11 Setembro 2019
Morte generalizada de corais coloca em risco a vida marinha na costa brasileira.
A reportagem é de João Lara Mesquita, publicada por O Estado de S. Paulo, 05-09-2019.
Duas pesquisas realizadas por instituições diferentes e uma mesma constatação dramática: a vida marinha na costa brasileira corre sério risco. O aumento da temperatura média da água e a maior radiação solar estão provocando a morte de corais, especialmente os da região de Abrolhos, entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo. A área é uma das mais ricas da biodiversidade marinha brasileira. Os dois estudos já constataram a morte de mais de 90% da espécie Millepora alcicornes, algumas colônias têm mais de 80 anos. Mais conhecida como coral-de-fogo, é uma das mais abundantes na região. Outras espécies estão gravemente doentes, em estágio avançado de branqueamento.
Como Mar Sem Fim já explicou, os corais são imprescindíveis para a vida no mar e proteção das áreas costeiras. Uma em cada quatro espécies marinhas vive no entorno dos corais. Muitas se alimentam e se reproduzem nessas áreas. Incluindo 65% dos peixes, de mais de 5.000 espécies. Também são fonte de vida para mais de 10.000 moluscos e uma grande quantidade de algas e crustáceos. Os corais ajudam ainda na saúde humana. Alguns tipos têm propriedades farmacológicas. São transformados em medicamentos para diversos males, de hipertensão até antibióticos e antitumorais (saiba mais sobre os fármacos marinhos).
Mais de 500 milhões de pessoas dependem de alguma maneira desse ecossistema, conforme apontam alguns estudos. Os corais são ainda um grande atrativo turístico, como Mar Sem Fim mostrou. Eles formam também uma barreira natural contra os efeitos das ondas do mar no litoral. Evitam, por exemplo, a erosão dessas áreas. Por suas características físicas, os corais-de-fogo são os que mais absorvem os impactos das ondas.
O estudo mais recente foi realizado entre junho e julho de 2019. Foi feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Aquário Marinho do Rio de Janeiro (AquaRio). Eles colheram materiais em oito pontos da costa das cidades de Prado e Santa Cruz Cabrália, no extremo-sul da Bahia. Constataram a morte de 90% dos corais-de-fogo. Alguns municípios dessa região já sofrem há tempos com problemas de erosão. Entre eles, estão o próprio Prado, área da pesquisa; Belmonte; e Mucuri.
“É assustador que ele (coral-de-fogo) perca o seu papel funcional. É o único coral ramoso que habita a frente dos recifes”, disse Gustavo Duarte, pesquisador da UFRJ e do AquaRio, à Folha de S.Paulo.
A pesquisa da UFRJ-AquaRio indica também evidências de outros tipos “que estão doentes ou em estágio avançado de branqueamento”. Um deles é o coral-cérebro (Mussismilia hispida), “importante formador de recifes de coral brasileiros”. Uma das causas do branqueamento é o aumento da temperatura da água do mar. A alta é provocada pelos gases de efeito estufa lançados na atmosfera. Entre eles, o dióxido de carbono (CO2), principal gás do efeito. Assim como as florestas, os oceanos absorvem boa parte do CO2 lançado na atmosfera. Em função desses gases, há um aumento da radiação solar. Ela eleva as temperaturas e incide mais fortemente nas águas dos mares. As algas que vivem dentro dos corais são sensíveis a esses fatores, especialmente porque também se nutrem de CO2.
Todos esses eventos levam as algas a produzirem um composto altamente tóxico. E a serem expulsas dos corais. “Em anos de ocorrência do fenômeno climático El Niño, as águas do mar ficam ainda mais aquecidas. Esse estresse gera a expulsão das microalgas simbiontes– chamadas de zooxantelas– do interior do coral. São elas que dão cor ao tecido quase transparente do coral, que tem o esqueleto calcário branco, assim como os ossos de humanos. Quanto mais intenso e duradouro for o evento estressante, maior é a chance da colônia de coral adoecer e morrer, porque dependem dessas microalgas para viver”, explicam os cientistas do Projeto Coral Vivo.
O Projeto Coral Vivo estuda há mais de 15 anos os recifes de corais da Costa do Descobrimento. Atualmente, envolve pesquisadores de 14 universidades e institutos de pesquisas do Brasil. Patrocinado pela Petrobras, desde 2016 tem monitorado o comportamento dos mesmos pontos com recifes. A finalidade é gerar um banco de dados científicos e robusto. As pesquisas do Projeto Coral Vivo também mostram mortalidade acima de 90% em alguns recifes de corais-de-fogo da Costa do Descobrimento.
O zootecnista Carlos Henrique Lacerda explica que os corais-de-fogo têm grande poder de recuperação. Uma notícia boa, mas que não se comemora. “Ela (espécie) se autorrecupera, cada pedacinho dela que se quebra vira uma ‘muda’. Além disso, ela tem um ritmo de crescimento que é o dobro das outras espécies de corais, as quais levam um ano para crescer um centímetro. Nessa época do ano já era para estar sendo iniciada uma recuperação, mas o que vimos foi uma mortandade dessas espécies, o que nos deixa muito preocupados”, diz ele, que é coordenador regional de pesquisas do Projeto Coral Vivo.
O grande responsável é o El Niño, mais poderoso neste ano. “Como as temperaturas se mantiveram elevadas até junho, com uma média de 29,6°C, essa espécie começou a morrer em maio. Para se ter uma ideia, a temperatura chegou a 31,4°C nos recifes mais rasos”, informa Lacerda. Entre janeiro e maio deste ano, a temperatura média da água foi 2,6°C superior. A comparação é com o mesmo período de 2018. “Também observamos um aumento de quase 15% da radiação solar incidente na região durante a ocorrência do evento.”
“Em 2019, pela primeira vez no Brasil, foi observada e registrada a mortalidade de colônias e recrutas de corais de diferentes espécies, em função do El Niño. Em recifes mais rasos, próximos à costa, espécies como Agaricia humilis e Favia gravida, consideradas tolerantes ao estresse térmico, apresentaram uma elevada porcentagem de branqueamento, variando entre 60% e 80%, com perdas acima de 50% no número de colônias e recrutas.”
O biólogo Emiliano Calderon afirma que em fevereiro de 2016, 70% das colônias de Mussismilia harttii estavam saudáveis. Esta pesquisa foi realizada em diferentes áreas do Parque Natural Municipal do Recife de Fora, em Porto Seguro, Bahia. “Agora, somente 40% delas estão com aparência saudável”, diz Calderon, que é membro do Comitê de Pesquisas do Coral Vivo. O Projeto Coral Vivo destaca ainda que “os recifes de coral são ambientes frágeis, que abrigam rica biodiversidade marinha, podendo ser comparados às florestas tropicais para a manutenção da vida na Terra”.
Os pesquisadores do Projeto Coral Vivo também constataram alta no branqueamento na costa paulista. “Observamos um branqueamento de 80% das colônias de coral e mortalidade de 2%. As espécies de Mussismilia são mais resistentes. É comum no Sudeste encontrar colônias mais próximas à costa com mais branqueamento, devido à ação humana”, diz o oceanógrafo Miguel Mies, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) e membro da Rede de Pesquisas Coral Vivo. E o branqueamento também atingem os corais de outros locais da costa, como em Angra dos Reis.
A bióloga e oceanógrafa Beatrice Ferreira relembra que os efeitos do El Niño nos recifes de Tamandaré, Pernambuco, foram bastante severos entre 1998 e 1999. E diz como solucionar o problema: “Posteriormente se recuperaram, ainda que lentamente, mas mediante a implementação de várias medidas de manejo e conservação, incluindo legislação específica de proteção com a criação de áreas de preservação e a redução de impactos diretos, com envolvimento da comunidade local”, explica Beatrice, também professora da Universidade Federal de Pernambuco e coordenadora do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (PELD).
Outras soluções para reverter o quadro de mortalidade generalizada dos corais no litoral brasileiro são apontadas pelos pesquisados da UFRJ-AquaRio. Uma delas é a criação de fazendas de corais, no mesmo modelo dos viveiros de mudas para reflorestamento. Essas fazendas cultivariam os corais-de-fogo sobreviventes e, portanto, considerados mais resistentes.
“Eles serviriam como doadores de microfragmentos para a reprodução da espécie e repovoamento futuro da região.” Já os corais doentes, em fase de branqueamento, podem ser tratados com probióticos. Eles estão sendo desenvolvidos desde 2016 pelas equipes da UFRJ-AquaRio e os resultados têm sido animadores, afirmam. Segundo Raquel Peixoto, professora da UFRJ e pesquisadora associada do AquaRio, “é essencial uma iniciativa coordenada para proteger e recuperar colônias de corais. Temos que agir rápido ou os danos podem ser irreparáveis”.
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Morte de corais: risco à vida marinha na costa brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU