29 Julho 2018
I love Rumi. Escrito em camisetas. Cantado em músicas, debaixo do chuveiro ou indo para o trabalho. Reproduzido na TV como biografia. No topo da lista dos livros mais vendidos. Imortalizado nos maços de cigarros ou na publicidade. A moda ou a mania da “Rumi-terapia” invade os Estados Unidos.
A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada em La Repubblica, 26-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O maior poeta místico de todos os tempos, de origem persa, considerado no mundo muçulmano aquilo que Homero, Dante ou Shakespeare representam na esfera ocidental, fundador da irmandade sufi dos dervixes rodopiantes, repousa em Konya, que é a cidade mais religiosa da Anatólia.
Elif Shafak, a autora mais lida na Turquia e apaixonada conhecedora da sua figura, há alguns anos, escreveu um romance em inglês, The fourty rules of love [As 40 regras do amor], publicado na Itália pela editora Rizzoli com o título Le quaranta porte [As 40 portas], história em que descreve a insatisfação com uma dona de casa judia estadunidense e o seu repentino renascimento ao ler um livro sobre o sufismo, correspondendo-se com o autor que vive na Europa.
Elif Shafak, o que acontece com Jalal ad-Din Muhammad Rumi, nascido em 1207, hoje com legiões de fãs nos Estados Unidos?
Para entender isso, devemos nos aproximar da essência da sua filosofia. Eu acredito que o segredo é a sua voz, que era realmente universal. Em um período histórico em que o mundo estava dividido, ele buscava unir as pessoas. E, em um tempo em que havia ódio, ele falava de amor. Ele era um rebelde. Mas sem qualquer recurso à violência. Era uma alma forte, cheia de imensa compaixão. Sua voz ultrapassa as fronteiras nacionais, as divisões religiosas ou as diversidades étnicas, abraça todos os seres humanos igualmente. É por isso que, embora tenha vivido no século 13, Rumi é um homem atemporal.
Mas por que agora e por que nos Estados Unidos?
Não nos esqueçamos de que, nos Estados Unidos, a religião sempre desempenhou um papel importante no espaço público, assim como no político. Porque, mais uma vez, vivemos em um mundo dividido. Cheio de medos, ódios, divisões, polarizações. E, assim como no tempo de Rumi, hoje há muita raiva, insegurança, confusão. Do ponto de vista político, em todo o mundo hoje há mais nacionalismo, tribalismo, fanatismo religioso, isolacionismo. Os demagogos populistas fazem explodir esses sentimentos. E há tantos demagogos no Leste e no Oeste que querem construir muros mais altos e criar a “política do medo”. Rumi, porém, não é um construtor de muros, mas de pontes. Assim, para as pessoas críticas em relação às religiões organizadas e dogmáticas, mas interessadas em uma viagem interior e em uma espiritualidade individual, Rumi é importante.
Como começou a sua paixão por ele, por exemplo?
Antes, devo lhe dizer que não sou absolutamente uma pessoa religiosa. Também não creio. Não gosto da certeza da fé, da sua rigidez, do dogmatismo. Mas também não gosto da certeza do ateísmo. As pessoas de fé querem se desfazer das “dúvidas”. Mas as dúvidas são importantes. Devemos duvidar sempre, até de nós mesmos. Isso significa progredir. Por outro lado, os ateus não querem lidar com a “fé”. Mas a fé também é importante. Há algo de mágico na vida, e nem tudo pode ser explicado pela lógica pura.
E você, onde se encontra?
Fora desse dualismo. É isso que a mística faz, recusa-se a fazer parte de um simples dualismo. O que eu gosto é da dança entre a fé e a dúvida. E quero vê-las dançando uma valsa, dançando e dançando. Como seres humanos, precisamos de fé e de dúvida, juntas. Por isso, sempre me senti próxima do agnosticismo, da parte heterodoxa da mística. E, como escritora agnóstica, estou interessado em Rumi, certamente. Assim como na mística judaica e também na cristã. Por que devemos ter fronteiras?
Com o conhecimento de Rumi, você se tornou mais mística?
Meu interesse pela mística começou na faculdade. Eu era uma estudante feminista, anarcoambientalista, de esquerda. Não tinha nenhum interesse pela mística. Depois, comecei a ler sobre o assunto. Li sobre Shams de Tabriz, a pessoa que transformou Rumi. E Shams era fascinante. Continuei lendo sobre o taoísmo, o budismo, a cabala, o ateísmo, o agnosticismo... Devemos continuar a ler, nunca parar, nunca pensar que “sabemos”. Todos aprendemos, sempre. Sou uma estudante da vida, e a aprendizagem não acaba nunca. Então, sim, aprendi muito com Rumi, mas também muito com a ciência, a filosofia, a filosofia política, a literatura, o feminismo... Sou uma nômade. Sempre buscando, sempre aprendendo.
O que você gosta da poética de Rumi?
No início, ele não era um poeta, mas um estudioso. Tornou-se um poeta depois de se encontrar com Shams. E é impossível entender a poética de Rumi sem entender Shams. Mas Shams hoje é menos conhecido. Ele era muito crítico dos fanáticos. Zombava da hipocrisia, dos ricos e dos poderosos. E acolhida a todos igualmente: prostitutas, leprosos, pobres... Todos eram iguais aos seus olhos. Shams pensava que havia modos diferentes de rezar. Há quem faça isso repetindo as mesmas palavras e quem faça isso através da dança e da música! Isso era extremo na época e ainda é hoje. Shams era feito de fogo; Rumi, de água. E o mais interessante sobre a história deles é como a água podia amar o fogo, e o fogo, a água.
Hoje, há quem considere os dervixes rodopiantes apenas como uma atração turística e até aplaudam a sua dança no fim...
Sim, infelizmente, isso se tornou um show, em parte. Mas ainda há uma essência que permanece pura e maravilhosa.
Que reações você recebeu dos leitores quando o seu “As 40 regras do amor” chegou ao topo das listas estadunidenses?
Recebi e ainda recebo e-mails e cartas muito bonitos dos leitores desse livro. Eles compartilharam comigo as suas histórias pessoais. Seus segredos. Não disseram simplesmente: “Eu me diverti”, mas explicaram em detalhes o que aquelas páginas significavam para eles, porque tocaram os seus corações. E isso é realmente precioso para mim.
Seu verso preferido de Rumi?
Todas as vezes muda. Nestes dias é: “Não seja um estudioso, seja antes um louco de amor”.
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A moda da Rumi-terapia. Entrevista com Elif Shafak - Instituto Humanitas Unisinos - IHU