09 Fevereiro 2019
Joseph A. Tetlow, SJ é um dos principais escritores sobre espiritualidade inaciana e diretor espiritual de renome mundial. Ele atuou por oito anos em Roma como secretário de Espiritualidade Inaciana na equipe do superior geral dos jesuítas, supervisionando 250 casas de retiros jesuítas em todo o mundo. Anteriormente, ele atuou como deão da Loyola University New Orleans, diretor da Escola Jesuíta de Teologia em Berkeley e editor associado da revista America. Ele também é ex-diretor da Casa de Retiro Jesuíta Montserrat, em Lake Dallas, Texas.
O último livro do Pe. Tetlow, "Always Discerning: An Ignatian Spirituality for the New Millenium" [Sempre discernindo: uma espiritualidade inaciana para o novo milênio], ganhou o primeiro lugar em Espiritualidade do Catholic Press Award de 2017. Seus outros livros incluem "Ignatius Loyola: Spiritual Exercises, Choosing Christ in the World" [Inácio de Loyola: exercícios espirituais, escolhendo Cristo no mundo] e "Making Choices in Christ" [Fazendo escolhas em Cristo].
No dia 26 de outubro, eu o entrevistei por telefone sobre o tema do discernimento para leigos.
A reportagem é de Sean Salai, SJ, publicada em America, 04-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como você define o discernimento?
O discernimento é viver consciente da constante interação em energia e entre a cabeça, o coração e as mãos. Então, o que pensamos muda o que sentimos e o que fazemos. O que sentimos muda o que pensamos e o que fazemos. E o que fazemos muda o que sentimos e o que pensamos.
Por que os leigos deveriam se importar com o discernimento?
A razão é que eles fazem isso constantemente, mas não refletem sobre isso e podem não estar cientes de que estão fazendo isso. As ideias que eles captam no mercado afetam os seus sentimentos sobre a Igreja. As coisas que eles fazem na sociedade de consumo afetam o que eles sentem sobre a sua generosidade, sobre o seu amor a Deus, mas eles não estão cientes disso. Então, a razão pela qual as pessoas precisam aprender sobre discernimento é que elas estão fazendo isso o tempo todo, e ser um cristão maduro requer refletir sobre o que você está fazendo o tempo todo.
Como os leigos podem praticar o discernimento hoje?
Para praticar o discernimento, você tem que estar rezando. Você tem que ser uma pessoa orante. Agora, rezar não significa ficar sentado por longos períodos de tempo em comunhão com Deus. Rezar, para a pessoa comum, começa com o exame da consciência e com a tomada de consciência das virtudes que o Espírito Santo infundiu em nós. O Espírito Santo nos dá uma vida sobrenatural e todas as forças que precisamos para vivê-la. Mas a maioria das pessoas praticamente não está ciente da sabedoria, do entendimento, do conselho; não estão cientes da prudência, da justiça, da fortaleza. O discernimento requer que você pense sobre essas coisas e reze sobre elas.
O que Santo Inácio de Loyola nos ensina sobre o discernimento que pareça especialmente relevante para o nosso contexto norte-americano do século XXI?
Provavelmente, o importante que Inácio nos ensinou é discernir os espíritos. Que espírito eu estou seguindo? É um espírito que está levando ao bem ou um espírito que está levando ao mal? Esses espíritos vêm até nós talvez como ideias ou como convicções do nosso coração. Os espíritos nos levam a fazer isso ou aquilo, e Inácio nos ensina a discernir entre os movimentos do espírito para o bem e os movimentos do espírito para o mal. Outra coisa importante que ele nos ensina, eu diria, é a necessidade da indiferença. Isto é, a necessidade de não estar profundamente apegado a um sentimento, ideia ou ação, a qualquer coisa que possa levar ao pecado, a qualquer coisa que não seja amorosa.
Como o Papa Francisco contribui com a nossa compreensão do discernimento?
Eu diria que a principal contribuição do Papa Francisco é que ele está constantemente fazendo isso e falando sobre isso. As suas homilias e escritos estão cheios de discernimento. Francisco foi quem criou a afirmação: “O que você pensa afeta ou muda o que você faz e o que você sente”, e assim por diante.
O que a Escritura nos ensina sobre discernimento?
As Escrituras estão repletas dele. Quando você entende a necessidade de se dar conta da cabeça, do coração e das mãos, você descobre que as Escrituras estão repletas de referências a isso. Por exemplo, em 1Timóteo, Paulo diz a Timóteo que o objetivo final da instrução que ele vai dar é o amor que brota de um coração puro, uma consciência clara e uma fé sincera. O coração puro é o coração daquilo que você está convencido, daquilo a que você visa alcançar. A consciência clara é a sua mente sendo instruída a saber o que é certo e o que é errado. E uma fé sincera, como diz Tiago, não é fé se não for o que você faz. A Escritura está repleta de referências como essas, uma vez que você entenda o padrão “cabeça, coração e mãos”.
Como o discernimento o ajudou na sua própria vida como padre jesuíta?
Eu diria que o principal é que ele me permitiu observar constantemente como aquilo que eu estou fazendo afeta aquilo que eu penso e aquilo que eu sinto. E, então, durante o Vietnã e durante outros períodos, o que os meus pensamentos estavam fazendo com os meus sentimentos e com aquilo que eu estava fazendo. Em outras palavras, brevemente, permitiu-me viver uma vida integral. Assim, os problemas que eu tinha quando jovem, os problemas que eu tinha quando jovem jesuíta, eu consegui integrar em uma vida afetiva e intelectual que me permite viver com o meu coração em paz.
Na Igreja Católica, como os leigos experimentam o discernimento em comparação com o clero e os religiosos?
O principal é que os religiosos têm o luxo de ter um longo período para rezar todos os dias. Os padres têm o dom da oração nas suas vidas. Os leigos têm que lutar para conseguir isso. Eu acho que é preciso introduzir os leigos ao Exame, ao discernimento, encorajá-los a gastar tempo no começo do dia – ou durante o dia – em oração. Mas eu diria que somos todos discípulos, discípulos maduros de Jesus Cristo. Se somos discípulos maduros de Jesus Cristo maduro, estamos discernindo. E isso é verdade para os leigos, para os padres e para os religiosos.
Como o Exame inaciano nos ajuda a discernir?
O principal é que ele nos conscientiza sobre a importância de refletir sobre as nossas ações, os nossos pensamentos e os nossos sentimentos, e nos dá tempo para fazer isso. Eu diria que o Exame inaciano se concentrou muito estreitamente, durante o período da minha vida, de algum modo, em se livrar de pecados e falhas. Esquecemos que Inácio aponta, na Anotação 18 dos Exercícios Espirituais, para pequenos modos de rezar. E, no parágrafo 245, ele diz que você pode fazer isso com o Exame ou com os vícios ou com as virtudes. Então, reflita sobre as virtudes. E eu acho que é algo que Inácio nos oferece e de que nos esquecemos.
Seu livro “Always Discerning” ganhou o Catholic Press Award em Espiritualidade de 2017, mas você escreveu muitos livros e artigos ao longo dos anos. O que você espera que as pessoas aprendam com a sua vida e o seu trabalho?
A oração. Espero que as breves notas que eu escrevi ajudem as pessoas a pensar direta e corretamente sobre o nosso serviço e louvor a Deus, nosso Senhor. Suponho que “Always Discerning”, de certa forma, coroa aquilo que eu tenho tentado fazer durante toda a minha vida, que é ajudar as pessoas a viverem conscientes do modo como o Espírito Santo lida conosco – não apenas nas ideias, mas nas nossas cabeças, nos nossos corações e nas nossas mãos. O Espírito Santo vem até nós às vezes por uma inspiração para “fazer”, e isso irá mudar o que pensamos e o que sentimos; às vezes, por uma inspiração sobre o que estamos sentindo, para esclarecer ou corrigir um sentimento que temos; e às vezes por uma ideia.
Tendo completado 88 anos em outubro, você deve refletir pelo menos ocasionalmente sobre a sua própria mortalidade. O que você dirá a Jesus quando finalmente o encontrar na próxima vida?
Depois de dizer: “Eu te amo e te amei. Obrigado por me deixar te amar”, eu vou simplesmente dizer: “Obrigado”. Apenas um grande obrigado. Eu penso, sim, na minha mortalidade. Penso na mortalidade de todos. Eu me pergunto se tenho pregado o suficiente sobre a morte. O que eu sei é que não pregamos o suficiente sobre a ressurreição do corpo. E, se há uma coisa que eu espero que os meus livros ajudem as pessoas a crescer, é na convicção e na esperança de que eu viverei para sempre na minha própria carne, sem todo o pesar.
Que conselho você daria a um leigo que quer tentar o discernimento pela primeira vez, mas não sabe como?
Sempre que eu prego um retiro, dou uma certa quantidade de instruções sobre como entender e praticar o discernimento. Quando você diz a uma pessoa aquilo que você acha que realmente afeta como você se sente e aquilo que você faz, quando você entende que você é um espírito encarnado e que todo o seu ser está envolvido nisso, você aprende a ir à oração como você realmente é. Então, se você está com dor de cabeça, diga ao Senhor que você está com dor de cabeça e peça-Lhe consolo. Eu acho que isso é o principal. Você não precisa dizer às pessoas muito mais do que isto, de que vamos à oração para louvar, reverenciar e servir a Deus, nosso Senhor, com todo o nosso ser – nossa cabeça, nosso coração e nossas mãos. Isso para sublinhar realmente os ensaios muito difíceis de João Paulo II sobre a alegria do amor, sobre a teologia do corpo, que é realmente uma parte importante do seu pensamento filosófico.
Algum pensamento final?
Hoje, há uma ala dentro da Igreja que nós, jesuítas, precisamos ir ao encontro e tomar consciência primeiro. Essa ala é de católicos maduros que praticam a sua fé tão bem quanto podem, talvez não todos os domingos, mas tão bem quanto podem, e se sentam no meio da igreja, imaginando o que isso lhes dá. O que estamos oferecendo a eles? A resposta é: não muito. A razão mais comum pela qual as pessoas abandonam a Igreja romana é que elas não estão encontrando a ajuda espiritual de que precisam. Nós temos que levar isso para elas. Levar os Exercícios Espirituais, levar o discernimento, levar Jesus para elas é o que elas precisam agora. Foi isso que me motivou nos últimos 20 anos da minha vida: católicos maduros, cristãos maduros que estão sedentos. E a Igreja não está lhes dando nada para beber.
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''Católicos maduros estão sedentos por ajuda espiritual.'' Entrevista com Joseph A. Tetlow - Instituto Humanitas Unisinos - IHU