16 Agosto 2019
Um artigo feito especialmente para estimular a reflexão. Diversas expressões sugerem que a Igreja está no centro de tudo o que os cristãos são chamados a viver, expressões como: "a Igreja precisa de todos para cumprir sua missão", "devemos construir a Igreja de Cristo", "entrar na fé da Igreja" , "é preciso recuperar a Igreja ", e até mesmo: "Eu acredito na Igreja, deixo em herança à Igreja ..." ("je crois en l'Église, je lègue à l'Église", publicado em La Croix no sábado, 29 de junho 2019)!
O comentário é de Jean-Luc Lecatin, publicado por Conferência Católica dos Batizados Franceses, 11-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Igreja não é um ser, é a multidão inumerável dos fiéis ... Jesus que habita o seu povo: eis a Igreja. Um modo de viver dos discípulos de Cristo à luz do evangelho, que pode parecer estranho, utópico, diferente do lucro, do dinheiro, do poder, de "cada um por si" ... Imagem da eternidade, talvez ... Sem os homens e as mulheres que a compõem, a Igreja não tem existência, não tem realidade. Dizer: "a Igreja pensa que ...", "pede que ...", "ordena que ...", "proíbe que ...", etc., não faz sentido. A única coisa que pode dizer é: "os crentes em Cristo reunidos naquele lugar, naquela época e naquelas condições de existência, pensam que ... dizem que ...".
Não existem palavras definitivas, não existem opções não-reformáveis, existem homens e mulheres crentes lutando com as realidades da vida de hoje para construir o mundo de hoje. A Igreja não pode ser uma verdade para ser acreditada, uma realidade intocável, uma quase pessoa, mas ao longo da história a Igreja se erigiu a absoluto ... Jesus não fundou uma Igreja. Foram os seus discípulos que pensaram que lhes seriam fiéis colocando-se no comando ... Os homens usaram e abusaram do versículo "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja". Certamente intencionados a fazer o bem, quiseram organizar, controlar, não se deixar vencer: se apoderaram daquelas poucas palavras para se autorizar a criar uma estrutura, uma organização que se institucionalizou para disciplinar a boa nova anunciada por Jesus.
As comunidades escolheram seus responsáveis, reconheceram a eles um poder sagrado e, pouco a pouco, se formou uma hierarquia que gerenciou a Igreja. Os bispos, os padres, os teólogos, o próprio poder civil, impuseram regras de funcionamento, afirmações intangíveis, instituições que lhes pareceram adequadas, e tudo isso foi chamado Igreja, ao mesmo tempo indissociavelmente e inextricavelmente Assembleia de crentes e Instituição. Aqui está a armadilha! A Igreja estabeleceu-se em uma situação de ambiguidade permanente e de domínio. Hierarquia, teólogos e religiosos sacralizaram esta Igreja, a sua organização, as suas afirmações, as suas decisões, os seus mandamentos, tranquilizando suas consciências e lembrando, claro, que a Igreja é o conjunto do povo crente. Mas a Igreja erigiu-se assim como objeto de fé, de veneração, de domínio sagrado. Em vez de considerar todas as inovações e formulações como necessidades de uma época ou lugar, o poder hierárquico teve a tendência de adicionar, universalizar, sacralizar as afirmações ditas irreformáveis, assim como as "invenções", as "descobertas" de funcionamento e de organização. O poder hierárquico e teológico estabeleceu, fixado no dogma e na tradição, em vez de saber relativizar, questionar em função do tempo, dos progressos humanos e científicos, das tomadas de consciência daqueles que são o próprio tecido da Igreja, os crentes que vivem a sua fé em seu tempo.
Mesmo que uma multidão de mulheres, homens e filhos da Igreja tenha dado uma contribuição infinita ao mundo, devemos renunciar à ideia de uma Igreja que é uma mestra de pensamento e de vida. A Igreja chamada Instituição, em si mesma, nada mais é que um instrumento. Não tem autoridade sobre as pessoas. Considerá-la como referência à qual se submeter, seria torná-la um absoluto. É apenas uma organização de tamanha complexidade que reformá-la parece um desafio insuperável. Mas "nada é impossível para Deus"! Não é a Igreja-Instituição que tem a solução diante dos problemas que encontra no século XXI, mesmo que seja com ela que devemos procurá-la. Cabe aos cristãos de hoje inventar o modo de viver Cristo e sua palavra no nosso tempo. Diante do questionamento da Igreja-Instituição em referência ao poder, à sexualidade e ao dinheiro, não é a "máquina-igreja" que precisa decretar do alto da sua hierarquia: "agora devemos fazer assim, devemos reformar assado, é necessário criar determinada instituição, suprimir essa outra ... ".
Cabe a nós, crentes em Jesus Cristo, laicos, religiosos e religiosas juntos, arregaçar as mangas e recuperar a consciência do que somos, da nossa responsabilidade em relação à boa nova. Cabe a todos nós trabalhar, individualmente e com os outros, para inventar como, nestes anos, viver plenamente a palavra de Jesus neste mundo, assim como é, com suas descobertas, angústias, riquezas, pesquisas, aspirações. ... A renovação do espírito cristão, da vida cristã de hoje parece-me que só pode ser feita se aceitarmos não nos concentrar na Igreja-Instituição, nas transformações que devem ser feitas ali, nas mudanças a serem feitas, no rosto a ser dado. A Instituição, com seu clero e seus teólogos, nada mais é do que um instrumento a serviço dos crentes: não cabe a ela decidir o que devemos fazer. Somos todos nós, batizados, sem qualquer distinção, mas juntos na escuta do Espírito, que devemos encontrar as soluções; são as nossas comunidades cristãs, com os seus padres, se os tiverem, que têm que enfrentar problemas e implementar soluções para o tempo em que vivemos e onde estamos. Não cabe aos padres decidir ou comandar, senão se voltaria imediatamente ao clericalismo, mas, na minha opinião, cabe aos padres nos manter unidos na riqueza de nossa diversidade, cuidar de cada um e de todos, permitir que sejamos adultos, reconhecendo a nossa liberdade de pensamento e de consciência, nos reunir, consolar e nutrir no caminho da abertura a serviço da nossa terra.
O importante não é rejuvenescer ou reparar a Igreja, mas ser portadores da Boa Nova, no coração do mundo, ser sal e luz! E somente vivendo esse conjunto, nós, povo dos crentes, poderemos oferecer vida ao nosso mundo, chegando, além disso, a oferecer um rosto verdadeiramente renovado da Igreja no nosso tempo. O propósito é viver como crentes em Cristo e, como ele, viver a paixão pelos seres humanos, mulheres e homens, no mundo de hoje. Para vinho novo, odres novos!
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A Igreja, uma ambiguidade a reconhecer e superar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU