20 Novembro 2018
De acordo com o irmão Guy Consolmagno, o astrônomo jesuíta que é diretor do observatório do Vaticano, o interesse global no espaço tem aumentado astronomicamente, desde a mineração de asteroides até a militarização da área e o desenvolvimento de inteligência artificial para a pesquisa.
A reportagem é de Elise Harris, publicada por Crux, 15-11-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Com a corrida espacial internacional, há a necessidade de estabelecer parâmetros de conduta mais claros, fazendo do espaço "a próxima fronteira da lei", observou Consolmagno.
Ele observa que 2017 marcou o 50º aniversário do Tratado do Espaço Sideral das Nações Unidas, publicado em 1967, para reger as atividades dos Estados no espaço, incluindo a lua e outros "corpos celestes". Após o Tratado, houve uma grande discussão sobre a "utilização pacífica do espaço".
Na época, os Estados Unidos e a União Soviética eram os únicos países no espaço, mas hoje há cerca de 20 nações que se lançaram ou poderiam se lançar ao espaço e 90 com algum tipo de programa espacial.
Uma área que teve grande crescimento é a produção de microssatélites, que ficaram mais baratos e mais rápidos para construir, ou seja, muitos mais países possuem satélites hoje.
"A exploração do espaço virou um grande negócio. E isso inclui entidades comerciais", afirmou. Referindo-se ao Tratado, Consolmagno disse que é importante haver leis de uso pacífico do espaço para garantir que um país não atrapalhe a exploração do outro.
"Se um satélite cruzar a órbita do outro ou deixar detritos que possam causar danos, ninguém sai ganhando". Acrescentou, ainda, que outro motivo para haver uma lei espacial é a proteção de dados e de recursos, para que os investimentos possam gerar retorno para quem investiu.
No entanto, o desafio de criar uma lei envolve garantir que todos, inclusive empresas, estejam convictos de que é do interesse de todos criá-las e segui-las, "caso contrário será impossível que sejam cumpridas".
Em junho, Consolmagno representou o Vaticano em Viena numa reunião sobre a questão espacial, reafirmando os usos pacíficos e o direito de cada nação em relação a fronteiras espaciais, porque "qualquer guerra que aconteça no espaço influencia todos nós".
Embora a declaração parecesse muito simples para a maioria, uma semana antes da reunião em Viena, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou planos de criar um “exército espacial” como o sexto ramo das forças armadas americanas, dizendo que a decisão não se tratava apenas da presença dos EUA no espaço, mas também era uma tentativa de gerar "postos de trabalho e estimular a economia".
"Desta vez vamos além de colocar nossa bandeira e deixar nossa pegada. Vamos criar uma presença a longo prazo, expandir nossa economia e construir as bases para uma missão em Marte, que vai acontecer muito em breve", disse Trump, encarregando o Departamento da Defesa e o Pentágono da formação do novo ramo militar.
Em seus comentários ao Crux, Consolmagno disse que o anúncio demonstrava a necessidade de o Vaticano se pronunciar em favor da paz, até mesmo no espaço. Para ele, o melhor que a Santa Sé pode fazer neste caso é ficar "de fora e não se comprometer”, lembrando a todos dos benefícios universais de seguir certas diretrizes de conduta.
Contrariando o desejo de alguns, Consolmagno releva que a missão a Marte "não acontecerá em breve".
"As pessoas não têm ideia das enormes dificuldades de ir a Marte em comparação à lua. É possível chegar à lua em alguns dias, ir a Marte leva seis meses. Esse é o primeiro problema", observou.
Além disso, a lua também está envolta pela proteção do campo magnético da Terra que a protege da radiação dos raios cósmicos do sol, mas em Marte isso não acontece. Ou seja, com a tecnologia que temos disponível hoje, "vamos morrer no caminho em um mês. Provavelmente morreríamos em alguns dias por causa da radiação."
"Nunca vimos um rato ir a Marte e voltar em segurança. Um ser humano, dada a tecnologia que temos hoje, não consegue ir e voltar em segurança", disse, acrescentando que nem quer tentar, porque poderia contaminar o planeta e dificultar a diferenciação entre o que é nativo de lá e o que foi lançado quando o homem finalmente chegar a Marte.
"É um lugar onde deve haver vida agora, ou pode ter existido no passado. Se gastarmos bilhões de dólares no equivalente a mil vidas humanas em ciência e engenharia para procurar vida em Marte e só encontrarmos o que pode ter vindo do rato que mandamos, nunca vamos saber!"
"Uma das grandes razões para explorar outro planeta é ver as semelhanças e diferenças da Terra, e é preciso ter cuidado para não o contaminar com o que já temos.”
Consolmagno também falou sobre o crescente investimento em inteligência artificial (IA). Recentemente a NASA pediu o apoio do Canadá em um novo projeto para construir uma estação espacial internacional a mais de 1.500 km da localização atual, em partes para ser um ponto de parada no caminho para Marte e em partes para explorar minerais lunares.
No acordo, a NASA pede que o Canadá forneça a robótica de IA para o projeto, ao que o país parece estar aberto, mas ainda deve confirmar.
Em termos do impacto das tecnologias de IA no espaço, Consolmagno disse que a única opção séria atualmente é enviar um robô, e mesmo assim a tecnologia precisa ser desenvolvida, pois a comunicação com a Terra pode levar de oito a 20 minutos, dependendo da localização do ônibus espacial, ou seja, o robô teria de tomar decisões por conta própria.
Os veículos de exploração de Marte atualmente usados no espaço já têm autonomia suficiente para não cair de penhascos, mas os cientistas que os gerenciam têm reuniões diários com ele para dizer o que fazer e esperam o dia todo para ver os resultados.
"Com mais autonomia, eles podem ir mais longe e trabalhar de forma mais eficiente, permitindo que exploremos mais e mais rápido", mencionou Consolmagno, acrescentando que a evolução vai acontecer "passo a passo".
Tanto a IA como a realidade virtual (RV) fizeram com que a experiência no espaço fosse acessível a todos sem ter de sair da estratosfera. Em breve, observa, não precisarão nem sair de casa.
Essas tecnologias estão "realmente abrindo a exploração do universo, a exploração real do universo para além da leitura na National Geographic".
No entanto, em termos de quais regras devem nortear a conduta das nações que investem em projetos espaciais, Consolmagno disse que "as leis são um pouco confusas" e "boas na medida em que as pessoas concordam em obedecer".
Para quem está envolvido com o espaço, a regra por enquanto é: "se for você conseguir transportar, é seu; se não, pertence a toda a humanidade". No entanto, "isso só incentiva as pessoas a inventarem formas cada vez melhores de transportar pedaços maiores. É uma regra que vai acabar entrando em colapso”.
Consolmagno afirma que muitas empresas querem explorar o espaço para buscar recursos, e algumas já têm planos de realizar mineração em asteroides ainda na próxima década.
"Ainda não sabemos o que vão encontrar nem como vão explorar, mas já está acontecendo", disse, explicando que são empresas de grande porte, muitas em Luxemburgo.
Atualmente há uma pressão para que Luxemburgo seja o centro de recursos espaciais, por ter uma posição estratégica na União Europeia e dimensões que podem evitar os grandes problemas políticos que um país maior teria de enfrentar.
As leis espaciais atuais, que segundo Consolmagno parecem mais "acordos mútuos em que todos percebem que é preciso criar uma forma de regulamentar o que acontece", servem principalmente para garantir que ninguém pise no calo do outro e que quem investiu terá um retorno justo.
Outro elemento crucial dos acordos, disse, deve ser o reconhecimento universal de que os recursos espaciais "não pertencem a ninguém, mas o esforço de chegar a eles pertencem a esse povo".
"Ainda não se sabe como equilibrar isso, mas é algo que as pessoas vão querer fazer para ter certeza de que todos têm como proteger seu investimento."
Consolmagno disse que muitos especialistas que estão estudando que regras deveria haver no espaço também têm experiência em direito do mar, "porque a questão é muito parecida".
"As profundezas do oceano pertencem a todos, mas há alguns lá trabalhando e explorando os recursos. Eles querem ter certeza de que vão poder fazer uso desses recursos e querem se proteger contra a pirataria."
Para Consolmagno, o papel do Vaticano será não apenas garantir que quaisquer recursos sejam colocados a serviço da humanidade, mas também deverá ser o de atuar como intermediário entre as partes.
Relembrando uma reunião entre o Vaticano e o Escritório da ONU para Assuntos Espaciais, em março, na cidade do Vaticano, ele disse que a Santa Sé conseguiu sediar o encontro, reunindo cientistas e diplomatas, porque "somos neutros".
"Nós não vamos explorar o espaço, não somos grandes o suficiente para ter um programa espacial, então ao falarmos podemos criar um espaço onde todos esses atores podem se reunir em terreno neutro."
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Astrônomo do Vaticano diz que espaço é a nova fronteira terrestre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU