10 Março 2019
“Valorizamos o interesse da comunidade internacional e suas iniciativas para ajudar o povo venezuelano na superação da crise. Acreditamos e defendemos expressamente o princípio fundamental da autodeterminação de todos os povos da terra. Por isso, afirmamos que a ajuda que se requer para a solução dos problemas atuais da Venezuela merece que as medidas de pressão que se exerçam de fora devem ser pensadas de maneira que não causem mais danos aos que sofrem e são afetados pelo mal que se pretende corrigir”, escreve Roberto Jaramillo Bernal, presidente da Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe – CPAL, em nome de todos os participantes do Seminário Internacional Busca de Alternativas Políticas à Crise Venezuelana, ocorrido de 4 a 6 de março de 2019, em Lima, Peru.
Como servidores da missão de Cristo na América Latina e Caribe, de 4 a 6 de março passados, nós, 51 leigos e sacerdotes, incluindo 19 jesuítas, de diferentes áreas profissionais e acadêmicas, nos reunimos para refletir sobre alternativas políticas à crise da Venezuela. Fomos convocados pela Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe – CPAL, contando, além disso, com o apoio da Universidade Antonio Ruiz de Montoya de Lima e a Universidade Católica Andrés Bello de Caracas.
O Seminário teve como eixo central da discussão a tarefa de esclarecer os principais fatores da crise que o país vive hoje e que atinge a sociedade venezuelana sem distinção de classes sociais, muito particularmente os setores mais empobrecidos. As deliberações do grupo se centraram em três grandes perguntas: Qual é o papel dos diversos atores sociais, políticos e armados na conjuntura venezuelana? Qual é a postura dos países e blocos transnacionais de poder que incidem na crise do país? Qual deve ser a contribuição e a rota de atuação da Companhia de Jesus a partir dos diversos cenários prováveis?
A dor e a miséria crescente do povo venezuelano, dentro e fora de seu país, nos entristece e nos interpela. Somos conscientes de que as causas que levaram à deterioração da democracia e das condições de vida do povo venezuelano são de velha data na Venezuela. Contudo, a atual situação de miséria e quebra da institucionalidade da democracia é eticamente intolerável e politicamente insustentável. Os milhões de migrantes presentes em quase todos os países da América Latina (13% da população venezuelana) nos abrem uma janela pela qual se assoma diariamente a paixão cotidiana – quase insuportável – da maior parte de seu povo; um povo que passa fome, que não tem onde receber atenção médica, que não conta com os mínimos serviços públicos, que sobrevive apesar do irrisório valor da remuneração que recebe; um povo que é perseguido quando protesta, que vive múltiplas formas de controle social e político, com um governo agora questionado em sua legalidade e cada vez mais totalitário, que foi cooptado por um pequeno grupo de interesses corporativistas e que dilapidou escandalosamente a riqueza do país.
Queremos reafirmar que exercemos nossa missão de serviço na Igreja. Sentimo-nos plenamente representados na posição de nossos irmãos bispos da Venezuela que, conhecendo de perto o drama do país e o sofrimento do povo, afirmam que “vivemos um regime de facto, sem respeito às garantias previstas na Constituição e nos mais altos princípios de dignidade do povo... Nesta crise política, social e econômica, a Assembleia Nacional, eleita com o voto livre e democrático dos venezuelanos, atualmente é o único órgão do poder público com legitimidade para exercer soberanamente suas competências” (111ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal da Venezuela, janeiro de 2019).
Na Fórmula do Instituto, que contém a quintessência da experiência e a inspiração de Inácio de Loyola, se diz que a Companhia de Jesus foi fundada – entre outras missões – para “reconciliar os discordantes”. Somos chamados a ser mensageiros da reconciliação na justiça e da esperança. “Para conseguir isto, temos que alcançar uma compreensão mais profunda do mistério do mal no mundo, e também do poder transformador da misericordiosa visão de Deus que trabalha por fazer da humanidade uma família reconciliada e em paz” (Congregação Geral 36ª da Companhia de Jesus, Decreto 1º, # 31). Por isso, não nos ficamos contemplando unicamente os males, mas, ao contrário, também regozijamos com os múltiplos sinais de solidariedade e de generosidade que descobrimos entre o povo venezuelano e entre nossos povos irmãos, pois alimentam a luta e a resistência pacífica e ativa das vítimas e sobreviventes nesse país irmão.
Movidos pela compaixão diante do sofrimento de tantas pessoas e após analisar com profundidade a situação política, social, econômica e geoestratégica da Venezuela, buscando alternativas políticas à crise atual, nós, jesuítas, queremos continuar:
- impulsionando, junto com muitas outras pessoas e organizações, alternativas políticas e de serviço que resgatem a centralidade e a dignidade inalienável de cada ser humano; e por isso rebatemos todas as formas de violação dos direitos humanos, e toda manipulação do poder político que pretenda impor uma ordem que não reconheça o dissenso, a pluralidade, os direitos coletivos dos povos originários, as liberdades civis e políticas, tal como estão consagradas na Constituição Bolivariana de 1999.
- sendo solidários e reforçar nosso serviço e atenção aos migrantes venezuelanos em nossos países, pois não somente reconhecemos seu drama, como também valorizamos sua presença e a riqueza que conferem às sociedades que lhes acolhem;
- promovendo, de diversas maneiras, uma compreensão cada vez mais fina e completa da realidade venezuelana através do trabalho de pesquisa, publicação, divulgação, ensino e formação que se realiza em nossos diversos serviços apostólicos para contribuir na redução da desinformação, dos preconceitos e da polarização que existe na opinião pública e gerar uma autêntica solidariedade.
Valorizamos o interesse da comunidade internacional e suas iniciativas para ajudar o povo venezuelano na superação da crise. Acreditamos e defendemos expressamente o princípio fundamental da autodeterminação de todos os povos da terra. Por isso, afirmamos que a ajuda que se requer para a solução dos problemas atuais da Venezuela merece que as medidas de pressão que se exerçam de fora devem ser pensadas de maneira que não causem mais danos aos que sofrem e são afetados pelo mal que se pretende corrigir. Eticamente não é correto e nem bom combater um mal com outro mal que signifique piorar a situação de miséria, exclusão e exploração dos povos, especialmente dos pobres e indefesos.
Conforme dizia o Papa Francisco a nós, jesuítas, em seu discurso final na 36ª Congregação Geral, em novembro de 2016, estamos convencidos de que “a Companhia de Jesus não é chamada a ocupar espaços, mas, sim, a desencadear processos”. O Seminário realizado foi uma bela experiência desse modo de serviço.
Rogamos ao Senhor nosso Deus por todos os que formam o corpo apostólico da Companhia de Jesus na Venezuela, assim como por todos aqueles que acompanham, defendem, promovem e trabalham pela integração dos migrantes em diversos países do subcontinente. “Mesmo nos momentos em que enfrentamos grandes desafios e aparentes derrotas, continuamos sonhando em ajudar a recriar um mundo diferente, porque conhecemos “Aquele que tem poder para realizar todas as coisas incomparavelmente melhor do que podemos pedir ou pensar” (Efésios 3, 20). Por isso, nós nos mantemos firmes, “com os pés calçados no zelo pelo Evangelho da paz” (Efésios 6, 15)” (Mensagem orante para aqueles jesuítas que trabalham em áreas de guerra e conflito, 36ª Congregação Geral).
Em nome dos participantes,
Roberto Jaramillo Bernal, S. J.
Presidente da CPAL
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Venezuela. Mensagem da Conferência de Provinciais Jesuítas da América Latina e Caribe sobre a crise do País - Instituto Humanitas Unisinos - IHU