bergoglio, moldado por poucas palavras e pela escuta dessa figura, que com seus silêncios (e seus bocejos diante dos repetitivos tormentos dos formandos) libertava da ilusão de que a paz interior poderia preceder a luta interior ou que a exortação poderia substituir o caminho.
Quando fala do "mestre" de sua juventude, o idoso papa usa o léxico classicamente inaciano dos Exercícios: "os espíritos" em luta, a "escolha" do estandarte na batalha, obviamente o "discernimento". Mas algo profundo emerge da memória de Francisco e dos textos de Fiorito: na maneira de se apresentar do mestre, o jovem Bergoglio escolheu e assimilou o que em sua vida se tornou estilo. E que em seu papado se tornou governo.
Apresentando esses livros no quinquagésimo aniversário de sua ordenação, o Papa Francisco ilustrou muitos traços do mestre: Fiorito, que não se deixa sugar pelos problemas para escutar melhor, Fiorito, que se torna um comentarista "espiritual" (no sentido mais ardente do termo), Fiorito, que ensina a paciência com as adversidades, Fiorito que proíbe especular sobre os futuráveis, Fiorito que olha para a "meta-história", Fiorito que educa à vida da graça com a "liberdade", Fiorito que entrega à sua escola Guardini, Rahner, Fessard.
Mesmo assim, cada preposição do Papa sobre Fiorito também se aplica a Francisco, ao seu estilo de governo. E levanta a questão de qual é a orientação da igreja depois do Papa João e depois do Vaticano II. Porque basicamente o que os opositores não perdoam a Francisco não são algumas de suas "posições", mas a escolha de firmar o ministério petrino com o máximo de tensão espiritual. Como se as igrejas, os povos e as terras fossem similares aos jovens discípulos de Fiorito, que precisavam de escuta e não de exortações, de se levantarem novamente experimentando a graça (e a graça de escolher), daquela solidez interior que vem de uma serena clareza. consigo mesmo e com as próprias lutas.
O problema é que, para reconhecer um mestre espiritual - como demonstra Bergoglio justamente com Fiorito - é preciso ver no mestre um discípulo de Jesus e imitá-lo. E isso não interessa nem aos denegridores de Francisco nem aos falsos moralistas que insinuam que ele seja um reformador ineficaz. O que importa a uns e a outros é reconstituir uma arquitetura de poder: que é exatamente o que Francisco desconstruiu.
O vídeo do discurso do Papa Francisco, proferido em italiano, pode ser visto a seguir.
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Miguel Ángel Fiorito, Padre espiritual do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU