15 Janeiro 2019
As rotas de próximas viagens da agenda do Papa Francisco são fatalmente destinadas a atravessar a tempestade que sacode as Igrejas ortodoxas de matriz bizantina. Uma tempestade até agora concentrada na Ucrânia, mas que em breve poderá se expandir sugando em seu vórtice outras lacerações - latentes ou explícitas - que já marcam o corpo de toda a ortodoxia.
A reportagem é de Domenico Agasso Jr., publicada por Vatican Insider, 12-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ontem foi oficialmente anunciada a visita do Papa Francisco à Romênia (31 de maio a 2 de junho). Mas, primeiro, no mesmo mês tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora (5-6 de maio), o Bispo de Roma fará uma viagem relâmpago à Bulgária e à Macedônia, cruzando uma das linhas de fratura onde desembocam com maior veemência as tensões intraortodoxas. Ao longo da história, as comunidades ortodoxas dos atuais territórios macedônios têm estado sob a jurisdição da igreja búlgara e depois daquela dirigida pelo Patriarcado ecumênico, para depois passar – a partir das primeiras décadas do século XX, sob a direção da Igreja Ortodoxa Sérvia. Em 1967, os metropolitas macedônios decidiram separar-se do Patriarcado sérvio e proclamar a própria autocefalia (independência). Desde então, e até agora, nenhuma outra Igreja Ortodoxa reconheceu a legitimidade canônica da cismática Igreja Ortodoxa macedônia. Nos últimos anos, os hierarcas ortodoxos macedônios tentaram procurar renovar a comunhão, pelo menos com a Igreja búlgara, declarando-se dispostos a reconhecê-la como sua "Igreja mãe". Até que, no final de maio de 2018, enquanto já tinha começado a controvérsia entre Constantinopla e Moscou em torno do projeto de autocefalia da ortodoxia ucraniana, o próprio Patriarcado Ecumênico de Constantinopla anunciou que também iria assumir a responsabilidade da "questão da Macedônia" (depois de ter recebido também uma carta na qual até o primeiro-ministro da Macedônia, Zoran Zaev, declarava apoiar o pedido de autocefalia dos eclesiásticos de seu país).
Agora que todos os membros do Sínodo do Patriarcado de Constantinopla assinaram o Decreto de concessão da autocefalia à nova Igreja Ortodoxa Ucraniana independente do Patriarcado de Moscou, expoentes da Igreja Ortodoxa Sérvia especulam (e temem) que o mesmo esquema possa se repetir na Macedônia, com o patriarca ecumênico disponível para relegitimar canonicamente os ortodoxos macedônios "cismáticos" e conceder-lhes plena independência do Patriarcado Sérvio. Talvez seja por isso que o Patriarca Ortodoxo sérvio Irinej tem sido até agora um dos primazes ortodoxos mais decididos em truncar a concessão de autocefalia à Igreja Ortodoxa Ucraniana, chamando em causa em sua mensagem de Natal "chauvinistas irritados, russófobos liderado por políticos corruptos" que "com o apoio dos uniatas e, infelizmente, também com a participação não-canônica do Patriarcado de Constantinopla aprofundaram e ampliaram as divergências existentes e danificaram profundamente a unidade de toda a Ortodoxia."
Em relação ao novo intervencionismo do Patriarcado Ecumênico nas situações controversas que alimentam conflitos e cortam da comunhão ortodoxa grupos consistentes de fiéis - como ocorreu durante décadas nos casos mencionados da Ucrânia e da Macedônia -, vários analistas têm chamado a atenção para uma passagem do Tomos para a autocefalia ucraniana, que parece reconhecer à Sede de Constantinopla robustas prerrogativas de orientação e orientação para as Igrejas Ortodoxas individuais. "No caso de grandes questões de natureza eclesiástica, doutrinal e canônica", diz o decreto que concede autocefalia à Igreja Ortodoxa Ucraniana, "o Metropolita de Kiev e de toda a Ucrânia deve, em nome do Santo Sínodo da Igreja, se reportar ao nosso santíssimo trono patriarcal e ecumênico, buscando sua opinião prestigiosa e seu apoio final ".
Após a entrega do Tomos de autocefalia à Igreja Ortodoxa Ucraniana por parte do Patriarcado Ecumênico, um apoio explícito ao nascimento da nova Igreja Ucraniana foi expresso pelo secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo, que em um comunicado datado de 11 janeiro o descreveu como "um resultado histórico para a Ucrânia empenhada em moldar seu próprio futuro". Inclusive o Arcebispo Maior Sviatoslav Shevchuk, Primaz da Igreja greco-católica ucraniana, saudou com grande confiança o nascimento da Igreja Ortodoxa Ucraniana Autocéfala, valorizando-o como um passo positivo para a restauração da plena comunhão entre todas as Igrejas ucranianas: "Hoje - disse em uma entrevista - manifesto o líder dos greco-católicos ucranianos - todos os esforços devem ser feitos não só para superar a divisão dentro da Ortodoxia ucraniana, mas também para fazer teologia a sério, orar e trabalhar para restaurar a unidade originária da Igreja de Kiev em seus ramos ortodoxo e católico. E é precisamente a Igreja greco-católica ucraniana que traz a mística memória eclesial do cristianismo indiviso do primeiro milênio. Hoje, mesmo que vivamos em plena comunhão com o Sucessor do Apóstolo Pedro, consideramos como nossa Igreja mãe a Igreja da antiga Constantinopla".
Em vez disso as outras Igrejas ortodoxas, exceto o Patriarcado de Moscou, ainda não manifestaram sobre a autocefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana reações oficiais legitimadas pelo pronunciamento dos respectivos sínodos. Algumas Igrejas ortodoxas, como a da Grécia, anunciaram que a questão será abordada nas próximas reuniões sinodais de seus bispos. Enquanto alguns primazes já expressaram contrariedade pelas modalidades pelas quais a autocefalia foi concedida e alarme por suas potenciais consequências. Yohanna X, patriarca da Igreja greco-ortodoxa da Antioquia, escreveu em 31 de dezembro uma carta dirigida a Bartolomeu, na qual convidava o patriarca ecumênico a "não tomar qualquer decisão que não expresse o consenso das Igrejas ortodoxas autocéfalas", recordando que "não é razoável pôr fim a um cisma às custas da unidade do mundo ortodoxo".
Após a entrega do Tomos de autocefalia ao Metropolita ucraniano Epiphany, os esforços de persuasão das partes envolvidas também se concentraram no Patriarcado de Jerusalém: alguns bispos da nova Igreja autocéfala ucraniana anunciaram a intensão de visitar a Terra Santa, na esperança de concelebrar com o Patriarca greco-ortodoxo Theophilos e com outros bispos do Patriarcado de Jerusalém, inclusive para atestar desta forma a própria legitimidade canônica. Nem mesmo o Santo Sínodo do Patriarcado de Jerusalém divulgou até agora declarações públicas sobre os desenvolvimentos finais da crise ucraniana. Mas anteriormente, justamente o Patriarca Theophilos sempre havia indicado como o único Primaz ucraniano legítimo o metropolita Onufry, chefe da Igreja Ortodoxa Ucraniana vinculada canonicamente ao Patriarcado de Moscou, que permaneceu de fora - com seus cerca de noventa bispos - do "Conselho de Unificação" que em 15 de dezembro elegeu o Metropolita Epiphany como primaz da "nova" Igreja ucraniana autocéfala. Nos últimos dias, o próprio Theophilos se encontrou novamente com o Metropolita Hilarion de Volokolamsk, chefe do Departamento de Relações exteriores do Patriarcado de Moscou, em visita à Cidade Santa.
Preparando-se para viajar entre Bulgária, Macedônia e Romênia, o Bispo de Roma não parece temer o risco de ficar enredado nos conflitos que laceram os ortodoxos. A indicação papal que as Igrejas católicas não devem se "imiscuir" nos "assuntos internos" da Ortodoxia - reiterada pelo próprio Papa Francisco em 30 de maio último, durante um encontro com uma delegação do Patriarcado de Moscou - ajudou a criar uma situação paradoxal: todos os líderes ortodoxos, enquanto se dividem entre si, olham com afeto de irmãos o bispo de Roma. Confiam nele. Contam com sua proximidade. A Igreja de Roma, neste momento difícil, oferece na caridade o seu serviço à unidade mesmo em benefício de todas as Igrejas do Oriente. E faz isso sem escolher um lado ou o outro, sem jogar à margem com as dificuldades alheias para reafirmar preeminências, e sem reivindicar papéis de "árbitro" dos conflitos eclesiais.
Através desses caminhos inéditos, pode ser mantido com esperança o desejo de retornar à plena comunhão sacramental entre católicos e ortodoxos. Mesmo em um momento em que os caminhos já testados do diálogo ecumênico são objetivamente inviabilizados pelas divisões internas da Ortodoxia. E as sofridas lacerações ortodoxas correm o risco de tornar abstratos e idealistas até mesmo alguns apelos para aplicar sistemas de organização "sinodal" da práxis eclesial.
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O Papa e os ‘espinhos’ ortodoxos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU