14 Julho 2019
Por causa das consequências apocalípticas do aquecimento global, muitos estão esperando por um milagre de Deus ou da ciência para nos salvar de nós mesmos. As larvas podem fazer parte desse milagre, e, se forem, isso mostrará que os cientistas podem usar uma das criações mais revoltantes de Deus para nos salvar.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 11-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O derretimento das geleiras, o aumento do nível dos oceanos e a extinção de um milhão de espécies são apenas algumas das terríveis consequências previstas como resultado do aquecimento global. O impacto sobre os seres humanos será catastrófico, superando os danos que temos visto até agora de furacões, terremotos, incêndios florestais, secas e guerras.
A interrupção dos suprimentos de alimentos fará com que milhões morram de fome. Rios e lagos secos e a inundação de cidades costeiras irá forçar milhões a migrar, fazendo com que a atual crise de refugiados se pareça a um piquenique no parque.
Se a humanidade já precisou rezar por um milagre, é hoje, mas a maioria de nós é descrente ou pelo menos agnóstica quando se trata de milagres.
Anos atrás, havia um grupo de jesuítas trabalhando em uma localidade rural na América Latina, onde as colheitas estavam fracassando, porque não havia chovido. Os padres estavam ocupados organizando os camponeses para pressionar o governo a vir em seu socorro com projetos de irrigação e ajuda financeira. Abaixo-assinados circularam; manifestações foram organizadas.
Quando o governo não respondeu, o povo foi até os padres e lhes pediu que levassem a estátua de Nossa Senhora de Guadalupe para os campos, para que eles pudessem rezar por chuva. Os padres tentavam afastar as pessoas disso, dizendo que “não fazemos mais essas coisas”. Finalmente, as pessoas deixaram claro que, se os padres não levassem a Nossa Senhora até os campos, eles incendiariam a casa paroquial.
Assim, lá foi a procissão da igreja até os campos, com filas de coroinhas, velas, incenso, o coral e todo o vilarejo rezando por chuva. Depois que a estátua chegou à metade do caminho até os campos, começou a chover. “Vejam, padres, nós lhes dissemos”, disseram as pessoas. “Vocês têm que ter fé.”
Embora eu ame essa história, a chuva só trouxe um alívio temporário para essa localidade. Muito mais do que apenas um dia de chuva será necessário para a sobrevivência em longo prazo da aldeia e para o nosso mundo.
Talvez o milagre que precisemos é o de uma conversão do coração que impulsione aqueles que são ricos a levar vidas mais simples e neutras em carbono. A pegada de carbono dos que vivem no Primeiro Mundo ainda supera a dos países em desenvolvimento. Tal conversão seria mais milagrosa do que uma tempestade repentina.
Muitos do Primeiro Mundo que não querem viver de modo mais simples estão colocando sua esperança na ciência para encontrar uma solução milagrosa para a nossa crise climática. Soluções tecnológicas enormes e caras têm sido propostas, como a fusão nuclear. Fontes alternativas de energia estão sendo desenvolvidas; projetos de recaptura de carbono estão sendo propostos.
Um grupo de cientistas, no entanto, está pensando pequeno. Larvas estão sendo examinadas como fonte de proteína por cientistas do College Station, no Texas, de acordo com o Washington Post [disponível aqui, em inglês].
As larvas da mosca soldado negra têm “notável capacidade de transformar praticamente qualquer tipo de resíduo orgânico – resíduos de cafeterias, esterco e até algas tóxicas – em proteína de alta qualidade, tudo isso deixando uma pegada de carbono menor do que a encontrada”, de acordo com uma reportagem do Post do dia 3 de julho. “Em um ano, um único acre de larvas de moscas soldados pretas pode produzir mais proteína do que 3.000 acres de gado ou 130 acres de soja.”
Em uma semana, uma colônia de larvas “modesta” (1,6 milhão) pode transformar uma tonelada de lixo orgânico em 45 quilos de proteína e 180 quilos de composto. Elas comerão quase qualquer coisa: esterco de porco, dejetos humanos, restos de comida, resíduos de destilarias etc.
Esse tipo de desperdício de alimentos contribui para 7% das emissões mundiais de gases do efeito estufa, de acordo com um relatório das Nações Unidas de 2011.
As larvas não eliminam apenas os gases do efeito estufa, mas também se transformam em proteínas, que, quando torradas, podem ser usadas como alimento para animais. Isso retiraria a pressão sobre as espécies oceânicas atualmente sendo pescadas em excesso como fonte de ração animal. Um quarto de todos os peixes pescados do oceano são usados como alimento para peixes, aves, suínos e outros animais.
Cientistas e engenheiros estão trabalhando em modos de tornar isso comercialmente viável. Uma empresa do Texas já está criando larvas para répteis de estimação. Os pesquisadores esperam que as larvas sejam competitivas com os preços da farinha de peixe oceânica dentro de cinco anos. Isso seria ideal, se o processo pudesse ser miniaturizado para uso em fazendas para reciclar resíduos de animais e plantas.
As larvas assadas podem até fornecer proteína para os seres humanos. “Elas têm gosto de salgadinho frito”, disse um promotor ao Post.
“Elas têm um sabor agradável e neutro”, escreveu Christopher Ingraham, o corajoso repórter do Post que as provou. “Espalhe-as nos temperos em pó ou nos temperos para churrasco, e é fácil imaginar sacos delas voando das prateleiras em paradouros de caminhões e lojas de conveniência.”
Os cientistas que estão trabalhando com – e não contra – a criação de Deus, até mesmo com as larvas, podem descobrir o deus ex machina de que precisamos para sobreviver como espécie. Se assim for, será uma prova de que Deus não é apenas gracioso, mas também tem senso de humor.
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Larvas podem ser um deus ex machina para nos salvar do aquecimento global. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU