01 Novembro 2018
"Sem dúvida os evangélicos se transformaram em uma força política decisiva", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 31-10-2018.
Jair Bolsonaro (63 anos) é o primeiro presidente cristão, com discurso evangélico pentecostal, a chegar ao Palácio do Planalto pelo voto popular. Os presidentes Café filho – que era Presbiteriano – e Ernesto Geisel – que era Luterano – chegaram à Presidência da República por via indireta.
No primeiro discurso que deu após ser eleito presidente do Brasil, no dia 28 de outubro de 2018, Bolsonaro citou Deus várias vezes e afirmou: “O nosso slogan eu fui buscar naquilo que muitos chamam de caixa de ferramenta para consertar o homem e a mulher, que é a Bíblia Sagrada. Fomos em João 8:32: e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Embora se declare católico, em 12 de maio de 2016, Bolsonaro se deixou batizar nas águas do rio Jordão (onde diz a Bíblia que Jesus teria sido batizado). A cerimônia de batismo foi realizada pelo Pastor Everaldo, presidente do Partido Social Cristão (PSC). O lado inquestionavelmente evangélico da família vem da primeira-dama, Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro (38 anos) – terceira esposa de Bolsonaro – que frequenta de maneira regular os templos evangélicos e é acompanhada pelo marido.
Se existe dúvida sobre a fé do novo presidente brasileiro, os resultados eleitorais não deixam dúvida de que Jair Bolsonaro foi eleito, fundamentalmente, com o voto evangélico, quando se considera a variável religião.
No segundo turno houve 104,8 milhões de votos válidos, sendo que Jair Bolsonaro obteve 57,8 milhões de votos (55,13%) e Fernando Haddad obteve 47,0 milhões (44,87%). A diferença foi de 10,76 milhões de votos.
A pesquisa Datafolha, realizada no dia 25 de outubro, indicou uma intenção de voto de 56% para Bolsonaro e de 44% para Haddad (números muito próximos do resultado efetivo). Esta pesquisa também trouxe a intenção de voto, segundo as preferências eleitorais das várias denominações religiosas. Aplicando os percentuais encontrados na pesquisa ao número de votos válidos (104,8 milhões de votos) podemos estimar o número de votantes por segmento religioso, conforme apresentado na tabela abaixo.
Na primeira coluna da tabela encontra-se o peso de cada grupo religioso estimado no perfil da amostra da pesquisa Datafolha: 56% para os católicos, 30% para os evangélicos, 7% para os sem religião, 1% para ateus e agnósticos, etc. Na segunda coluna, encontra-se o número de votantes para cada denominação religiosa (ou não religiosa) com base nas informações da coluna anterior aplicada ao montante de votos válidos. Nas colunas 3 e 4 estão os percentuais de intenção de voto, considerando a variável religião, para os dois candidatos. Nas colunas 5 e 6, estão o número de votos para cada candidato, considerando as intenções de voto da pesquisa Datafolha aplicada ao conjunto dos votos válidos.
Nota-se que Bolsonaro ganhou de pouco entre os católicos (houve praticamente um empate) e também ganhou entre os espíritas e as outras religiões (mas sem uma diferença tão significativa no montante de votos). Haddad ganhou entre as religiões Afro-brasileiras, entre as pessoas que se autodeclaram sem religião e entre os ateus e agnósticos (mas também sem uma diferença tão significativa no montante de votos). O que fez a diferença foi o peso do voto evangélico, pois a estimativa indica que Bolsonaro tem mais de 11 milhões de votos do que Haddad no eleitorado evangélico (em todas as suas múltiplas denominações).
Os números acima foram calculados a partir da intenção de voto de 56% contra 44%, porém o resultado do dia 28 de outubro, indicou 55,13% para Bolsonaro e 44,87% para Haddad. Desta forma, a tabela abaixo busca corrigir os dados da tabela anterior, a partir dos resultados obtidos no segundo turno. Nota-se que os resultados totais são muito próximos dos números finais (as discrepâncias não são significativas). Sem dúvida, a diferença positiva que Bolsonaro obteve entre o eleitorado evangélico foi suficiente para compensar as derrotas entre as religiões Afro-brasileiras, os sem religião e os ateus e agnósticos. Os 11,6 milhões de votos que Bolsonaro obteve a mais do que Haddad entre os evangélicos foi maior que a diferença total registrada entre os dois candidatos, no resultado final.
Assim, não há dúvida de que o voto evangélico foi fundamental para a eleição de Jair Bolsonaro. Mesmo sendo menos de um terço do eleitorado, as lideranças evangélicas são muito atuantes na política e estão colhendo o resultado de anos de ativismo religioso na sociedade.
Como mostraram Alves et. al. (2017), o Brasil passa por uma transição religiosa de grande proporção. Em 1950, os católicos representavam 93,5% da população e os evangélicos apenas 3,4%. Mas nas últimas sete décadas a percentagem de pessoas que se declaram católicas caiu rapidamente e chegou a 64,6% em 2010. No mesmo período os evangélicos (tradicionais e evangélicos) cresceram e atingiram 22,2% em 2010. Houve também crescimento de outras religiões (como espíritas, etc.) e do percentual de pessoas que se declaram sem religião. Portanto, a transição religiosa brasileira se caracteriza pela mudança na correlação de forças entre os dois maiores grupos (com queda dos católicos e ascensão dos evangélicos) e maior pluralidade religiosa, inclusive um aumento significativo de pessoas que se consideram sem religião.
Esta transição religiosa ocorre de maneira diferenciada entre as regiões, sendo que o Norte, o Sudeste e o Centro-Oeste são as regiões mais avançadas na mudança de correlação de forças entre católicos e evangélicos e que apresentam a maior pluralidade religiosa. O Nordeste é a região que há a maior proporção de católicos e a menor pluralidade. A região Sul está em uma situação intermediária entre o Nordeste e o Sudeste na transição. Evidentemente, estas mudanças religiosas possuem impacto sobre os resultados eleitorais.
Para testar a relação entre a transição religiosa e o voto no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, o gráfico acima apresenta a relação entre a razão de votos válidos em Bolsonaro e em Haddad (RBH) e a razão entre o número de evangélicos e o número de católicos (REC), para todas as Unidades da Federação, segundo os dados do censo demográfico de 2010 (que são os últimos dados disponibilizados pelo IBGE). Ou seja, o gráfico testa se o avanço evangélico nos Estados está correlacionado com uma maior proporção de votos em Bolsonaro e se a maior presença católica está correlacionada com maior proporção de votos em Haddad.
Como pode ser visto pela curva exponencial vermelha do gráfico, existe uma relação positiva entre o avanço da transição religiosa e o voto em Jair Bolsonaro (com R2 de 52%). Obviamente, a variável religião não é a única que explica o resultado eleitoral de 2018, mas ela teve um peso fundamental.
Nota-se, no gráfico, que os quatro Estados mais avançados na transição religiosa (Rondônia, Roraima, Acre e Rio de Janeiro) deram uma vitória estrondosa ao candidato do PSL. Já os Estados do Nordeste (que possuem a menor proporção de evangélicos) deram uma vitória significativa para o candidato do PT. O Piauí, que tem a menor REC, foi o que deu a maior proporção de voto em Haddad (menor RBH). Mas como a religião não explica tudo, o caso de Santa Catarina mostra que a segunda maior proporção de votos em Bolsonaro (alta RBH), aconteceu em uma UF com baixa presença evangélica (baixa REC).
Em síntese, o voto evangélico foi decisivo nas eleições presidenciais de 2018. Como houve empate técnico entre a população católica, a grande vitória de Bolsonaro entre os evangélicos (mais de 11 milhões de votos) foi suficiente para abrir uma vantagem de pouco menos de 11 milhões de votos no conjunto dos votos válidos do segundo turno.
O avanço dos evangélicos na sociedade é um processo conhecido. O avanço dos evangélicos na política (como na Frente Parlamentar Evangélica) também é um processo conhecido. O que talvez possa ser considerado uma surpresa foi a antecipação da chegada dos evangélicos ao Palácio do Planalto e o tamanho da vitória em 2018. Sem dúvida os evangélicos se transformaram em uma força política decisiva.
Resta saber se isto vai se transformar em um vetor de avanço do empreendedorismo e da redução da pobreza (como prega a teologia da prosperidade) ou num vetor de conservadorismo comportamental e de restrição das liberdades democráticas, como dão a entender diversos seguidores do capitão Jair Messias Bolsonaro.
O mundo gira em ciclos. O ciclo atual, pelo menos no curto e médio prazo, tende a favorecer a influência evangélica no Brasil.
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O voto evangélico garantiu a eleição de Jair Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU