15 Agosto 2018
A Leadership Conference of Women Religious (Conferência de Liderança das Mulheres Religiosas, em tradução livre), que encerrou sua assembleia em 10 de agosto, explorou a diversidade dentro da imagem de Deus e lições para a vida religiosa. As irmãs que participaram do evento protestaram e testemunharam contra o racismo sistêmico, além de homenagearem a primeira negra ganhadora do Outstanding Leadership Award (Prêmio de Liderança Extraordinária, em tradução livre) da LCWR.
A reportagem é de Soli Salgado, publicada por National Catholic Reporter, 14-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O maior grupo de líderes de congregações de mulheres religiosas dos EUA, representando cerca de 80% das 48.500 irmãs no país, continuou seu tema "Being the Presence of Love: The Power of Communion" (Sendo a Presença do Amor: O Poder da Comunhão, em tradução livre), através de palestras e reflexões, focando a força dos relacionamentos e da vida religiosa, mesmo quando profundas mudanças estão ocorrendo dentro de muitas comunidades.
O irmão beneditino belga Simón Pedro Arnold, último orador e professor de teologia que viveu no Peru por 40 anos, misturou a teologia cristã com a espiritualidade andina, apresentando às irmãs líderes o conceito de ayni, reciprocidade, particularmente na Trindade.
"Nos Andes, a experiência individual não existe", disse ele. Deus é visto "como uma espécie de presença cósmica em evolução dinâmica", um conceito que influencia sua abordagem da fé trinitária.
"Nossa missão agora é ser um laboratório do reino de Deus."
Arnold encorajou uma "perspectiva feminina" para a compreensão da Trindade, que enfatiza um Deus vulnerável, em vez de um Deus distante "a quem queremos conquistar com nossos méritos e nossos apelos". A fé trinitária propõe uma visão de Deus "como pura relação recíproca" - ayni.
A unidade do Deus trino está na solidariedade entre as pessoas, disse ele. E aí está a lição para a humanidade: se afastar da autossuficiência e se aproximar dos relacionamentos.
Ele desafiou aquelas na liderança a se concentrarem na crescente fragilidade das instituições, das pessoas e das comunidades que estão "moribundas", perguntando: "Isso seria uma atitude própria do Evangelho?”.
"Hoje estamos mais vulneráveis do que nunca ao mesmo tempo em que sentimos uma vitalidade surpreendente nessa concepção 'diferente' do Deus trino, que está além de nossas possibilidades mentais", disse ele. "O ministério da liderança é acreditar, confiar e permitir a providencial e surpreendente fecundidade da fragilidade; não resistir a ela", disse ele.
Refletindo sobre o desafio de Arnold de ver a fragilidade sob uma nova luz, uma irmã compartilhou uma experiência de sua congregação chegando próximo ao fim com somente 24 irmãs permanecendo em sua congregação internacional, um terço delas na casa dos 90 anos.
"Só agora percebemos o que o encerramento significa para nós", disse ela, participando de um dos painéis que refletiam sobre as principais palestras. "Eu estava pensando em como é difícil estar naquele espaço vulnerável e o sofrimento que vejo em minhas irmãs é a resistência a essa vulnerabilidade".
"Como líder, pergunto: como entro em contato com minha vulnerabilidade nesse caso?" disse ela. "Eu sempre fui tomada pelo pensamento de que um desabafo não pode ser feito parcialmente... Eu sinto que o convite para mim agora é para aprender a desabafar, não a me conter, e confiar".
Dentro da espiritualidade andina, disse Arnold, os votos são um compromisso com a harmonia em todo o universo: "Nossa vida religiosa está encarnada nesta mutualidade no coração do mundo, cuidando e restaurando a harmonia universal através da sinfonia de nossas diferenças".
Outra irmã do painel disse que ficou emocionada ao ouvir de Arnold que "encontramos Deus nas diferenças, no espaço entre nós que é diferente".
"Que mundo excepcional seria se realmente acreditássemos que Deus estava nessas diferenças", disse ela. "Como líderes, estamos em uma posição difícil, porque não podemos simplesmente levantar nossas mãos e dizer: 'Deixe a Providência cuidar de tudo'... Temos algumas escolhas difíceis a fazer, mas em combinação com essa crença no valor da vulnerabilidade e de nossas diferenças".
Na vida comunitária hoje, disse uma irmã do painel, há uma percepção de que "não se trata de números, mas de diferenças. Como podem essas diferenças nos ajudar a entender uns aos outros, a confiar uns nos outros e a crescer?”.
Antecipando a ação da justiça, ela desafiou suas colegas líderes: "É sobre o outro, ou sobre nós?... Estamos preocupados agora com nossa vulnerabilidade e nossa fragilidade que fazemos o que acreditamos ser a coisa certa a fazer?”.
Seguindo a palestra de Arnold e o painel, o grupo se comprometeu novamente com sua resolução de 2016 que reconheceu "o racismo como uma causa sistêmica e estrutural subjacente e que contribui para as múltiplas situações de injustiça identificadas na convocação da LCWR".
Depois de reafirmar seu compromisso com a resolução, as irmãs líderes testemunharam publicamente contra os males do racismo sistêmico, bem como sua cumplicidade histórica, marchando para o Old Courthouse (Velho Tribunal, em tradução livre) em St. Louis, famoso pelo caso Dred e Harriet Scott: oposição à decisão da Suprema Corte de 1857, que negou aos afro-americanos o direito de requisitar sua liberdade e que foi um catalisador para a Guerra Civil, e levou à adoção das 13ª, 14ª e 15ª emendas à Constituição.
Depois da procissão liderada pelos tambores, as irmãs ficaram em silêncio nos degraus do tribunal, segurando cartazes que diziam: "Estando em Comunhão, de Pé contra o Racismo". As mesmas palavras que ecoaram por toda a assembleia acabaram quebrando o silêncio: "Estamos em comunhão, ficamos em graça. Estamos em comunhão com a raça humana".
Após o evento de testemunho, várias irmãs refletiram sobre o que a experiência significava para elas e para os membros em suas mesas na assembleia. "Uma das coisas com que tenho lutado é a abordagem da nossa congregação ao antirracismo", disse uma irmã no painel. Como líder, ela imaginou que endossaria os passos que sua comunidade tomava para combater o racismo, mas não iria liderar o esforço, admitiu.
"Fiquei muito tocada pela nossa ação esta tarde quando cantamos que estávamos em comunhão com a raça humana de Deus", disse ela. "Minha resistência realmente diminuiu porque eu me vejo querendo fazer história no [combate ao] racismo, e nunca me senti assim antes."
A irmã da Caridade do Verbo Encarnado Teresa Maya, em seus momentos finais antes da transição de presidente da LCWR para ex-presidente, agradeceu a Arnold em espanhol por sua palestra e por confirmar que esse "momento frágil" encerra um "apelo profundo para todos nós”.
"Precisávamos ficar um pouco mais velhas e um pouco menos numerosas para estar prontos para esse chamado pela diversidade", disse ela.
"Esse chamado, o laboratório do reino de Deus – rezo para que nossa ação nesta manhã seja apenas o começo de pequenas experiências neste laboratório", disse Maya. "Que aprendamos como líderes a harmonizar a sinfonia de nossa diferença, para revelar verdadeiramente o Deus amoroso em que acreditamos."
Naquela tarde, a LCWR abençoou sua liderança, incluindo o novo triunvirato presidencial: a irmã Sharlet Wagner, presidente; a irmã Jayne Helmlinger, presidente eleita; e Maya, ex-presidente.
Ao concluir a assembleia, a LCWR presenteou a irmã Anita Baird, com o Outstanding Leadership Award, a primeira irmã negra a receber o reconhecimento. Baird foi a primeira afro-americana a servir como chefe de gabinete do arcebispo de Chicago. Em 2000, o cardeal Francis George a nomeou diretora fundadora do Escritório de Justiça Racial da Arquidiocese de Chicago, que dirigiu as iniciativas da arquidiocese para erradicar o racismo em suas estruturas e instituições.
Anteriormente superiora regional da sua comunidade, conselheira provincial e, mais recentemente, provincial dos EUA, Baird serviu como presidente da National Black Sisters' Conference (Conferência Nacional das Irmãs Negras, em tradução livre), que recentemente celebrou seu 50º aniversário. Ela também pertence ao Catholic Women Preach (Mulheres Católicas Pregadoras, em tradução livre).
Em seu discurso, Baird disse que sua reação foi inspirada pelo Espírito Santo, que lhe disse que ela foi escolhida para receber essa honra "em nome de todas as religiosas negras em cujos ombros você se apoia. Portanto, é em seus nomes que eu humildemente aceito”.
Através deste prêmio de liderança, a LCWR está honrando "não apenas a mim, mas a todas as religiosas afro-americanas, pois vocês testemunham o fato de que a vida religiosa negra é importante!" disse ela para uma ovação de pé.
Ela disse que a Igreja e os institutos religiosos "devem fazer mais do que falar da boca para fora ao tratar dessa horrível doença" do racismo. "Devemos nos tornar cirurgiões da retidão usando os instrumentos cirúrgicos da nossa fé com grande precisão para eliminarmos esse câncer que vive no corpo de Cristo".
Baird desafiou as irmãs líderes na sala a "encontrar coragem para mudar as coisas que precisam ser mudadas. Busquem o perdão das pessoas de cor que vocês não conseguiram ver como suas irmãs e irmãos, ou como vocês mesmos. Encorajo a ativamente convidar mulheres de cor a viajar com vocês enquanto vocês procuram ampliar suas tendas e testemunham 'o poder da comunhão'", disse ela, repetindo o tema da assembleia.
Ela também se manifestou com indignação por toda vez que uma jovem vida negra é levada prematuramente - uma indignação igual à da Igreja em relação ao aborto - e pelo abraço de pessoas que chegam aos EUA em busca de uma vida melhor. "Deixem nossas comunidades religiosas se tornarem santuários de esperança para as 'sagradas famílias' de nossos dias".
"Não podemos abrandar nossa vigilância até que cada família separada na fronteira tenha se reunido", disse ela. "É assim que testemunhamos a presença do amor e o poder de comunhão em nosso tempo".
Ao fechar seu discurso e a assembleia, a voz repleta de alma de Baird encheu a sala enquanto ela cantava o Magnificat, hino de louvor de Maria.
"À medida que aceitamos o clamor para sermos solidários como uma única família, estamos cientes de que ninguém está sozinho", disse ela. "Todos nós pertencemos ao intrincado círculo de pertencimento da vida."
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EUA. Religiosas encerram assembleia com reflexão sobre a Trindade e a diversidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU