08 Junho 2019
"Para compreender melhor a gravidade do problema, faça a conta: nove em dez pessoas respiram ar poluído e contaminado no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, fazemos parte desta estatística. Viver principalmente nas regiões metropolitanas apresenta externalidades sobre as quais nem temos noção. Os efeitos do comprometimento do bem-estar chegam à economia: ultrapassam os US $ 5 trilhões (dados 2013). Cerca de 3 bilhões de pessoas, ou seja, 40% da população no planeta, ainda não têm acesso a combustíveis limpos e tecnologias em suas casas, principal fonte de poluição do ar interior do domicílio", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista, especialista lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo.
A maioria de nós provavelmente nunca pensou quanto valem cinco segundos nos dias de hoje, não é? Valem literalmente uma vida, pois neste curto espaço de tempo morre uma pessoa no mundo em decorrência de doenças associadas à poluição do ar, correspondendo anualmente a 7 milhões de pessoas. Para compreender melhor a gravidade do problema, faça a conta: nove em dez pessoas respiram ar poluído e contaminado no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, fazemos parte desta estatística. Viver principalmente nas regiões metropolitanas apresenta externalidades sobre as quais nem temos noção. Os efeitos do comprometimento do bem-estar chegam à economia: ultrapassam os US $ 5 trilhões (dados 2013). Cerca de 3 bilhões de pessoas, ou seja, 40% da população no planeta, ainda não têm acesso a combustíveis limpos e tecnologias em suas casas, principal fonte de poluição do ar interior do domicílio.
Uma afirmação em documentos da OMS é taxativa: a poluição não tem fronteiras. Mesmo assim, estes alertas fazem parte de um tema ainda depreciado na agenda da política pública, que é a saúde ambiental. Um conteúdo transversal a outras agendas, como transportes, agricultura, indústria e mineração, tratamento de resíduos, ciência e tecnologia e educação, além de meio ambiente e saúde. A ausência de planos e políticas concatenadas entre todas estas áreas resultam nesta ineficácia ainda presente no combate à poluição do ar.
Estes dados reforçam a escolha do tema “Poluição do Ar”, nesta Semana do Meio Ambiente de 2019, feita pela Organização das Nações Unidas (ONU). O alerta é recorrente: este inimigo aparentemente oculto faz parte dos reflexos da nossa própria ação humana em um modelo de desenvolvimento no qual a produção de gases tóxicos à saúde ainda permeia, e muito, as nossas cadeias produtivas e modais de transporte com combustíveis poluentes e/ou catalisadores ineficientes na mobilidade urbana. Reflete consequentemente o nosso modelo de produção e consumo. Respiramos ainda quantidades excessivas de gases tóxicos, como dióxido de nitrogênio (NO2), ozônio troposférico (O3), monóxido de carbono (CO), material particulado (MP), hidrocarbonetos e dióxido de enxofre (SO2), entre outros gases. As suas concentrações são relacionadas a condições metereológicas. Ventos fracos e inversões térmicas (camada de ar quente que se forma sobre a cidade, “aprisionando” o ar e impedindo a dispersão dos poluentes) em baixa altitude exigem alerta.
As crianças pagam uma conta muito alta, pois são um dos públicos que mais sofrem com efeitos fatais. Em outubro de 2018, o relatório “Air Pollution and Child health” alerta a respeito, registrando mais de 600 mil mortes anuais. Como esclarece o patologista Paulo Saldiva, um dos maiores especialistas brasileiros nesta área, há efeitos adversos da poluição do ar sobre a saúde humana. Alguns deles se manifestam de forma aguda, ou seja, horas ou dias após a exposição, enquanto outros são evidenciados somente após longos períodos de exposição. São os chamados efeitos crônicos. Trocando em miúdos, uma perfeita bomba-relógio.
As vítimas em potencial, segundo Saldiva, têm abaixo dos 5 e acima dos 65 anos de idade. Já as morbidades são associadas à asma, bronquite crônica, doença aterosclerótica, diabetes mellitus, miocardiopatias e arritmias cardíacas.
No Brasil, no Sistema Único de Saúde (SUS), a demanda de pacientes com problemas associados à poluição atmosférica só cresce. Chegam às unidades básicas de saúde e aos hospitais, pessoas com irritações das mucosas, dos olhos, processos de asmas, doenças pulmonares, cardiovasculares e cânceres. A partir de 2001, foi instituída a Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição Atmosférica (Vigiar), pelo Ministério da Saúde, com foco principalmente em prevenção e de atenção integral. Um dos objetivos desta medida é a criação de um instrumento de identificação de municípios de risco. Os levantamentos, entretanto, ainda são ínfimos diante da espacialidade, concentração de pessoas e fontes emissoras.
Os indícios de que é preciso rever nosso modelo de desenvolvimento começam, por exemplo, quando nos confrontamos com dados a respeito da frota veicular no país. De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), até fevereiro de 2019, o Brasil registrava 54.995.950 só de automóveis e 22.471.809 motocicletas, extra os demais modelos automotivos (caminhões, ônibus etc), e disparadamente o estado de São Paulo se destaca nestas estatísticas, respectivamente com 18.317.839 e 4.662.471. A necessidade de aumentar a frota de transporte coletivo não poluente em todas as cidades do país é algo urgente diante desta realidade.
Como explica o engenheiro químico David Tsai, coordenador de área de emissões do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma das principais questões que devem ser avaliadas quanto às emissões de poluentes, são os catalisadores dos automóveis (adotados no país desde 1992), além dos investimentos em energia limpa e renovável. A qualidade e eficiência destes equipamentos devem ser permanentemente fiscalizadas. Ele ainda explica a importância de haver a manutenção e ampliação do monitoramento da qualidade do ar no país como instrumento de políticas públicas mais eficazes.
Atualmente há 284 estações sob gestão pública somente em nove estados (Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Distrito Federal), como destaca a Plataforma Qualidade do Ar, sistematizada pelo IEMA. Nela, é possível observar o déficit de investimento dos estados neste segmento. Somente os de São Paulo e do Rio de Janeiro mantêm aproximadamente 75% das estações de monitoramento no país e 50% delas estão nas regiões metropolitanas. O Norte do país é desassistido e na região Centro-Oeste e no Nordeste há um número irrisório de cobertura. “Há maior dificuldade de controle de concentrações sobre o material particulado fino (MP2,5) e o ozônio”, diz.
Mais um aspecto estratégico discutido hoje em dia é quanto à manutenção e melhoria da atuação do Programa de Controle de Poluição de Ar por Veículos Automotores (Proconve), criado por resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).
Em 2016, houve uma avaliação dos Impactos e Econômicos dos Benefícios Socioambientais do Proconve, lançado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No relatório, há um dado que chama a atenção. Um estudo realizado pelo Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP e a consultoria Environmentality, entre 1996 e 2005, o número de mortes evitadas pelo Proconve em seis capitais brasileiras foi estimado em 50.000. Isso representaria a economia aproximada de US$ 4,5 bilhões de gastos com saúde pública. No levantamento, foi apurado que na região metropolitana de São Paulo, o programa teria evitado 3,41% das mortes de adultos acima de 25 anos por doenças cardiovasculares, 3,39% por problemas respiratórios e 5,41% por câncer de pulmão. Ao mesmo tempo, é avaliado que ainda muito a melhorar, pois se calcula que nove pessoas morrem por dia devido à poluição em São Paulo. As concentrações de material particulado ainda são duas vezes mais altas do que o recomendado pela OMS. Vale lembrar que o mesmo tem como principais fontes: veículos automotores, processos industriais, queima de biomassa e ressuspensão de poeira do solo.
Segundo a OMS, as partículas inaláveis finas (MP2,5), em concentrações excessivas, que podem atingir os alvéolos pulmonares, afetam 91% das pessoas que vivem em cidades no mundo.
A poluição do ar doméstica é mais um problema desprezado nas políticas públicas e chega a representar o quarto risco global para a saúde, responsável por 4,3 milhões de mortes anualmente. A pesquisadora Adriana Gioda, em seu artigo “Comparação dos Níveis de Poluentes Emitidos pelos Diferentes Combustíveis Utilizados para Cocção e sua Influência no Aquecimento Global”, publicado na Química Nova 41, traz mais uma informação relevante. No Brasil, cerca de 10 milhões de domicílios ainda fazem uso de lenha, de acordo com o levantamento. Em 2010, na América Latina e Caribe, foi estimada a ocorrência de 70.000 mortes prematuras relacionadas à exposição interna ao MP2,5 devido ao uso de combustíveis sólidos na cocção. Ela alerta: as partículas finas são as mais diretamente associadas a mortes e doenças.
Quem não viu algum dia aquela imagem emblemática de pessoas com máscaras, em Pequim, para se proteger da poluição atmosférica na China? Um cenário triste e que revela os extremos. O problema em questão, no Brasil e no mundo, é ainda maior, porque milhares de pessoas sequer têm a chance de usá-las, visto que muitas vidas já estão sendo abreviadas por causa da falta da impulsão, de fato, à energia limpa e renovável; a hábitos mais saudáveis e não poluentes de mobilidade urbana, como andar de bicicleta, exercitar a carona solidária, usar transporte público não poluente. Tudo isso associado ao combate à pobreza, que pesa de forma incontestável sobre a maior parte das vítimas, e investimento em Pesquisa & Ciência.
Aldeídos (RCHO)
Dióxido de Enxofre (SO2)
Dióxido de Nitrogênio (NO2)
Hidrocarbonetos (HC)
Material Particulado (MP)
Monóxido de Carbono (CO)
Ozônio (O3)
Poluentes Climáticos de Vida Curta (PCVC)
(Fonte: Ministério do Meio Ambiente)
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Poluição do ar: Qual é o valor de cinco segundos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU