04 Outubro 2019
Neste espaço se entrelaçam poesia e mística. Por meio de orações de mestres espirituais de diferentes religiões, mergulhamos no Mistério que é a absoluta transcendência e a absoluta proximidade. Este serviço é uma iniciativa feita em parceria com o Prof. Dr. Faustino Teixeira, teólogo, professor e pesquisador do PPG em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG.
O menino que carregava água na peneira
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!
Fonte: Manoel de Barros
BARROS, Manoel (1999). Exercícios de ser criança. Bordados de Antônia Zulma Diniz, Ângela, Marilu, Martha e Sávia Dumont sobre os desenhos de Demóstenes. São Paulo: Salamandra.
Manoel de Barros | Foto: Nova Escola
Manoel Wenceslau Leite de Barros (1916 - 2014): Poeta nascido no Mato Grosso está ligado ao pós-Modernismo brasileiro, mas sempre foi muito próximo à Antropofagia de Oswald de Andrade e à avant-garde europeia do começo do século XX. Seu primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado (1937), foi produzido por um grupo de amigos e publicado com uma tiragem de apenas 21 exemplares. É aclamado nacional e internacionalmente pela originalidade do seu trabalho, tendo sido agraciado com mais de 10 prêmios, entre os quais, dois Jabutis. Autor de vasta obra, com mais de 30 livros publicados, entre eles, Compêndio para uso dos pássaros (1960), Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001), Poemas Rupestres (2004), Portas de Pedro Viana (2013). Sua mais famosa publicação é Livro sobre Nada (1996).
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O menino que carregava água na peneira. Manoel de Barros na oração inter-religiosa desta semana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU