09 Outubro 2019
O Sínodo “da” Amazônia foi preparado por expectativas, mal-entendidos, esperanças que agora, com o início dos trabalhos, vão se compondo como peças de um quebra-cabeça.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha, em artigo publicado por La Repubblica, 08-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início, alguns pensavam que Francisco havia convocado um sínodo “sobre a” Amazônia: tendo intuído o modo de se fazer as questões-chave no equilíbrio do planeta: um pouco como fizeram os membros do G7 em Biarritz, quando a multiplicação dos incêndios acendeu em alguns deles as suas emoções e comoções longas como um tuíte.
Para outros, a única explicação dessa convocação amazônica, perimetrada sem considerar as fronteiras coloniais ou estatais, era que o papa queria fazer um sínodo em que, “graças” às Igrejas daquele canto do mundo, ele levantava o problema crucial para o catolicismo de amanhã: isto é, a escolha e a formação do padre (já que, se não se repensar o ministério, sem se debruçar sobre o sexo ou a sexualidade daqueles que o exercem, se negará a um número crescente de comunidades e de dioceses o anúncio do Evangelho e a celebração da liturgia que as geram).
Assim, alguns pensavam que o papa queria que os bispos mais marginais do planeta fizessem as perguntas que os bispos europeus, teologicamente dotados de autoridade e vistosos, não conseguem sequer balbuciar.
O sínodo, porém, tocava um nó político maior: porque, em relação ao clima, é evidente a divergência entre o agnosticismo ecológico da Casa Branca e o papado que, ouvindo o grito dos pobres, ouve o da pobre terra. O sínodo, portanto, como um órgão capaz de produzir atos sinodais – dotado, assim, tanto da autoridade do papa que os recebe, quanto da comunhão que os produz – que aprofundariam uma fossa na qual o governo Trump havia enfileirado os teóricos do soberanismo e os opacos vínculos políticos, especialmente na Itália, onde o papa mora, e onde mora a diocese da qual é bispo.
E, depois, havia um nó institucional: porque o Papa Francisco acha que as melhores reformas são aquelas com normas inalteradas. E, portanto, ele produziu, também com a construção dessa cúpula, outra peça da reforma do sínodo: transformado de megafone que repetia as coisas que o papa queria ouvir em um órgão de comunhão polifônica.
De fato, ao sínodo, o papa chamou bispos, clérigos, fiéis e até pessoas que se declaram não crentes (como Carlo Petrini, que disse isso ao papa com a pureza de coração que muitas supostas pessoas de fé deveriam invejá-lo), por serem portadores de uma “experiência” que, por razões teológicas, não pode deixar de ser escutada.
Agora que o sínodo começa, as peças do quebra-cabeça terão que ser recompostas. Sobre o incremento dos “padres casados”, a Igreja latina, desde os tempos de Pio XII, já introduziu exceções. Veremos quem saberá articular algo que não seja uma mesquinha abertura ao sacerdócio para velhinhos, mas sim uma intuição sobre novos nexos entre o sacerdócio comum (o dos batizados e das batizadas) e o sacerdócio ministerial (aquele de quem tem a ordem).
Sobre o nó político, veremos se a linha de [Mike] Pompeo [secretário de Estados dos EUA], que demitiu os cruzados do soberanismo e reabriu um diálogo com a Santa Sé, fará com que as decisões sinodais sejam acolhidas pelo catolicismo norte-americano sem aquelas distinções que tentam vender a impaciência de fragmentos reacionários como uma Igreja pronta para o cisma.
Mas, acima de tudo, o sínodo posiciona a Igreja Católica diante dos líderes mundiais sobre a crise ambiental e também diante do vitalista protesto juvenil, que escuta o grito da terra, mas não o do pobre: sobre o qual o velho papa, que não precisa vampirizar politicamente o voto deles, pode chamar a atenção.
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Além das fronteiras da Amazônia. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU