17 Novembro 2018
O Papa Francisco olha com apreensão para a "sua" América Latina, cuja história e alma está seriamente ameaçada por fenômenos como a "fragmentação cultural, a polarização do tecido social e o desarraigamento", onde até a própria Igreja foi "invadida pelas colonizações ideológicas". O Pontífice compartilha suas preocupações com a comunidade do Pontifício Colégio Pio Latino-Americano, que celebra o 160º aniversário de sua fundação, recebido em audiência na manhã desta quinta-feira no Vaticano.
A reportagem é de Cernuzio Salvatore, publicada por Vatican Insider, 15-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em particular, o Papa - em um longo discurso em espanhol - enfatiza como é sério que hoje "se promovam discursos que dividem e propagam diferentes tipos de confronto e ódio contra quem não faz parte do nosso grupo, também importando modelos culturais que têm pouco ou nada a ver com nossa história e identidade e que, longe de misturar novas sínteses como no passado, acabam desarraigando as nossas culturas de suas tradições mais ricas e autóctones”.
“Novas gerações desarraigadas e fragmentadas!” exclamou o Pontífice. E a Igreja latino-americana "não é estranha" a essa situação, aliás parece "exposta a tal tentação". "Mesmo na Igreja há a invasão das colonizações ideológicas", afirmou o Papa.
Corre-se, assim, "o risco de se desorientar" e ser fácil “presa de uma ou outra polarização” ou até mesmo “se desarraigar” se “a sua vocação de ser terra de encontro for esquecida”.
Tudo isso pode ser contrastado. Como? Criando "laços e alianças de amizade e fraternidade". A formação do "Pio", um dos poucos colégios romanos "cuja identidade não se refere a uma nação ou um carisma, mas que procura ser lugar de encontro, em Roma, da nossa terra latino-americana”, e visa aprofundar esse aspecto.
O instituto - do qual saíram mais de 30 cardeais e numerosos bispos (incluindo são Oscar Arnulfo Romero), como lembrou o reitor Gilberto Freire, SJ - "pode ajudar muito para criar uma comunidade sacerdotal aberta e criativa, alegre e cheia de esperança que, se consegue ajudar e socorrer a si mesma, é capaz de se radicar na vida dos outros, irmãos, filhos e filhas de uma história e um patrimônio comum, parte do mesmo presbitério e do povo latino-americano", ressaltou o Papa.
Uma comunidade sacerdotal, ou seja, que descobre que "a maior força que tem para construir a história vem da concreta solidariedade" que transcende a dimensão "simplesmente ‘paroquial’" e liderar comunidades "que saibam abrir-se aos outros para curar a esperança”.
É isso, na época moderna, uma necessidade para o continente latino-americano "marcado por velhas e novas feridas" e que "necessita de artesãos da relação e da comunhão". Desde agora, afirma o Papa, pode-se começar a desenvolver tal perspectiva: "Um padre na sua paróquia, na sua diocese, pode fazer muito - e isso é bom - mas também corre o risco de se queimar, isolar-se ou fechar-se em si mesmo. Sentindo-se parte de uma comunidade sacerdotal, em que todos são importantes - não porque são uma soma de pessoas que vivem juntos, mas pelas relações que criam - pode despertar e animar processos e dinâmicas que podem transcender o tempo”.
O mesmo "sentimento de pertencimento" também poderá ajudar a "estimular criativamente energias missionárias renovadas que promovam um humanismo evangélico capaz de se tornar a inteligência e a força motriz do nosso continente", garante Jorge Mario Bergoglio. Sem esse trabalho desenvolvido "lado a lado", pelo contrário, "nós dispersaríamos, nos enfraqueceríamos e, o que seria pior, privaríamos muitos dos nossos irmãos e irmãs da força, da luz e do conforto da amizade com Jesus Cristo."
O perigo é sério, "pouco a pouco", adverte o bispo de Roma, "quase sem perceber, vamos acabar oferecendo à América um "Deus sem Igreja, uma Igreja sem Cristo, um Cristo sem povo", ou, se quisermos dizer de outro modo, um Deus sem Cristo, um Cristo sem Igreja, uma Igreja sem povo ... “. "Puro gnosticismo reformulado", define-o o Papa, que se choca com o que é a tradição e a memória da América Latina, onde "o amor de Cristo não pode se manifestar a não ser na paixão pela vida e o destino de nossos povos e em especial na solidariedade com os pobres, os sofredores e os necessitados".
Francisco exorta, portanto, a "sermos evangelizadores com a alma e da alma" e "desenvolver o gosto de estar sempre perto da vida de nosso povo, jamais nos isolarmos deles". "A missão é uma paixão por Jesus, mas ao mesmo tempo é uma paixão pelo seu povo". “Nunca – adverte o papa – devemos nos enclausurar em redutos pessoais ou comunitários que nos mantenham longe das encruzilhadas onde a história é escrita”. Em vez disso, devemos aprender a "alegrar-nos com aqueles que são felizes, chorar com aqueles que choram e oferecer cada Eucaristia por todos os rostos que nos são confiados".
O modelo de referência é São Oscar Romero, ex-aluno do Colégio canonizado em outubro último, "um homem enraizado na Palavra de Deus e no coração do seu povo", ressaltou o Papa Francisco. Como ele, "não tenhais medo da santidade e não temais em doar a vida para o vosso povo".
Nesse caminho feito de "cruzamentos culturais e pastorais", não somos "órfãos", assegura o pontífice. Há "a Mãe que nos acompanha" e "nos salva da paralisia ou da confusão do medo". "Não a esqueçamos e, com confiança, peçamos a ela que nos mostre o caminho, para nos libertar da perversão do clericalismo, para nos tornar cada vez mais "pastores de pessoas" todos os dias, e não nos permitir que nos tornemos ‘clérigos de estado'".
Uma última palavra do Papa Bergoglio foi dirigida à Companhia de Jesus, que desde o início acompanhou a caminhada do Instituto. "Obrigado pelo seu trabalho", disse ele aos jesuítas presentes na audiência. Ele aproveitou a oportunidade para lembrar uma das características distintivas do carisma da Companhia que é aquela de "buscar harmonizar as contradições sem cair no reducionismo. Isso é o que queria Santo Inácio quando pensava nos jesuítas como homens de contemplação e de ação, homens de discernimento e de obediência".
O recado do Papa aos coirmãos é claro: "Ensinar a abraçar os problemas e os conflitos sem medo; gerir a discordância e os confrontos”, ajudar os irmãos em formação a "ser mestres de amplos horizontes e, ao mesmo tempo, ensinar a cuidar dos pequenos, abraçar os pobres, os doentes e assumir o concreto da vida cotidiana."
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O Papa: ‘A Igreja também foi invadida pela colonização ideológica’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU