12 Março 2019
"Os direitos adquiridos da geração mais idosa só podem ser garantidos pela efetivação das obrigações herdadas pelas gerações mais jovens. É inviável uma geração querer tirar vantagem de outra geração. Qualquer pacto precisa de um acordo prévio. A solidariedade intergeracional geralmente funciona bem quando todas as coortes etárias estão se beneficiando dos frutos do crescimento econômico", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 11-03-2019.
A Divisão de População da ONU divulgou, em junho de 2017, as novas projeções populacionais para todos os países da comunidade internacional, para as diversas regiões e para a população mundial. A quantidade de dados e gráficos é enorme e possibilita inúmeras análises e discussões sobre a demografia, em suas múltiplas dimensões.
De todas as informações disponíveis, aquela que melhor traduz o panorama geral da dinâmica populacional global é a transição demográfica. Na maioria absoluta dos países, as taxas de mortalidade já vêm caindo há mais de um século e as taxas de natalidade começaram a cair nas últimas décadas. O resultado desse processo é a mudança da estrutura etária, que se traduz na redução da base e no aumento, progressivo, das partes superiores da pirâmide populacional.
Ou seja, a transição demográfica implica, necessariamente, no envelhecimento populacional. O gráfico abaixo mostra que o Índice de Envelhecimento (IE = pessoas de 65 anos e mais sobre as pessoas de 0 a 14 anos) tem aumentado no Brasil e no mundo. Entre 1950 e 2010 o IE mundial era maior do que o IE brasileiro, mas, no restante do século XXI, o envelhecimento seguirá um ritmo mais acelerado no Brasil.
Em 1950, havia 7,2 idosos (65 anos e mais) para cada 100 crianças e adolescentes (0-14 anos) no Brasil e 11,7 idosos para cada 100 crianças e adolescentes na média mundial. Em 2010, o IE passou para 27 no Brasil e para 28,5 no mundo. As projeções indicam que haverá mais idosos no Brasil do que crianças e adolescentes em 2040 (IE = 111,4) e mais idosos no mundo em 2075 (IE = 100,5). Em 2100 haverá 249 idosos para cada 100 crianças e adolescentes no Brasil e 127 idosos para cada 100 crianças e adolescentes no mundo. O Índice de Envelhecimento do Brasil será quase o dobro do IE da população mundial.
Todavia, se o Índice de Envelhecimento oferece uma métrica da relação dos extremos da pirâmide populacional, a Razão de Suporte Potencial (RSP) representa uma medida da relação entre a população em idade de trabalhar e a população idosa. O gráfico abaixo mostra a Razão de Suporte Potencial entre a população de 20-64 anos e a população de 65 anos e mais, para o Brasil e o mundo. Uma primeira constatação é que existe uma relação inversa entre o IE e a RSP, quando um sobe a outra cai e vice-versa.
No passado, quando as taxas de fecundidade eram mais altas e havia uma estrutura etária mais rejuvenescida, o Brasil possuía uma Razão de Suporte maior do que a da média mundial. Mas como as taxas de fecundidade brasileiras caíram mais rapidamente, o país terá uma Razão de Suporte Potencial menor do que a RSP da população mundial no restante do século. Em 1950, havia 15,3 adultos (20-64 anos) para cada idoso (65 anos e mais) no Brasil e 10,1 adultos para cada idoso na média mundial. Mas as projeções indicam que, em 2100, haverá apenas 2,4 adultos para cada idoso no mundo e apenas 1,4 no Brasil.
Portanto, o envelhecimento populacional já diminuiu a RSP pela metade no Brasil e vai reduzir para um décimo até o final do atual século. Essa situação vai colocar desafios inéditos e que vão testar a criatividade da sociedade brasileira.
A Razão de Suporte Potencial, ou a proporção da população em idade de trabalhar (pessoas de 20 a 64 anos por aquelas de 65 anos ou mais), revelam mais sobre a saúde geral de uma economia do que o Produto Interno Bruto (PIB) ou outros indicadores econômicos. A RSP tem importantes implicações para os governos, as famílias e as empresas em relação à força de trabalho, tributação, educação, habitação, produção e consumo, aposentadoria, pensões e serviços de saúde. A queda sem precedentes da Razão de Suporte é, inexoravelmente, um fator de redesenho da economia e de mudança do sentido e do ritmo do fluxo de recursos intergeracional.
Os direitos adquiridos da geração mais idosa só podem ser garantidos pela efetivação das obrigações herdadas pelas gerações mais jovens. É inviável uma geração querer tirar vantagem de outra geração. Qualquer pacto precisa de um acordo prévio. A solidariedade intergeracional geralmente funciona bem quando todas as coortes etárias estão se beneficiando dos frutos do crescimento econômico. Porém, cada país só tem uma e única conjunção em que a estrutura de idade favorece o crescimento. É quando existe uma janela de oportunidade, também chamada de bônus demográfico, que beneficia todas as gerações.
Ultrapassado o momento luminoso, o progressivo fechamento da janela demográfica é potencialmente perigoso para a saudável relação entre jovens, adultos e idosos, pois pode acirrar a disputa entre as gerações. A queda da Razão de Suporte é, simbolicamente, como uma queda de um meteorito que rompe com o equilíbrio homeostático do Planeta.
Não dá para ignorar que o Brasil já vive uma situação conflituosa. Enquanto os idosos reclamam dos baixos valores das aposentadorias e pensões e estão estressados com a possibilidade de perdas de direitos, os altos déficits da previdência agravam a crise fiscal e dificultam a retomada da economia. Sem o aumento das taxas de investimento não há recuperação do emprego e nem crescimento do produto. Os dados da PNADC, do IBGE, indicam que existem 10 milhões de jovens nem-nem-nem (que nem estudam, nem trabalham e nem procuram emprego), 14 milhões de pessoas desempregadas e mais um montante equivalente de pessoas subempregadas. O pleno emprego e o trabalho decente são direitos constitucionais que não estão sendo respeitados.
Mas o que está ruim, tende a piorar. Os desafios serão maiores no futuro próximo, pois a Razão de Suporte brasileira tinha valor 8 por volta de 2015, vai cair parar 4 em 2035 e para 2 em 2055. Como só a metade das pessoas em idade produtiva estão na População Economicamente Ativa (PEA) e o número de aposentadorias e pensões é maior do que o número de pessoas de 65 anos e mais, isto significa que dentro de 40 anos haverá apenas uma pessoa na PEA para sustentar uma pessoa beneficiária da previdência. Ou seja, descontando os impostos para o financiamento das políticas públicas, cerca de metade do salário dos indivíduos no mercado de trabalho terá que ser transferido para sustentar as aposentadorias e as pensões. Seria um fato inédito e inusitado.
Como visto nos gráficos acima, o aumento do Índice de Envelhecimento Populacional (IE) e a diminuição da Razão de Suporte Potencial (RSP) acontece para o conjunto da população mundial, mas a situação é mais acentuada no Brasil. Essas tendências são inexoráveis. Contudo, a forma de lidar com esse cenário demográfico desvantajoso está em aberto. A sabedoria será fazer crescer a produtividade geral da economia, com respeito aos direitos do meio ambiente, para que a solidariedade entre todos os grupos etários possa vencer o conflito intergeracional e o esgarçamento do tecido social.
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Cai a razão de suporte dos idosos no Brasil e no Mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU