19 Dezembro 2018
Talvez seja o momento de se promover um amplo debate sobre a conveniência de se abrir novas frentes de exploração de nióbio, bem como entender as implicações de se desmantelar os marcos regulatórios que asseguram o direito dos povos originais do Brasil permanecerem em áreas que despertam há muito tempo a cobiça de grandes empresas mineradoras, escreve André Trigueiro, jornalista e ativista ambiental, em artigo publicado por G1, 18-12-2018.
O deslumbramento do presidente eleito com o nióbio vem de longe e já justificou até a produção de um vídeo disponível no YouTube. “Isso pode nos dar independência econômica”, afirmou Jair Bolsonaro há dois anos, segurando na mão um pedaço do minério quando ainda era deputado federal pelo PSC e já vislumbrava a disputa pela presidência. O vídeo também mostra uma visita que fez a maior jazida de nióbio do mundo, na cidade mineira de Araxá, controlada pela CBMM.
O nióbio tem múltiplos usos e um dos mais importantes é o aço utilizado na construção civil. Basta adicionar 300 gramas de nióbio por cada tonelada de aço para que o produto ganhe mais valor de mercado pela maior robustez e consistência. Usa-se nióbio também na fabricação de baterias elétricas, lentes óticas, superligas utilizadas nas partes quentes de turbinas de aeronaves, dutos, satélites, chassis de carros etc.
“Fala-se muito em Vale do Silício no mundo, né? No caso, fica nos Estados Unidos. E eu sonho, quem sabe um dia, termos também o Vale do Nióbio”, disse Bolsonaro, sem disfarçar o entusiasmo com a ideia de aumentar a exploração do minério em nosso país. Mas esse deslumbramento com o nióbio está longe de ser um consenso.
A CBMM explora há mais de 50 anos a jazida que abastece hoje aproximadamente 75% do mercado mundial, com produção de 70 mil toneladas/ano. Em segundo lugar (com 10% do mercado) vem uma empresa chinesa que explora uma mina na cidade de Catalão (GO) e em terceiro, um empresa canadense que retira nióbio de uma jazida naquele país.
Quando estive em Araxá fiz uma ampla pesquisa sobre o assunto e chequei novamente os dados que vou compartilhar agora. As jazidas de nióbio em exploração hoje no mundo atendem perfeitamente à demanda do mercado (80 mil toneladas por ano) a um preço médio de U$ 40 o quilo. Estimando-se um crescimento econômico mundial de 4% ao ano, essas jazidas atenderiam normalmente ao mercado por mais 400 anos. Apesar dessa tranquilidade na relação entre oferta e procura, já existem pelo menos oito outras jazidas espalhadas pelo planeta em vias de serem exploradas, o que poderia determinar uma eventual queda no preço.
A controversa proposta de anular a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para a exploração de vários minérios (assunto que voltaremos a abordar neste blog oportunamente) não deveria incluir o nióbio como pretexto. Em sendo verdade que Roraima abriga a maior mina de nióbio do mundo, também é verdade que a falta de infraestrutura na região - entre outros numerosos problemas - encareceria bastante a exploração do minério. E num mundo saciado de nióbio, qual a vantagem?
Terra Indígena Raposa Serra do Sol é uma das que ficam na fronteira do Brasil com a Venezuela | Foto: Funai
Talvez seja o momento de se promover um amplo debate sobre a conveniência de se abrir novas frentes de exploração de nióbio, bem como entender as implicações de se desmantelar os marcos regulatórios que asseguram o direito dos povos originais do Brasil permanecerem em áreas que despertam há muito tempo a cobiça de grandes empresas mineradoras.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O mito do nióbio e a polêmica da Raposa Serra do Sol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU