28 Setembro 2018
"Dizer "não", em minha opinião, é quase como pressionar o botão de "pausa": o nosso “piloto automático” para e nos oferece a oportunidade de entrar em contato com o momento presente. Ao nos sintonizarmos com nossos pensamentos, sentimentos e emoções, conseguimos reconhecer o que está acontecendo conosco e, portanto, adquirimos a livre faculdade de escolher o modo de agir"
O artigo é de Asha Phillips, autora do livro Dizer Não - Impor Limites é Importante Para Você e seu Filho (editora Campus, 8ª edição, ano 2000), publicado por La Stampa, 26-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 1999 escrevi um livro intitulado Dizer Não - Impor Limites é Importante para Você e seu Filho, a propósito da importância de dizer não no contexto familiar e principalmente em relação às crianças. Desde então, percebi que minha interpretação do que esse tipo de negação significa também é válida para as relações entre adultos e, mais importante, com o nosso eu. Muitas vezes, tendemos a operar de acordo com automatismos arriscados, irrefletidos, tanto nos comportamentos como nos sentimentos e, em particular, na atitude em relação a nós mesmos.
A ideia de dizer "não" é geralmente associada ao egoísmo, a alguma barreira contra a conexão, à força. Para mim, em vez disso, representa dar-se um tempo, não prosseguir de maneira mecânica, por hábito ou sob a pressão do nosso mundo interior e exterior. Quando dizemos não às reações imediatas criamos um espaço em que nos conectamos com o momento presente, para reconhecer o que está acontecendo e operar uma escolha sobre como nos comportarmos: esse processo faz com que seja possível estabelecer um contato e um envolvimento autêntico com nós mesmos e com os outros.
A modalidade de conduta no "piloto automático", sem dúvida, pode ser muito cômoda, ajudando-nos a gerenciar compromissos comuns e cotidianos, a ser rápidos e eficientes, mas comporta várias desvantagens, no caso de ser a única maneira do nosso modo de agir. Talvez nós ligamos o computador para escrever um e-mail ou trabalhar e, sem perceber, eis que atualizamos nosso status no Facebook e meia hora voou sem ter feito nada do que nos havíamos proposto. O mesmo acontece com os hábitos mentais: é apenas por um hábito pessoal que insistimos em enveredar pelas mesmas estradas já batidas, embora tenham se provado inúteis: giramos em círculo, sem chegar a lugar nenhum. Quando a mente opera de acordo com formas habituais é bastante provável que funcione de forma repetitiva, circular, ruminando, o que evidentemente tem um impacto sobre a nossa experiência emocional, muitas vezes causando raiva e autocrítica.
Existem duas formas de sofrimento às quais geralmente nos referimos. A primeira resulta daqueles eventos que inevitavelmente a vida coloca em nosso caminho: feridas, recusas, traições, decepções, infortúnios, doença, perdas, separações ... a lista é interminável. Esta é a primeira flecha, aquela da dor, em relação à qual não podemos fazer nada. É importante ressaltar que muitas vezes é acompanhada por um desconforto tanto físico como psicológico: dor de cabeça, ombros rígidos, sensações de náuseas, apertos na zona do peito ou do coração, uma sensação de peso no corpo inteiro, etc. A segunda forma de sofrimento, por outro lado, depende de como reagimos àquela primeira dor: culpamos a nós mesmos ou aos outros? Sentimos raiva ou autocomiseração? Nós nos perguntamos "por que eu"? Pode acontecer que entremos em um círculo vicioso, às vezes sem controle, em uma espiral de autocrítica e recriminação em relação aos outros, ou de embarcar em atividades que entorpecem ou anestesiam a dor. Os pensamentos giram em torno da ideia de culpa ou de como as coisas deveriam ou poderiam ser diferentes, e é muito fácil afundar nos meandros mais desgastados da nossa mente. Esta é a flecha autoinfligida do sofrimento.
Nesta situação corremos o risco de perder a consciência do momento, bem como a liberdade de escolher qual ação, se necessário, é melhor tomar: o primeiro passo para recuperar tal liberdade consiste simplesmente em reconhecer a realidade da nossa condição, sem cair imediatamente na automática tendência de querer julgar ou consertar as coisas, ou desejar que sejam diferentes daquilo que são.
Dizer "não", em minha opinião, é quase como pressionar o botão de "pausa": o nosso “piloto automático” para e nos oferece a oportunidade de entrar em contato com o momento presente. Ao nos sintonizarmos com nossos pensamentos, sentimentos e emoções, conseguimos reconhecer o que está acontecendo conosco e, portanto, adquirimos a livre faculdade de escolher o modo de agir.
Na cultura atual coloca-se grande ênfase no “fazer” e muito pouca no “ser”: meus estudos, e agora a minha prática de ensino da conscientização, levaram-me a apreciar a importância da experiência do "aqui e agora", comparado a sempre se deixar guiar por eventos passados ou por algum futuro ideal. Isso significa muitas vezes dizer "não" à da sociedade para agir de forma consoante, à opinião comum segundo a qual somos julgados em base aos nossos resultados concretos (dinheiro, status, propriedades, etc.) e o sucesso consiste no que fazemos ao invés do tipo de ser humano que somos. No entanto, somos seres humanos, não agentes humanos.
A minha convicção é que quando estamos mais em sintonia com a experiência do presente, quando dizemos não ao ir para frente de modo irrefletido, ao satisfazer as expectativas perfeccionistas, tanto nossas como dos outros sobre quem deveríamos ser, estamos realizando um ato de gentileza, de generosidade, em relação a todos, incluindo nós mesmos: para nos relacionar e entrar em conexão com os outros, precisamos ser nós mesmos. Somente quando estamos em harmonia com o nosso eu podemos reconhecer a humanidade que nos une, compreender que fundamentalmente todo ser humano quer ser protegido, amado, saudável e feliz. Somente se formos verdadeiramente nós mesmos poderemos autenticamente nos relacionar com os outros. Em tudo isso, dizer não é uma maneira de encontrar novas soluções, é a força necessária para a mudança.
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A importância de dizer ‘não’ para desligar o piloto automático e dar espaço à vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU