02 Outubro 2019
As mulheres indígenas Apinajé, junto com lideranças de 33 aldeias, debateram o direito originário e as ameaças sofridas.
A reportagem é de Eliane Franco Martins, publicada por CIMI, 01-10-2019.
O Encontro das Mulheres Indígenas do Povo Apinajé aconteceu entre os dias 24 e 26 de setembro, na aldeia Brejão, em Tocantinópolis (TO), com o tema Em defesa dos direitos dos Povos Indígenas Garantidos na Constituição Federal de 1988: Alto Lá Essa Terra Tem Dono.
Às 60 mulheres Apinajé somaram-se outros 40 indígenas, e integrantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), para tratar de temas como os direitos originários (Tese do Indigenato); os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal (artigos 231 e 232), além das várias ameaças contra esses direitos caso da PEC 187 (arrendamento das terras indígenas), PL 1610 (mineração), a tese do marco temporal, o julgamento da Repercussão Geral de Caso Extraordinário nº107.365 do povo Xokleng (SC), Reforma da Previdência, demarcação das terras, queimadas e desmatamentos.
As mulheres indígenas Apinajé, junto com lideranças e caciques de 33 aldeias, debateram sobre o direito originário e as ameaças sofridas a partir da eleição de Jair Bolsonaro e as constantes declarações do já presidente contra os povos indígenas do Brasil. Os últimos ataques ocorreram em seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU e causaram espanto na opinião pública internacional dado os ataques que fez aos povos indígenas e ao cacique Raoni Metuktire Kayapó.
Foto: Laila Menezes/Cimi
As mulheres reafirmaram que são os primeiros habitantes deste país e que os governantes devem respeito aos povos e seus territórios. Solicitaram também que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julguem o processo do Recurso Extraordinário nº 1017365 contra o povo Xokleng, de Santa Catarina, em caso de Repercussão Geral, dando um fim às inúmeras ações que usam da tese do marco temporal para interromper a demarcação das terras indígenas: nossa história não começa em 1988!
As lideranças Apinajé manifestaram preocupação com a aprovação da PEC 187 pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, “nossa terra não é para negócio”, afirmaram. “Estamos aqui há muitos anos vivemos em harmonia com a mãe natureza, qualquer ameaça ao nosso território prejudicará a nossa vida. Não comemos soja, eucalipto, cana, mamona, essas monoculturas não servirão de alimentos para o nosso povo, nossa vida está além do arrendamento das Terras Indígenas, esse projeto é de morte, não gera vida, vamos resistir contra essa PEC 187”, disseram.
As queimadas criminosas causaram indignação e revolta nas lideranças Apinajé. Ecoaram o grito em favor da mãe terra, reafirmaram que “somos terra e pra terra iremos voltar. Porque tanta destruição, os rios estão secando, tem parente nosso que não tem água para beber, o rio é nosso sangue. Esses criminosos tem que ser punidos, a Amazônia e o Cerrado não estão à venda”.
Com as inúmeras propostas de mudanças dos direitos do povo brasileiro, as lideranças presentes no encontro repudiaram a Reforma da Previdência Social, da forma como está a proposta aprovada na Câmara dos Deputados. O regime especial para os trabalhadores rurais acaba com o direito específico e diferenciado das populações do campo, incluindo os indígenas.
Reivindicaram a demarcação das Terras Indígenas que estão paralisadas pelo governo federal, assim como a fiscalização dos territórios indígenas de forma sistemática, “a nossa vida está ligada com o território, com os rios, com a mata, é de onde tiramos toda nossa força para continuar lutando. Somos Originários, somos da terra”.
Nós mulheres indígenas e lideranças do povo Apinajé estivemos reunidos na aldeia Brejão de 24 a 26 de setembro de 2019, contou com a participação de 60 mulheres e 40 lideranças homens para debater sobre direitos originários (tese do Indigenato); tese do Marco Temporal; Constituição Federal; PEC-215; PEC-187/16 (arrendamento das terras indígenas); PL-1610 (mineração); Repercussão Geral de Caso Extraordinário nº 107.365 do povo Xokleng em SC; Reforma da Previdência; demarcação das terras; queimadas e desmatamentos.
Nós mulheres temos direito de defender nosso território, preservar as matas e rios, porque o governo está querendo tirar o nosso direito originário a terra e tudo que nela existe, temos o direito sobre ela. Não vamos ficar de braços cruzados vendo o governo tomar o que é nosso, “a nossa terra”. Não vamos ficar paradas vendo nossas matas sendo derrubadas no chão, nós indígenas lutaremos sempre para defendê-la, até a última gota de sangue indígena a ser derramada, nós temos que lutar pelos nossos direitos garantidos nos artigos 231 e 232 da CF/88.
Nós mulheres Apinajé discutimos sobre as constantes ameaças aos nossos direitos originários e ficamos bastante preocupadas com a tese do marco temporal que pode ser usada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1017365 do povo Xokleng em SC de repercussão geral. Diante desta preocupação pedimos aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que julgue favorável aos povos indígenas do Brasil com a tese do Indigenato, reafirmando o nossos direitos constitucionais para os povos indígenas do Brasil.
Esse julgamento é muito importante para nossos parentes que lutam pela demarcação de suas terras, nós indígenas somos povos originários, sempre vivemos e habitamos em nossos territórios, desde nossos antepassados, nosso direito é congênito e independentemente de títulos e esta reconhecimento formalmente pelo estado brasileiro.
Lutamos para que a atual CF/88 seja respeitada e o governo cumpra com seu dever de demarcar as terras para os nossos parentes que a não tem e também demarcar as que ficaram de fora nos processos de demarcação, como é nosso caso. Exigimos que o governo federal demarque o restante do nosso território que ficou fora da primeira demarcação em 1985.
Debatemos também sobre as PEC-187/16 (PEC do arrendamento), proposta pelo deputado federal do Tocantins Vicentinho Junior, repudiamos essa PEC, não aceitamos de forma alguma que nossa mãe terra seja arrendada para criação de gado, plantio de soja, eucalipto e outras monoculturas e tão pouco para outras formas de exploração do capital. Não aceitamos também a aprovação das PEC-215 e a PL-1610 (mineração).
Discutimos sobre a reforma da Previdência Social e nós mulheres estamos preocupadas com o nosso futuro e de nossa família, pois um dia todas nós e nossos parentes ficaremos velhos e nossos direitos serão negados. O governo não está preocupado com nós indígenas, quilombolas e ribeirinhos, ele está do lado dos ricos que querem tirar nossos direitos. Não aceitamos que esta reforma seja feita e que não seja negado os nossos direitos.
Para nós mulheres Apinajé o nosso Deus que fez a terra nossa mãe e o nosso pai a natureza, são eles que nos dão água e os alimentos. A terra é muito importante para os povos indígenas, não podemos deixar que os fazendeiros queimem a natureza e a terra, destruam as nascentes e as águas. Precisamos das matas, das águas e da terra para continuidade de nossas vidas e de todos os seres vivos que nela existem, exigimos do governo federal a proteção dos nossos territórios, que sejam penalizados os criminosos que estão colocando fogo na Amazônia e no Cerrado.
Nós mulheres e lideranças Apinajé não vamos deixar que os fazendeiros e mineradoras acabem com nossas matas, rios, córregos , terra, animais, a natureza faz parte do nosso sagrado. Que o governo respeite nossa mãe terra, nossos rios que é nosso pai e a nossa vida, sem ela não sobreviremos. “Alto lá essa Terra tem dono”.
Aldeia Brejão 26 de setembro de 2019, povo Apinajé.
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Encontro das Mulheres do Povo Apinajé: “Nós somos a terra, e devemos cuidar dela” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU