02 Outubro 2018
Modesto e decisivo: assim poderia ser chamado o acordo sobre a nomeação episcopal assinado em 22 de setembro em Pequim entre o subsecretário para as Relações da Santa Sé com os Estados, Mons. A. Camilleri e o vice-ministro de assuntos exteriores chinês, Wang Chao. Parecia iminente há meses. Em março passado Settimana News recordava algumas opiniões diplomáticas: "Este é um bom acordo? Eu diria que não”, “Um acordo necessário, mas não o melhor”.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada por Settimana News, 29-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não há triunfalismo. Permanecem fortes restrições à liberdade das comunidades cristãs. A verificação que será feita a cada dois anos mostra, ao mesmo tempo, grande esforço e determinação. E, no entanto, "decisivo" porque disciplina um ponto central da vida eclesial e porque é o primeiro de muitos outros passos possíveis. A importância do gesto é ressaltada pela carta que o Papa Francisco escreveu aos católicos chineses e do mundo no dia 26 de setembro.
Francesco Scisi definiu como histórico tanto para a China (na sua relação entre política e religião) como para o diálogo entre Oriente e Ocidente (para o encontro das duas principais memórias: três mil anos de Império chinês e dois mil de presença cristã).
Êxito de um longo trabalho diplomático que remonta à década de 1970, na época das primeiras aberturas políticas de Deng Xiaoping. Apesar dos obstáculos e entraves (as ordenações episcopais ilegítimas em 1981, a decisão restritiva do Congresso do Partido em 1982, o chamado Documento 19, a consagração de bispos não reconhecidos em 2000 e novamente em 2010, as milhares de dificuldades administrativas e as perseguições das comunidades ilegítimas) os pequenos passos continuaram: foram reabertos alguns seminários na década de 1980, em 1981 João Paulo II saudou a China de Manila, se multiplicaram os contatos de padres e bispos ocidentais com aqueles chineses, muitos bispos 'patrióticos' pediram a Roma o reconhecimento do seu serviço, o concerto em Roma, em 2008, da orquestra Filarmônica de Pequim, até a entrevista do Papa no Ásia Times em fevereiro de 2016. Em maio de 2007, o Papa Bento havia escrito uma importante carta para os católicos da China, fechando a época dos "catacumbas", convidando à unidade das comunidades e ao diálogo com as autoridades.
O texto do acordo não é conhecido, mas as notícias que apareceram nos meses e anos precedentes nos permitem intuir algumas conclusões. Poderia ser elaborada uma lista tríplice de candidatos por parte dos bispos e das comunidades locais, onde a presença da Associação Patriótica é muito forte, embora não em todos os lugares e, em qualquer caso, não isenta de condicionamentos reais por parte das comunidades cristãs, mesmo "ilegais". O peso da política é bastante evidente. No entanto, a voz final é do papa que, em caso de inadmissibilidade dos nomes, pode solicitar uma nova lista.
Em todo o corpo episcopal (uma centena, divididos ao meio entre "ilegais" e "patrióticos") o acordo provisório significa o reconhecimento estatal de todos os “clandestinos '' e o reconhecimento papal dos sete bispos que ainda não estão em comunhão com Roma. Entre estes também alguns que encontram até agora uma forte resistência no Vaticano por razões muito sérias. Dois bispos clandestinos deixariam lugar a dois "patrióticos", mesmo permanecendo bispos para encargos importantes na diocese. Foi decidido formar uma nova diocese, Chengde, pelo Mons. Guo Jincai.
O dado clamoroso é a unidade do episcopado, embora marcado por infinitas feridas. Não acontecia desde 1957, ano das primeiras ordenações ilegítimas. Ainda mais relevante quando se olha para o futuro. São quarenta dioceses ainda sem titulares e todas as eventuais nomeações não compartilhadas realmente marcariam um cisma real, até agora evitado pelo testemunho heroico dos "clandestinos", mas também por uma disponibilidade de quase todos os bispos "patrióticos".
No horizonte há também o redesenho das dioceses, a renovação das instituições de formação, tanto para os seminaristas como para os laicos, um quadro de maior reconhecimento pela vida religiosa de homens e mulheres, tanto em sua forma monástica como ativa. Tarefas complexas que deverão ser conquistadas centímetro por centímetro, para um espaço de liberdade que, espera-se, torne-se cada vez maior. Por isso era urgente chegar a um primeiro e provisório acordo.
Além da unidade do episcopado, o segundo grande resultado é a aceitação pelo poder chinês da "interferência" da Santa Sé. Isso nunca aconteceu. O governo de Pequim controla as cinco religiões reconhecidas (budismo, taoísmo, islamismo, protestantismo, catolicismo) através das associações patrióticas (com a tripla autonomia: autogoverno, automanutenção e autodifusão). Todas são de fato igrejas e religiões nacionais, mas não é assim para o catolicismo. Ele encontra no acordo uma primeira e clara singularidade. Se a isso for adicionado o fundo histórico, o encontros entre as mais antigas linhagens de memória ocidental (Roma) e oriental (Pequim), podem ser entendidas algumas das avaliações mais entusiastas.
Certamente não faltam críticas. Uma parte dos "clandestinos" não pode esquecer os sofrimentos sofridos e o límpido testemunho oferecido. Uma parte dos "patrióticos" e da Associação dificilmente tolerará o peso reconhecido a Roma. Fora da China, é conhecida a oposição do card. G. Zen, ex-bispo de Hong Kong, de acordo com algumas fontes de informação (como Asia News) e uma parte significativa da direita católica norte-americana. A crítica ao regime comunista e a exigência de liberdade plena seriam compartilháveis, se não implodissem na imediata indicação a mártir para os católicos na China e na falta de percepção do perigo cismático da dupla hierarquia.
O acordo assinado não tem valor político, nem de reconhecimento diplomático, nem de interesse de poder. É um gesto de governança pastoral, tendo em vista o futuro da comunidade católica chinesa. Nas palavras do papa Francisco: "Justamente com o intuito de apoiar e promover o anúncio do Evangelho na China, e de reconstruir a plena e visível unidade da Igreja, era fundamental enfrentar em primeiro lugar a questão das nomeações episcopais." O fenômeno da clandestinidade, embora nobre, "não se enquadra na normalidade da vida da Igreja". "Diante do Senhor e com serenidade de juízo, em continuidade com a orientação dos meus predecessores imediatos, decidi conceder a reconciliação aos restantes sete bispos "oficiais" ordenados sem mandato pontifício e, depois de ter removido quaisquer sanções canônicas relativas, readmiti-los em plena comunhão eclesial”. "Neste espírito e com as decisões tomadas, podemos dar início a um percurso inédito, que esperamos venha a ajudar a sanar as feridas do passado, a restabelecer a plena comunhão entre todos os católicos chineses e abrir uma fase de mais fraterna colaboração."
A explícita assunção da responsabilidade do papa irá impedir a proliferação de "explicações" e "interpretações" que ocorreram na sequência da carta de Bento XVI. Na entrevista ao retorno da viagem aos países bálticos, em 26 de setembro, o papa de forma não habitual citou e elogiou os protagonistas do longo e ainda não acabado caminho.
"Este é um processo de anos, um diálogo entre a Comissão do Vaticano e a Comissão chinesa, para acertar a nomeação dos bispos. A equipe do Vaticano trabalhou muito. Eu gostaria de citar alguns nomes: Mons. Celli, que com paciência foi, dialogou e retornou... anos, anos! Depois, Mons. Rota Graziosi, um humilde curial de 72 anos de idade que gostaria de ser um padre na paróquia, mas permaneceu na cúria para ajudar nesse processo. E, em seguida, o secretário de Estado, o cardeal Parolin, que é um homem muito devoto, mas que tem uma devoção especial para o detalhe: ele estuda todos os documentos: pontos, vírgulas, acentos ... e isso me dá uma grande segurança. E essa equipe, com essas qualidades, continuou à frente", de acordo com "os tempos de Deus, que se assemelham ao tempo chinês: lentamente".
Muitas vezes, os adversários do diálogo com o governo chinês, em consonância com o lado mais desinformado dos episcopais do Leste Europeu, acusaram os protagonistas de querer estender para a China a escolha, que consideram prejudicial, da Ostpolitik do Vaticano dos anos 1960 -1980. Ignorando que, justamente aquela escolha, tinha ampliado o horizonte do processo de Helsinque, preparando as premissas para uma mudança de regimes sem as previsíveis e gravíssimas violências.
Mas para a China é simplesmente inaplicável. Porque no império do Oriente não existe um consenso popular amplo (os católicos são 15 milhões em um bilhão e 400 milhões de habitantes), ou um profundo enraizamento histórico (exceto a presença nestoriana dos primeiros séculos, e a evangelização de Matteo Ricci, tudo se concentra após o século XIX). Não há nem mesmo o compartilhamento cultural do valor dos direitos humanos, sejam individuais como coletivos. Não há apoio das "potências ocidentais" e suas contribuições econômicas.
É outra história. O poder fraco e simbólico da Igreja encontrou certa audiência em um dos "poderes fortes" que se candidatam à hegemonia mundial. É o milagre do Evangelho, que se espera frutífero.
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China e o futuro catolicismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU