09 Agosto 2019
“Os resíduos de antibióticos nos alimentos podem causar sérios problemas de saúde nas pessoas, como alergias, efeitos imunopatológicos e citotóxicos e aumentar o risco de desenvolver câncer. Além disso, podem alterar a composição do microbioma humano, especialmente o microbioma intestinal”, escreve Mailo Virto Lekuona, professora titular de bioquímica e biologia molecular da Universidade do País Basco, em artigo publicado por El Diario, 07-08-2019. A tradução é do Cepat.
Hoje em dia, praticamente todas as pessoas constituem um elo na cadeia de transmissão de antibióticos e bactérias resistentes a antibióticos no meio ambiente. Isso ocorre porque praticamente tudo o que ingerimos, começando pela água que bebemos, passando pelos alimentos de origem animal e vegetal, todos podem conter resíduos de antibióticos e bactérias resistentes a antibióticos e seus genes. Eles são bem absorvidos pela contaminação, seja porque são encontrados naturalmente nos alimentos ou porque foram adicionados ao processo de fabricação.
As normas europeias e estadunidenses definem os resíduos de antibióticos como substâncias farmacologicamente ativas (seja a substância ativa, seus produtos de degradação ou seus metabólitos) que permanecem nos alimentos obtidos de animais aos quais o medicamento foi administrado.
Em princípio, os produtos de origem animal não devem ser consumidos até que o animal tenha metabolizado a droga. Existe um tempo estabelecido entre a administração e o abate do animal para consumo. Mas, mesmo assim, é possível encontrar resíduos em carnes, ovos e leite. Também são encontrados resíduos de antibióticos em alimentos de origem vegetal e até mesmo na água da torneira.
A presença de resíduos de antibióticos utilizados em veterinária em alimentos está limitada por normativas estabelecidas pelas autoridades competentes em cada caso. Na Europa, a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) estabelece as diretrizes a serem aplicadas e cada país membro deve adaptar seus regulamentos de acordo com essas diretrizes.
Em geral, toda vez que se aprova um novo antibiótico (ou outro tipo de medicamento) para uso veterinário para animais de consumo humano, uma série de análises e avaliações de risco deve ser realizada. Levando em conta os dados obtidos a partir dessas análises, se estabelecem os limites aceitáveis de ingestão diária (ADI). A partir destes, são determinados os níveis máximos de resíduos (LMR) permitidos nos alimentos.
É muito difícil determinar a ingestão real de resíduos de antibióticos de cada indivíduo. Pode variar muito dependendo do país, dieta, etc. Portanto, os trabalhos científicos publicados se referem a lugares específicos e os resultados são difíceis de extrapolar.
Em um estudo realizado com crianças, em Hong Kong, foram analisados resíduos de antibióticos no leite, água potável e alimentos ingeridos e na urina. Detectou-se resíduos de quinolinas, sulfonamidas, macrólidos e penicilina. Mas tanto a ingestão estimada quanto os níveis detectados na urina estavam abaixo dos limites estabelecidos pelas normativas atuais.
No entanto, embora os níveis estejam dentro das normas vigentes e sejam inclusive indetectáveis, a verdade é que as pessoas estão continuamente expostas a resíduos de antibióticos. Essa exposição crônica a quantidades muito pequenas de numerosos compostos diferentes pode ser mais prejudicial à saúde do que doses terapêuticas por períodos curtos, como quando uma infecção é tratada.
Os resíduos de antibióticos nos alimentos podem causar sérios problemas de saúde nas pessoas, como alergias, efeitos imunopatológicos e citotóxicos e aumentar o risco de desenvolver câncer. Além disso, podem alterar a composição do microbioma humano, especialmente o microbioma intestinal.
Em comparação com a exposição para uso terapêutico, a exposição crônica a muitos antibióticos diferentes, mesmo em níveis muito baixos, pode exercer maior pressão de seleção em bactérias resistentes e não resistentes a antibióticos.
A exposição crônica a antibióticos é especialmente importante em crianças após a amamentação, quando começam a tomar outros tipos de produtos. Os resíduos de antibióticos nos alimentos podem determinar o desenvolvimento do seu microbioma. Estudos epidemiológicos e experimentais sugerem que têm um efeito cumulativo, portanto, seu efeito pode ser adicionado mesmo de geração em geração.
Por outro lado, em 1976, foi demonstrado pela primeira vez que o uso de antibióticos na medicina veterinária provocava a colonização de bactérias resistentes nas galinhas de uma granja. Também a aquisição desta resistência no microbioma do trato intestinal de trabalhadores da granja.
Muitos estudos posteriores demonstraram que bactérias resistentes em animais podem transmitir genes de resistência a bactérias presentes no intestino humano. Isso ocorre, presumivelmente, via comida.
A presença de bactérias nos alimentos pode ser intencional, como, por exemplo, em produtos fermentados, como probióticos ou mesmo os bioconservadores. Os organismos competentes em cada caso (EFSA, na Europa) publicam periodicamente listas de bactérias reconhecidas como seguras para utilização em alimentos. Entre outras condições, esses microrganismos não devem produzir antibióticos, nem ter genes de resistência.
No entanto, a presença de bactérias resistentes pode ocorrer em alimentos preparados a partir de matérias-primas cru, como os alimentos fermentados tradicionais. E pode ser acidental, devido à contaminação de diferentes fontes. Além disso, a matriz alimentar e as condições de conservação e processamento podem favorecer a transmissão de genes de resistência entre bactérias.
Preocupa particularmente a presença de bactérias resistentes que provocam doenças transmitidas por alimentos, como Salmonela e Campylobacter e bactérias responsáveis por zoonoses, como cepas resistentes de Staphylococcus aureus.
Além disso, bactérias comensais resistentes e não patogênicas podem transferir genes de resistência para bactérias patogênicas, tanto no processamento de alimentos quanto após a ingestão. Como algumas das bactérias presentes nos alimentos têm a capacidade de resistir às condições do trato digestivo, colonizar o intestino e permanecer lá por longos períodos de tempo, podem aumentar o risco de transmissão de genes de resistência tanto no microbioma humano quanto no meio ambiente.
Portanto, é importante monitorar e reduzir a presença de todos os tipos de bactérias resistentes (tanto comensais como patogênicas) nos alimentos. Da mesma forma, é importante estudar os elementos genéticos móveis presentes nos alimentos para entender sua epidemiologia e implementar métodos para reduzir sua presença.
Tudo isso, juntamente com o cumprimento das boas práticas nos processos de elaboração e boas práticas de higiene em todas as fases da cadeia alimentar, “da granja à mesa”.
Este artigo constitui um resumo da palestra proferida no curso de verão da UPV/EHU organizado pela JRL Environmental Antibiotic Resistence.
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Como bactérias resistentes e resíduos de antibióticos chegam aos alimentos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU