05 Junho 2019
Comissão especial que analisa projeto do governo Bolsonaro ouviu economistas que desfizeram "mitos" que justificariam as mudanças nas aposentadorias.
A reportagem é publicada por Rede Brasil Atual - RBA, 04-06-2019.
A economista Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, afirmou que a "reforma” da Previdência do governo Bolsonaro vai beneficiar apenas os bancos, responsáveis por gerir as contas individuais destinadas a aposentadoria no “novo” sistema de capitalização idealizado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo ela e outros especialistas ouvidos na comissão especial que analisa o projeto, o trabalhador arcará com a “insegurança total” no novo modelo.
“A crise tem garantido o aumento do lucro dos bancos. No ano passado, com a economia toda estagnada, o PIB parado e agora caindo, com o povo desempregado, indústrias quebrando, num processo gravíssimo de desindustrialização, os bancos continuaram lucrando. E o Brasil comanda a pobreza na América Latina, e a extrema-pobreza, que já tinha desaparecido da estatística brasileira, voltou. Essa PEC vai piorar isso, e quem votar nela vai ser responsável”, afirmou.
A Auditoria Cidadã da Dívida vai interpelar extrajudicialmente todos os parlamentares e alertar sobre os riscos jurídicos e econômicos para as pessoas, para a economia do país e para as finanças públicas representados pela Proposta de Emenda à Constituição 06/2019. “Somente o setor financeiro vai ganhar. Vai receber as contribuições individuais, as taxas de administração e aportes que o governo terá que pagar, e não terá obrigação nenhuma”, denunciou a economista.
Fattorelli destacou que consta na exposição de motivos da proposta elaborada por Guedes que objetivo final é a capitalização. Também na tabela divulgada pelo próprio governo consta que, dos cerca de R$ 1 trilhão que pretendem economizar com a “reforma”, 80% sairá do Regime Geral de Previdência Social, voltado aos trabalhadores da iniciativa privada, onde cerca de dois terços recebem um salário mínimo, desmontando o argumento do suposto combate aos privilégios. “Os R$ 870 bilhões que o Guedes quer economizar vão sair dos mais pobres. E Para que esse trilhão? Para financiar a transição para o regime de capitalização.”
Nesse modelo, adotado no Chile durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), os trabalhadores realizam a sua contribuição previdenciária em contas individuais geridas por bancos privados que fazem a aplicação desses recursos. O projeto de Guedes sequer prevê a contribuição obrigatória da parte dos empregadores e da parte do governo, como funciona no sistema atual, daí a insegurança desse novo sistema.
A pesquisadora do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Sônia Maria Fleury Teixeira destacou outras contradições da proposta do governo. Ao mesmo tempo que pretende retirar da Constituição parâmetros que definem o acesso às aposentadorias, como idade mínima e tempo de contribuição, quer incluir o modelo de capitalização no texto constitucional. A proposta também desvincula o salário mínimo como piso das aposentadorias.
“São vários parâmetros que sairiam da Constituição para serem mais fácil de alterá-las. Por outro lado, tem coisas que estão sendo constitucionalizadas. Por exemplo, a capitalização, que ninguém sabe qual desenho terá. Esse projeto está desconstitucionalizando aquilo que é um direito seguro, que foi acordado, depois de ser amplamente discutido na Assembleia constituinte, com todos os seus atores, para constitucionalizar uma coisa que não se sabe o que é, mas que poderá ser. É um processo original e exótico.”
Ela também classificou o projeto de reforma como “autoritário”, porque foi elaborado exclusivamente pela equipe econômica do governo. “Não teve participação e não se discutiu o diagnóstico para depois discutir as soluções. Dizer que é a Previdência Social que está deteriorando as finanças públicas, e não que a economia está deteriorando as contas da Previdência, é uma coisa que a sociedade não concorda. O que me pergunto é se os parlamentares vão dar esse cheque em branco.”
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro se concentrou em desfazer “mitos e equívocos” que estimulam a aprovação da PEC 6/2019 que, segundo ele, foi feita “de afogadilho” em clima de “terrorismo econômico”. “Antes de mais nada, quero dizer que sou a favor de uma reforma da Previdência. Não significa dizer que sou a favor desta reforma proposta pela equipe econômica.”
O argumento que diz que os servidores públicos ficarão sem salários já no próximo ano caso a proposta do governo não passe foi o primeiro mito atacado pelo economista. Ele ressaltou que a conta única do Tesouro, responsável pelas despesas do governo federal, somava mais de R$ 1,2 trilhão no início de 2019, o que daria para arcar com 24 meses dos gastos públicos.
“Mesmo que não aprovada essa reforma da Previdência e os mercados financeiros se recusassem a comprar um real de dívida nos próximos meses, o governo teria condições de arcar com todas as despesas obrigatórias, incluindo o pagamento de juros. Portanto, esse clima de terrorismo é errado. Há, sim, uma crise fiscal, essa crise precisa ser endereçada, de maneira gradual, e levando-se em conta o estado do ciclo econômico. Fazer mais cortes é suicídio econômico. É simplesmente pôr mais lenha na fogueira da recessão.”
Ele também destacou que os gastos públicos tiveram forte crescimento até 2014, mas, desde então, o ritmo de crescimento vem desacelerando, inclusive em função da crise econômica, e deve se estabilizar num futuro próximo. “É uma situação desconfortável com certeza, mas não quer dizer que vai explodir. O Brasil não está indo para o caos.”
Outro “mito” atacado pelo economista é o que diz que os gastos com a Previdência consomem mais da metade das receitas da União. Quando considerados os gastos com o pagamento de juros da dívida, que somam 19% segundo ele e permanecem “ausentes” no debate econômico, se reduz a proporção dos gastos com as aposentadorias. “Quando se considera o pagamento de juros, os gastos previdenciários caem para 40%. Temos que fazer um ajuste fiscal, mas por que não debatemos também o pagamento de juros? É proibido? É pecado mortal ou vão mandar para a fogueira quem discutir esse tipo de coisa?”
Em defesa de regras mais rígidas para a concessão das aposentadorias, o economista do Banco Mundial Heinz Rudolph afirmou que os gastos previdenciários, no Brasil, são comparáveis aos de países europeus com populações mais velhas que a brasileira. Ele projeta que, no final da próxima década, o número de pessoas que contribuem para a Previdência Social vai se equiparar número dos que recebem o benefício, inviabilizando a continuidade desse sistema. Já o professor de direito do trabalho e seguridade social da Universidade do Chile Claudio Cáceres destacou que o regime de capitalização adotado no seu país contribuiu para o desenvolvimento do mercado chileno de ações e permitiu manter as contas fiscais do país “mais ou menos saudáveis”.
Confira a íntegra da discussão:
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Reforma da Previdência: ‘Somente o setor financeiro vai ganhar com a capitalização’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU