25 Setembro 2019
A Cúpula de Ação Climática, organizada pela ONU, foi concluída com um resultado modesto e ambivalente. Não há novos acordos políticos, simplesmente porque a conferência - que reuniu dezenas de chefes de Estado - não tinha esse objetivo. Ainda faltam os marcos necessários para completar o caminho contra a emergência climática e alcançar uma economia neutra nas emissões de gases do efeito estufa até 2050.
A reportagem é de Antonio Cerrillo, publicada por La Vanguardia, 24-09-2019. A tradução é do Cepat.
No entanto, a ONU ganhou um inquestionável crédito na sua busca por uma grande aliança social (jovens, cidades, empresas inovadoras ...): a estratégia seguida para exigir que os governos realmente assumam a crise ecológica.
As espadas seguem levantadas entre aqueles que buscam fortalecer o Acordo de Paris, contra os lobbys que resistem em favorecer a transição energética e a justiça climática.
Nem o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, nem ninguém esperava que desse encontro saísse um pacto. "O resultado foi positivo", avaliou Guterres.
A conferência se desdobrou com o ânimo de organizar uma grande plataforma para o intercâmbio de experiências, projetos e iniciativas (as melhores referências) como forma de forçar governos mais ou menos resistentes em apresentar novos planos para melhorar suas contribuições assinadas no Acordo de Paris, em 2015.
O balanço das intervenções de representantes governamentais deixa um sabor agridoce.
Um total de 77 países se comprometeram a garantir que até 2050 o planeta consiga um saldo neutro de emissões, isto é, uma economia descarbonizada (onde a geração de gases se equilibre com sua absorção em sumidouros, como florestas ou outras tecnologias que os mitiguem e neutralizem).
Mas, não esqueçamos que 2050 marca uma meta estratégica, a longo prazo, e do que se trata, aqui e agora, é fundamentalmente situar um marco mais próximo, um ponto intermediário para tornar credível esse horizonte: alcançar uma redução nas emissões de 45% até 2030, um passo prévio necessário para seguir o caminho certo até metade do século (e deter o descontrolado e perigoso aumento das temperaturas).
Pouco antes do início da cúpula, foi relatado que concretamente 75 nações, que representam 37% das emissões globais de gases do efeito estufa - em grande parte países em vias de desenvolvimento –, preveem aumentar sua ambição em seus próximos planos de ação climática nacional. Ou seja, só se conseguiu dispor de pouco mais de um terço do esforço necessário adicional, tendo em vista a revisão das novas contribuições dos governos frente à decisiva cúpula de Glasgow (dezembro de 2020). Nela, os países devem apresentar novas cartas (para atualizar o Acordo de Paris).
Greta Thunberg: "Como se atrevem? Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias!" pic.twitter.com/BZl0KLEJVV
— DW Brasil (@dw_brasil) September 24, 2019
Em grande parte, pequenas conquistas foram alcançadas graças ao sucesso da mobilização dos estudantes em todo o planeta, um fenômeno impulsionado por inúmeras organizações nascidas à sombra da figura de Greta Thunberg, a jovem ativista sueca que não apenas endossou sua liderança, mas transformou o movimento pela justiça climática (entre gerações, entre regiões, entre camadas sociais ...) em uma corrente com força transformadora (pelo menos na escala de valores emergente).
Greta Thunberg, com apenas 16 anos, consolida sua aura de força simbólica de extraordinário poder. Seus olhares para Donald Trump confirmam e apontam que sua figura vem suprir a ausência de liderança na ação climática. O retrato dessa ativista adolescente símbolo de uma consciência geracional prematura é um ator relevante no cenário mundial.
As novas gerações batem à porta da ONU. Mais provas? A campanha de Thunberg contra os voos aéreos (Quédate en Tierra, Vergüenza a Volar), que representam 2,5% das emissões de CO2 (que duplicarão, atingindo 8,2 bilhões de toneladas de CO2 até 2037), também causou um "medo cênico" na nova conferência das companhias (OACI), que acontece nesses dias em Montreal.
Habitualmente, as conferências anuais da ONU sobre o clima geralmente incorporam jovens (representantes de diversas regiões do planeta), cujas intervenções dão uma nota de realismo e emoção ao drama da devastação climática. Mas, nessa ocasião, a cenografia de rotina foi quebrada com uma bronca monumental da adolescente sardenta aos políticos, que foram acusados de “traição” e de falhar com os jovens.
O tsunami de estudantes superou todas as previsões nas ruas, nestes dias, e fez de Greta o grande aríete da ONU para exigir que as grandes potências incrementem suas políticas de ação climática.
Thunberg também combateu o negacionismo climático no próprio campo de jogo dos Estados Unidos e o extirpou entre sua população jovem. Ela sozinha deu um cheque em Trump. Talvez, por isso, o presidente americano apareceu de maneira súbita na sede da ONU, antes de sair depressa. Parecia que tinha ido para contraprogramar a conferência, mas ao negar que fosse uma jogada, induz a pensar no comportamento de quem explora um território que sente estar ocupado.
Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E se vocês escolherem fracassar, nós jamais perdoaremos. Nós não vamos deixar vocês fazerem isso. É aqui e agora que nós colocamos um limite. O mundo está despertando. E a mudança está chegando. (Greta Thunberg)#bomdia pic.twitter.com/ilBsH4dCqD
— André Trigueiro (@andretrig) September 24, 2019
O maior risco agora é que a popularidade de Thunberg alimente uma mitologia com pés de barro ou que acabe sendo um Prêmio Nobel venerado, jovem e cercado pelo cansaço, uma vez concluído o ciclo biológico de todo fenômeno midiático. As evidências do aquecimento e seus impactos no planeta alimentam a ciência com conhecimentos suficientemente robustos e sólidos para tenham um papel de destacado por si sós. No futuro, o debate público e a negociação política continuarão sendo impulsionados pela ciência climática. Com ou sem a presença de novas Gretas.
Uma conquista significativa é que um total de 87 grandes empresas (com uma avaliação de ativos de 2,3 bilhões de dólares) estão tomando medidas para sincronizar e alinhar seus negócios com as recomendações dos cientistas, que reivindicam limitar os piores impactos das mudanças climáticas, e entre elas estão três espanholas (Ibedrola, Acciona e Telefónica). São a constatação que certas empresas decidiram dar o passo e entrar na transição energética, algo que tropeça em sérias resistências.
O exemplo dessas empresas é a melhor notícia em um momento em que muitas empresas (especialmente bancos que financiam projetos para o desenvolvimento de novas usinas de carvão) confiam tudo na limpeza de sua imagem, conforme relatado por algumas das grandes ONGs.
A chamada Aliança 2050 (países, regiões, cidades, empresas ...) expressa, assim, sua “intenção” de tentar reduzir coletivamente as emissões em pelo menos 45% até 2030 e preparar estratégias nacionais para alcançar a neutralidade do carbono em meados do século. Entre os signatários estão Espanha, Catalunha e as cidades de Madri e Barcelona.
Enquanto isso, a Alemanha, por exemplo, lembrou que aumentará seus fundos para a proteção do clima global de 2 para 4 bilhões de euros. Seus planos, no entanto, retardam até 2038 o fechamento de usinas de carvão, algo reivindicado repetidamente por Antonio Guterres.
A Espanha e o Peru, juntamente com outros organismos e agências, criaram a Coalizão de Impulsionadores Sociais e Políticos que arrasta 45 países a alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas como um componente essencial das ações de luta contra a mudança climática.
Pedro Sánchez reiterou o compromisso espanhol com a ação climática, enquanto a ministra da Transição Ecológica da Espanha, Teresa Ribera, continuou, durante suas intervenções, demandando finanças que deem as costas para reservas e ativos energéticos que são um risco para o próprio equilíbrio econômico empresarial.
Apesar de tudo, o mundo necessitaria aumentar seus esforços entre três e cinco vezes para conter as mudanças climáticas, reduzir o aumento do aquecimento para 1,5°C, no máximo (em relação aos níveis pré-industriais), e evitar danos como os já percebidos em várias regiões do planeta (ondas de calor, degelo, aumento do nível do mar, furacões mais intensos, maior recorrência de eventos climáticos extremos). É o que demonstram também esses últimos 5 anos, com claros sinais de aquecimento, de acordo com um relatório da Organização Meteorológica Mundial.
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Emergência climática. ONU dá um passo tímido, sem completar o caminho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU