21 Fevereiro 2019
Uma coisa fica clara após o recente encontro entre os líderes Jair Bolsonaro e Mauricio Macri: "Modernizar e abrir o Mercosul ao mundo". Acabou a grosseria do ministro da Fazenda do Brasil, Paulo Guedes, que minimizou a importância do bloco comercial. Essa aclamada abertura se harmoniza com o realinhamento geopolítico do país vizinho com os Estados Unidos, com as direitas europeias e com os setores conservadores da América Latina, previu Mônica Bruckmann, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-assessora da UNASUL. Em conversa com Cash, a especialista peruana em economia global e desenvolvimento sustentável delineou o eixo do novo governo brasileiro em questões de política externa e alertou para os efeitos da reprimarização econômica e da perda estratégica no espaço global, se o programa Bolsonaro for aplicado.
A entrevista é de Natalia Aruguete, publicada por Página/12, 19-02-2019. A tradução é do Cepat.
Como avalia as iniciativas de política externa do governo Bolsonaro?
Estamos presenciando o abandono da política externa inaugurada pelo primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, onde o Brasil dinamizou os processos e projetos de integração regional. Essa mudança começou com o governo de Temer, cujo ministro de Relações Exteriores, José Serra, declarou que a UNASUL não era mais importante e que o Brasil deveria recuperar suas relações estratégicas com os Estados Unidos. Segundo o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, o MERCOSUL também não é uma "prioridade" para o Brasil. Bolsonaro assumirá compromissos internacionais e promoverá um realinhamento geopolítico com os Estados Unidos, mas também com as direitas do mundo: Israel, Itália e Hungria, que estiveram presentes na posse do Presidente, em primeiro de janeiro. A Fundação Índigo, pertencente ao Partido Social Liberal (PSL), realizou uma reunião em Foz do Iguaçu com o objetivo de articular os setores mais conservadores da América Latina e formar um bloco de oposição ao Foro de São Paulo. Enquanto na Europa uma reunião coordenada pelo ex-conselheiro de Donald Trump, Steve Bannon, está sendo organizada, onde o governo Bolsonaro pretende desempenhar um papel importante.
Como você acha que a aliança dos BRICS continuará após esta guinada?
A desaceleração da participação do Brasil nos BRICS, que vivemos nos últimos três anos, agora é acompanhada de oposição aberta. A verdade é que com a saída do Brasil dos BRICS, toda a região perde muito peso nesse espaço de coordenação global.
Por que inclui a região?
O dinamismo da economia mundial está mudando da Europa e dos Estados Unidos para o Oriente. Desde 2014, o Fundo Monetário reconhece que a China lidera o ranking das dez maiores economias do mundo. Precisamente os BRICS estão liderando esse processo de grandes transformações, não só do tipo econômico, mas também das capacidades locais de produção científica e tecnológica e de disputa pelas tecnologias de ponta em setores estratégicos. Neste momento, a China é o país que mais investe em energias renováveis em todo o mundo e está progredindo na produção de novos materiais que são muito importantes para uma mudança na matriz energética.
Qual é o interesse dos Estados Unidos na economia brasileira?
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva descobriu importantes reservas na base marinha, conhecida como pré-sal. Essas reservas colocaram o Brasil como a 15ª reserva mundial. Agora, se as reservas estimadas forem comprovadas, o Brasil poderá se tornar a 3ª reserva mundial de petróleo, depois da Venezuela e da Arábia Saudita. Quando o pré-sal foi descoberto, ficou estabelecido que a Petrobras participaria de qualquer tipo de atividade que incluísse o pré-Sal e que fosse estabelecida uma participação mínima de 30% em seus lucros. No início do governo de Temer foi aprovada uma medida provisória que pôs fim a esses dois aspectos. Uma terceira questão aponta para a lei do conteúdo tecnológico local, que permitiu ao Brasil produzir grande parte da tecnologia necessária para a extração de petróleo do pré-sal. Durante a gestão de Temer, essa regra foi encerrada, de modo que em pouco mais de dois anos o Brasil deixou de ser autossuficiente em derivados de petróleo para importá-los. Ou seja, exporta petróleo para os Estados Unidos e importa derivados de petróleo dos Estados Unidos, que respondem por mais de 50% de seu consumo. Se o programa Bolsonaro for colocado em prática, vamos testemunhar o aprofundamento de uma reprimarização da economia brasileira.
Quais medidas concretas confirmariam a tendência à reprimarização da economia?
Capacidades tecnológicas locais de produção, laboratórios, investimentos em pesquisa e desenvolvimento estão sendo destruídos. Temer aprovou uma lei que congela os gastos públicos em educação e saúde por vinte anos. O projeto Bolsonaro pode levar o Brasil para a época em que era um exportador de matérias-primas sem valor agregado. Para ser exportador de bananas, você não precisa ter universidades ou investir em ciência e tecnologia.
Que diferenças você encontra entre a estratégia regional que o Brasil estabeleceu em sua aliança com os BRICS e um possível realinhamento com os Estados Unidos?
Com os BRICS, o Brasil participou como parceiro igualitário das outras potências emergentes na definição da nova dinâmica da economia mundial e na redefinição financeira. Um instrumento importante foi o Banco dos BRICS, apoiado pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, que inicia operações com 100 bilhões de dólares de capital direto e um montante similar para investimentos em projetos específicos. Enquanto o Banco Asiático de Desenvolvimento inicia com 200 bilhões de dólares de capital permanente. A participação do Brasil neste fórum foi fundamental, uma vez que a China propôs a nova rota da seda. Essa ponte terrestre redefine geopoliticamente o continente euroasiático, ligando os portos do Pacífico, no Extremo Oriente russo e China, e os portos marítimos na Europa, e agora o caminho marítimo para a África foi incluído. Compreende seis eixos estratégicos de produção que aumentarão o consumo de 60% da população mundial. A participação do Brasil é muito importante porque quando esta estratégia estiver em pleno desenvolvimento, haverá demanda por recursos naturais estratégicos.
O que significaria essa iniciativa para a América Latina?
Seria uma oportunidade histórica para mudar o atual paradigma e condicionar suas exportações à agregação de cadeias de valor locais, foi o que se discutiu na UNASUL a partir de 2012.
Qual foi a estratégia da UNASUL nesse cenário?
Em maio de 2012, tivemos a primeira reunião de recursos naturais e desenvolvimento integral da UNASUL, em Caracas. A partir desse encontro foram realizadas reuniões setoriais e foram promovidos diferentes instrumentos, como, por exemplo, a criação de um serviço geológico sul-americano. Era essencial dispor de dados geocientíficos sobre os recursos naturais como instrumento de soberania regional para a produção de conhecimento e o planejamento de políticas públicas em nível nacional e regional. Isso foi imediatamente visto como uma grande ameaça aos interesses das grandes empresas transnacionais do setor de mineração, que são as instituições que detêm essa informação. Outra iniciativa foi a Associação de Países Minerais Exportadores, cujo objetivo era melhorar os termos de troca e treinar o preço internacional dos minerais e recursos naturais em que a região tinha uma importante reserva.
Por que esses projetos não se concretizaram?
Isso foi promovido em uma época em que a visão integracionista não era única entre os doze países da UNASUL, embora fosse hegemônica. Mesmo com membros como Colômbia, Chile e Peru, membros da Aliança do Pacífico com os quais os Estados Unidos tentaram neutralizar o peso da UNASUL, a visão integracionista era hegemônica e muito progresso foi feito, mas infelizmente não houve tempo para finalizar os projetos que foram desenvolvidos ao longo destes três anos. E logo veio essa inflexão política que começa com a eleição do Presidente Mauricio Macri na Argentina, um pêndulo que remonta à direita e está destruindo rapidamente esses espaços de integração regional. Enquanto as regiões do mundo estão fortalecendo seus processos de integração, a América do Sul está se desintegrando em direção oposta às mudanças que o sistema mundial exige.
Você acha que será possível reverter o cenário internacional que descreve?
Sim, acho que existem pedras no sapato deste projeto ultraconservador globalmente. Primeiro, os Estados Unidos são uma economia em declínio, com uma das maiores dívidas públicas do mundo, equivalente a 110% de seu Produto Interno Bruto. Neste momento, os Estados Unidos não podem abrir uma frente de guerra no mundo sem seus aliados e parceiros, que também estão em crise. Minha visão é que os setores de direita na América Latina, que estão se realinhando com os Estados Unidos, fazem isso de uma perspectiva mais ideológica do que levando em conta as condições reais que os Estados Unidos oferecem para sustentar uma aliança de longo prazo. Em segundo lugar, governos de direita que obstinadamente tentam implementar uma política neoliberal ortodoxa estão gerando uma resposta popular muito grande. O caso da Argentina é importante. No Brasil, não acho que seja diferente, apesar do fenômeno Bolsonaro ser inédito. Acredito que haverá um desgaste político e uma reação social importantes. Este período de crise nos dá a possibilidade e a capacidade de assumir um equilíbrio crítico sério e honesto, mas, ao mesmo tempo, nos preparar para uma nova ascensão de forças progressistas e recuperação de políticas que beneficiem os mais amplos espectros da população.
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"Com o plano de Bolsonaro, Brasil é reprimarizado". Entrevista com Mónica Bruckmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU