12 Outubro 2018
O Papa Francisco tomou uma medida para conter a "turbulência espiritual" que ele acredita que a Igreja esteja passando. O Pontífice pediu recentemente aos católicos que orem diariamente pela proteção da Igreja contra o diabo. O homem encarregado de coordenar essa campanha global diz que existe um "combate espiritual" em andamento e que Satanás está na raiz da crise que a Igreja está passando.
O padre jesuíta Frédéric Fornos, da França, presidente da Rede Mundial de Oração do Papa, disse que o pontífice pediu aos fiéis que rezassem o rosário durante o mês de outubro porque “como todos percebem, estamos num momento de crise na Igreja, com abusos de natureza sexual, de poder e de consciência, e ainda num momento de divisão interna.”
Além da oração diária do rosário, Francisco também pediu que os fiéis acrescentassem duas orações: Uma antiga invocação mariana chamada Sub Tuum Praesidium, e uma oração a São Miguel Arcanjo “que protege e ajuda a combater o mal”, conforme o Livro do Apocalipse.
Fornos conversou com o Crux sobre a campanha e as razões por trás dela. O que segue são trechos dessa conversa. A entrevista é de Inés San Martín, publicada por National Catholic Reporter, 11-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Como foi a decisão de pedir aos fiéis de todo o mundo para rezar o rosário durante o mês de outubro, concluir com a oração mariana e a invocação de São Miguel Arcanjo?
Eu acho que existem vários elementos que levaram a esse pedido. Como todos percebem, estamos em um momento de crise na Igreja, com abusos de natureza sexual, de poder e de consciência, e ainda em um momento de divisão interna.
Muitos católicos se perguntam o que está acontecendo por causa do horror dos escândalos que parecem nunca parar, tornando-se cada vez mais profundos, pavorosos e abrangendo muitos países.
Ao mesmo tempo, vemos acusações de divisão interna. No sábado e no domingo, o Vaticano e o cardeal Marc Ouellet responderam às acusações [do arcebispo Carlo Maria Viganò]. Essas [acusações] criaram muita confusão.
Há muitos católicos que me dizem que se distanciaram da Igreja porque, segundo eles, o que estão vendo não é a Igreja. Criticam a forma como a administração do Vaticano está abordando esta situação, ou ainda fazem críticas ao Papa ou aos bispos.
Estamos passando por uma crise de confiança que claramente desacredita a missão da Igreja e sua mensagem. Ainda que a Igreja faça muitas coisas importantes e boas no mundo. Por exemplo, eu estava recentemente no norte de Kibu. Lá, vi freiras que estão em áreas muito perigosas e que todos os dias arriscam suas vidas para fornecer educação, saúde ou a ajuda para as pessoas do lugar.
Isso não é visto pelas pessoas. A única coisa que se consegue ver são os escândalos e as divisões. Outras coisas, embora muito seja feito, ficam ocultas. E embora haja milhares de mulheres e homens que dão suas vidas de maneira sagrada, tudo passa despercebido por causa da crise de abusos e outros escândalos.
Então, para enfrentar a forte crise que existe na Igreja, o Papa Francisco pediu um esforço especial de todo o povo de Deus, aproveitando que outubro é o mês do rosário, para que possamos pedir especialmente a proteção de Maria e do Arcanjo São Miguel, que é a figura protetora da Igreja.
O Papa pediu orações para que a Igreja fosse protegida do diabo, mas as coisas que você menciona parecem mais serem feitas pelo homem...
Penso que, ao pedir esta campanha de oração, o Papa Francisco nos oferece uma chave para interpretar o que está acontecendo. Claro que existem situações que são decorrentes do homem, que vêm da nossa cumplicidade com poder, vaidade, orgulho, riqueza, todas as paixões que podem ser desordenadas.
E todos os dias devemos tomar medidas para lutar contra esse mal.
Mas, ao mesmo tempo, o Papa Francisco nos diz que devemos ir mais fundo, que há uma raiz por trás da crise que não deve ser esquecida. Esta campanha nos oferece um combate espiritual contínuo: o Pontífice nos diz que devemos pedir proteção espiritual contra o diabo, aquele que divide. Diavolos significa aquele que divide. Ao nos dizer isso, o Papa está nos apontando qual é a raiz da crise.
Não é uma tentativa de justificar, ou dizer "não temos qualquer responsabilidade sobre a crise, esta é uma obra do diabo". Claro que não. Há responsabilidade da Igreja e dos membros da Igreja, dos sacerdotes e das pessoas consagradas. Mas é a maneira de Francisco de nos dizer: “não se enganem, a origem é muito mais profunda”. Há um inimigo que está lutando para impedir que a Igreja passe sua mensagem de esperança e luz ao mundo, que é o Evangelho.
Existem palavras para se referir a uma mesma realidade: o Adversário, Satanás, Pai da Mentira, o Sedutor, a Serpente. É muito difícil de identificar, mas ele claramente age no mundo e muitas vezes nos esquecemos disso. E às vezes nós damos um lugar a ele em nossos corações.
Ao nos dar essa chave de interpretação através da campanha, o Papa Francisco está nos dizendo que existe uma raiz mais profunda, que há um combate espiritual onde outro, um inimigo, está exercendo sua influência. Isto nos obriga a tomar uma posição. O Papa nos convida a discernir 'quais são as minhas cumplicidades: são elas com o poder, com o dinheiro, com a busca de honras?
Orar o rosário e as orações que o Papa pede é uma maneira de tomar uma posição nesta batalha para não sermos cúmplices desse inimigo que tenta nos arrastar para suas armadilhas, como diz Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios espirituais.
Que papel os leigos têm nessa batalha espiritual para ajudar a hierarquia e elevar toda a Igreja, assumindo a responsabilidade de ajudar a resolver a crise?
Nesta campanha, o Papa fala não apenas à hierarquia, mas a todo o povo de Deus. Na carta ao povo de Deus que ele divulgou antes de sua viagem à Irlanda, disse muito claramente que quando alguém sofre, todos sofrem. Estamos todos envolvidos, como Igreja, como comunidade. É um convite a todos, para mobilizar através da oração, e com uma oração mais profunda e intensa.
Neste sentido, é bom lembrar o capítulo V da exortação apostólica Gaudete et Exsultate, que tem como título “Combate Espiritual, Vigilância e Discernimento”. Esta carta apostólica é para todo o povo de Deus, para mostrar o caminho da santidade e o que nos impede de trilhar esse caminho.
Se formos fiéis a Jesus Cristo, cedo ou tarde haverá um combate espiritual. O inimigo deixa armadilhas porque não quer que continuemos avançando no caminho de Deus, no caminho da santidade. É por isso que este capítulo V é muito útil para todos os cristãos.
Também é muito útil para nós nesta campanha, neste tempo da Igreja, perguntar a nós mesmos: “Estou ciente desse combate espiritual? Estou atento diante desta luta? Tenho habilidade de discernir neste combate? Ou eu tenho tanta coisa na minha vida cotidiana, tantas preocupações, que não estou atento ao que está acontecendo na minha vida interior e na minha comunidade?”
É um convite para todos os fiéis despertarem para o seu próprio combate espiritual e também para o que está presente na sua comunidade. Um chamado para a vigilância. Somos todos responsáveis quando percebemos que um amigo ou uma pessoa quase nunca se junta a nós para o jantar, não sai ou não reza. Preste atenção, essa pessoa está passando por um momento difícil. Mas muitas vezes estamos trancados em nossas próprias vidas, vivendo em uma bolha, que acabamos nos esquecendo dos outros.
A comunidade da Igreja se torna quase como o uso de um recurso: vou à missa, vivo esse momento com o Senhor e com a presença de outras pessoas, mas saio como se nada ou ninguém importasse, sem interagir com os outros, sem construir um relacionamento ou uma comunidade.
Como alguém pode estar atento e não perceber que o irmão passa necessidade? Que o padre está muito cansado e ninguém o ajuda? Que nenhuma família o convidou para jantar durante meses e que ele está sozinho noite após noite? Como podemos ir à Missa sem perceber que há outro membro da paróquia que é normalmente feliz e de repente está triste ou visivelmente perturbado?
Nós também temos uma responsabilidade para com os nossos irmãos. Não podemos dizer ao Senhor como Caim: “Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?” Temos uma responsabilidade como povo de Deus. Porque há um combate espiritual que nos interessa pessoalmente e de maneira comunitária também.
Como a campanha tem sido recebida?
Disseram-nos que, em muitas paróquias, a campanha está sendo colocada em prática e tem se espalhado de maneira muito mais rápida do que imaginávamos. O fato de outubro ser o mês do rosário ajuda, assim como o fato de coincidir com o Sínodo dos Bispos sobre os Jovens: muitos jovens que estavam orando pelo sínodo aceitaram este convite de Francisco para rezar não apenas pelo Sínodo, mas para a Igreja como um todo.
As orações, no entanto, às vezes precisam de uma pequena explicação, porque algumas são orações para Maria e São Miguel Arcanjo, outras não.
A oração a São Miguel, quando sabemos o seu significado, ajuda a nos colocar no combate espiritual. Se falamos de São Miguel, significa que há combate. Você não reza a ele enquanto caminha num campo de flores.
A figura bíblica de São Miguel é muito interessante: é ele quem lidera o exército de Deus e expulsa Satanás do céu. Satanás fingiu se colocar no lugar de Deus, então orar a São Miguel é lutar contra o orgulho, que é a raiz de todos os males. É interessante que o Papa tenha nos convidados a rezar ao Arcanjo que está lutando contra todo o nosso orgulho e que é a origem da busca pelo poder.
Sabemos que uma das pragas para tudo, não apenas para o abuso sexual clerical, é o clericalismo. É uma forma de busca pelo poder. Quando entendemos mais o significado dessas orações e a oração a Maria Mãe de Deus, que nos dá sua misericórdia, entendemos o combate espiritual em que a comunidade está envolvida. Desse modo, não nos deixamos arrastar para a armadilha do inimigo e conseguimos nos posicionar neste combate.
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Coordenador da campanha de oração do Papa vê "combate espiritual" por trás da crise - Instituto Humanitas Unisinos - IHU