05 Julho 2019
As joaninhas, assim como milhões de outros insetos, na primavera são tomados pelo desejo de viajar. E elas se precipitam no ar em densos esquadrões, centenas de milhares ou até milhões, para ganhar resorts de verão e de terapia. 130 km por dia e logo encontrarão o éden que sonharam durante todo o inverno. Depois, com o encurtamento dos dias, tomarão o caminho de volta.
A reportagem é de Jean-Louis Hartenberger, doutor em Ciências e paleontólogo, e publicada por Décodeurs 360º, 25-06-2019. A tradução é de André Langer.
Até agora, foi apenas o felizardo Jean-Henri Fabre [1823-1915, cientista, humanista, naturalista, entomologista, escritor e poeta francês] que, num dia ensolarado de outubro, havia observado no Monte Ventor (1.800 m) um “congresso” desses bichinhos. Ele conta que em pelo menos sete lugares da montanha, pôde assistir a reuniões de milhares de joaninhas, cada uma com seu comitê de calorosa acolhida para os recém-chegados. Nada a ver com Lampedusa.
De manhã, elas tinham desaparecido. Esta minúscula espécie prefere viajar à noite. Sem dúvida, para se proteger contra predadores alados. Quando a noite cai, as joaninhas se lançam no ar, guiadas por seus instintos e com suas bagagens: em suas patinhas, elas transportam e espalham vagões de pólen. Um vez chegadas ao destino, não apenas trarão sangue novo para a vegetação local, mas também serão auxiliares muito apreciadas pelos jardineiros: recém-nascidas, seus descendentes, minúsculas larvas, exaustivamente os pulgões que, de outra maneira, devorariam as plantações.
Congresso de joaninhas (Foto: Craig K. Lorenz)
Atualmente, mesmo nas noites mais escuras, essas migrações não escapam mais aos nossos radares. E podemos acompanhar as peregrinações sazonais desses minúsculos auxiliares da natureza, tão desinteressados quanto indispensáveis.
Foi assim que em junho passado, meteorologistas da Califórnia ficaram surpresos ao observar em imagens noturnas dos céus uma nuvem estranha fora de sua competência: ela aparecia em tons esverdeados em suas telas e não era a chuva! Era um voo de joaninhas com mais de 110 km de comprimento entre 1.500 e 3.000 metros de altitude acima dos condados de Riverside e San Bernardino.
Mas não é só na América ou no Monte Ventor que se pode medir a extensão dessas migrações sazonais de insetos. Uma recente revisão de pesquisadores ingleses concentrou seus estudos por mais de 10 anos nas migrações de pequenas moscas muito prolíficas, grandes coletoras de pólen e muito viajantes, os sirfídeos, ou moscas-das-flores (1).
O sirfídeo mais comum na Grã Bretanha (Epysyrphus balteatus).
(Foto: William Hawkes | Universidade de Exeter)
De fato, como auxiliares da agricultura, elas têm uma dupla ação. Suas larvas se alimentam de pulgões como as joaninhas e os adultos são agentes polinizadores muito eficazes, especialmente para a cultura da colza, quase tanto quanto e até mesmo mais do que as abelhas.
A área de observação no sul da Inglaterra cobriu um círculo de cerca de 70 mil km2 pela pausa de micro estações de radares que escaneiam o céu 24 horas por dia. E os balanços que oferecem são surpreendentes pelo quanto os números de suas contagens são elevados. A cada ano, mais de quatro bilhões dessas pequenas moscas entram ou saem do sul da Inglaterra para ir ao norte da Europa. Elas voam acima de 200 metros de altitude e algumas de suas nuvens circulam perto de 1.500 metros do solo. Todos os dias, elas viajam entre 70 e 200 km nessas viagens de ida e volta.
Essas migrações invisíveis têm uma grande influência no meio ambiente. Os sirfídeos pousam em sua passagem em trilhões de flores e carregam quantidades colossais de grãos de pólen: a cada primavera, estima-se que entre três e oito bilhões desses grãos sejam importados para o sul da Inglaterra, e pouco importando o Brexit! Seus amores e suas desovas darão à luz bilhões de larvas ávidas de pulgões: anualmente, sete mil toneladas desses microparasitas dos jardins são eliminadas.
E então, deve-se dizer que esta pequena população é em si uma vítima de predadores maiores e, portanto, essa biomassa representa algo em torno de 80 toneladas de alimento e 35 milhões de calorias para esses consumidores.
Essas migrações invisíveis passaram durante muito tempo despercebidas, assim como as lutas biológicas que elas acarretam e que são muito benéficas para as atividades humanas, neste caso a agricultura. Em um momento em que relatórios alarmantes sobre insetos e pássaros mostram que seus números estão despencando em todo o mundo, especialmente na Europa –2,5% a menos ao ano para os insetos e um terço de pássaros a menos em 15 anos – e que não há dúvida de que esse “Armagedon biológico” é a consequência direta do uso intensivo de pesticidas, ainda há tempo para olhar a natureza viva, compreendê-la e seguir suas lições? Está em jogo a nossa alimentação, a nossa saúde e até mesmo a nossa sobrevivência.
(1) Wotton et al., 2019, Mass Seasonal Migrations of Hoverflies Provide Extensive Pollination and Crop Protection Services Current Biology 29, 1–7. July 8, 2019 ª 2019 Elsevier Ltd.
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Migrações invisíveis: seu impacto nas atividades humanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU