06 Julho 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, 8 de julho, 14º Domingo do Tempo Comum (Mc 6, 1-6). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O trecho evangélico deste domingo nos interroga sobretudo sobre a nossa atitude habitual, cotidiana: atitude que, em profundidade, não espera em nada e, portanto, não espera por ninguém; e, principalmente, atitude que não consegue imaginar que, a partir do cotidiano, do outro que nos é familiar, daquele que conhecemos, pode surgir para nós uma palavra verdadeiramente de Deus.
Não temos muita confiança no outro, particularmente quando o conhecemos de perto, enquanto estamos sempre prontos para crer no “extraordinário”, em alguém que se imponha. Estamos tão pouco munidos de fé-confiança que impedimos que ocorram milagres, porque, mesmo que eles ocorram, não os vemos, não os reconhecemos, e, portanto, eles permanecem como eventos insignificantes, sinais que não alcançam o seu fim.
Essa, em profundidade, é a mensagem do evangelho de hoje, uma página que diz respeito à nossa fé, à nossa disponibilidade a crer. Jesus nascera de uma família comum: um pai artesão e uma mãe dona de casa como todas as mulheres da época. A sua família tinha irmãos e irmãs, isto é, parentes, primos, uma família numerosa e ligada por fortes laços de sangue, como ocorria no Oriente.
Desde pequeno, como todo menino judeu, Jesus ajudou o pai nos trabalhos, brincou com Tiago, Joset, Judas, Simão e com suas irmãs; levou uma vida muito cotidiana, sem que nada deixasse transparecer sua vocação e sua singularidade.
Depois, em certo ponto, não sabemos quando, começaram para ele aqueles que Robert Aron chamou de “os anos obscuros de Jesus”, junto às margens do Jordão e do Mar Morto no deserto de Judá, onde viviam grupos e comunidades de fiéis judeus à espera do dia do Senhor, homens dedicados à leitura das Santas Escrituras, à vigília e à oração.
Jesus, em uma certa idade, chegou a esses lugares e lá se tornou discípulo de João Batista (que o definiu como “aquele que vem depois de mim”: cf Mc 1, 7).
Depois, o chamado de Deus e a unção do Espírito Santo o levaram a ser um pregador itinerante do Reino que vem, dando início ao seu ministério na Galileia, a terra em que ele tinha sido criado (cf. Mc 1, 14-15).
E, quando Jesus já tinha um grupo de discípulos que viviam com ele (cf. Mc 3, 13-19), passando de vilarejo em vilarejo para pregar, no dia de sábado, entrou na sinagoga de Nazaré, “sua terra”, a terra de seus pais. Voltou depois de muito tempo passado em outros lugares, e os moradores do vilarejo se lembram dele como “filho de” e “irmão de”.
No momento da leitura do trecho da Torá (parashah) e dos profetas (haftarah), Jesus, sendo um fiel em aliança com Deus, como qualquer outro judeu, e tendo mais de 12 anos, portanto, na qualidade de bar mitzvah, filho do mandamento, sobe ao ambão, lê as Escrituras e comenta a Palavra. Ele não é sacerdote, não é um rabi oficialmente reconhecido – “ordenado”, diríamos nós –, mas exerce esse direito de ler as Escrituras e proferir a homilia.
Ao contrário de Lucas (Lc 4, 16-30), Marcos não especifica nem os textos bíblicos proclamados nem o conteúdo do comentário de Jesus, mas evidencia a reação da assembleia litúrgica que o escutou. Por outro lado, sua fama o precedeu: ele retorna a Nazaré como um rabi, um “mestre” de traços proféticos, capaz de realizar curas, ações milagrosas com suas mãos.
A primeira reação é de estupor e admiração: ele é um bom pregador, tem autoridade, sua palavra toca e parece rica em sabedoria. A pergunta que ele suscita é: “De onde (póthen) recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos?”.
Eles se interrogam, portanto, sobre a identidade de Jesus, como já ocorreu na sinagoga de Cafarnaum (cf. Mc 1, 27), e a resposta poderia ser uma adesão a Jesus na fé, reconhecendo que o Espírito Santo age nele (cf. Mc 1, 10; 3, 29-30); ou uma rejeição de Jesus, atribuindo ao demônio a sua força em anunciar a Palavra e em operar prodígios (cf. Mc 3, 22).
E, nesse estupor superficial, eis que surge outra pergunta: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de Joset, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?”.
Na realidade, trata-se de uma interrogação que contém uma nuance difamatória. Jesus – pensa-se – exerceu apenas a profissão de carpinteiro, portanto não está autorizado a ensinar; além disso, é o filho de Maria, seu pai é conhecido, embora não seja nomeado, e seus familiares são bem conhecidos, ainda residem no vilarejo. Então, o que ele pretende, o que quer? Por que deveria ser “outro” ou alguém com uma missão especial?
Sim, Jesus era um homem como os outros, apresentava-se sem traços extraordinários, parecia frágil como todo ser humano. Tão cotidiano, tão modesto, sem qualquer coisa que, na sua forma humana, proclamasse a sua glória e a sua singularidade, sem um “cerimonial” composto de pessoas que o acompanhassem e o tornassem solene e munido de poder ao aparecer no meio dos outros.
Não, demasiadamente humano! Mas se não há nada de “extraordinário” nele, por que acolher a sua mensagem? Com toda a probabilidade, Jesus sequer tinha uma palavra sedutora, não se comportava de modo a ser admirado ou venerado. Era humano demais e, por isso, “ficaram escandalizados por causa dele” (eskandalízonto en autô), isto é, sentiam, justamente naquilo que viam, naquela sua humanidade tão cotidiana, um obstáculo a ter fé nele e na sua palavra.
Por isso, homologam-no a eles mesmo, reduzem-no à sua estatura, e Jesus se torna para eles uma pedra de tropeço, um escândalo que impede um encontro de salvação. Eles se orgulham de conhecer Jesus humanamente, “segundo a carne” (2Cor 5, 16), mas, na realidade, impedem a eles mesmos o seu verdadeiro conhecimento.
Então, esse retorno ao vilarejo natal foi um fracasso. Jesus compreende isso e ousa proclamá-lo em voz alta: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”. Sim, foi isto aconteceu: justamente aqueles que pretendiam conhecê-lo, como concidadão, próximo ou familiar, chegam a não reconhecer sua verdadeira identidade e acabam desprezando-o.
Marcos já havia notado que, no início da sua pregação, seus parentes tinham vindo para pegá-lo e levá-lo embora, dizendo que ele estava louco, fora de si mesmo (éxo: cf Mc 3, 21); mas agora são todas as pessoas de Nazaré que emitem esse julgamento negativo sobre ele: sua atitude é demasiadamente humana, pouco sagrada, pouco ritual; ele não responde aos cânones previstos para discernir nele um enviado de Deus, o Messias esperado.
Jesus, então, põe-se a curar os doentes lá presentes, impõe-lhes as mãos e cura apenas alguns, mas é como se tivesse não tivesse operado prodígios, porque o milagre ocorre quando a testemunha está disposta a passar da incredulidade à fé.
Em Nazaré, em vez disso, todos permaneceram incrédulos, e por isso Marcos sentencia: “ali não pôde fazer milagre algum” (ação de poder, dýnamis).
Jesus é reduzido à impotência, não pode agir na sua força, não pode nem fazer o bem, porque falta o requisito mínimo, a fé nele por parte dos presentes. Em que Jesus havia errado? Em relação àqueles “seus”, ele caminhava muito à frente dos outros, mantinha um passo rápido demais, via longe demais, tinha a parrhesía, a coragem de dizer aquilo que os outros não diziam, ousava pensar aquilo que os outros não pensavam, e tudo isso permanecendo humano, humaníssimo, demasiadamente humano!
Nesse episódio do Evangelho de Marcos, Jesus aparece como a sabedoria incompreendida; o profeta não acolhido justamente por aqueles a quem foi enviado, desprezado por aqueles que lhe são mais próximos; o curador que não pode fazer o bem porque isso lhe é impedido pela não acolhida da sua ação que dá salvação.
É isso que espera por qualquer pessoa que tenha recebido um dom de Deus, mesmo que apenas uma migalha de profecia: torna-se insuportável, e assim domina a convicção de que é melhor não lhe dar confiança... Jesus “admirou-se com a falta de fé deles” (apistía), e, mesmo assim, permanece firme: continua com fidelidade a sua missão, em obediência Àquele que o enviou, indo para outros lugares, sempre pregando e fazendo o bem.
Mas sem receber fé-confiança, Jesus não consegue nem converter, nem curar, nem fazer o bem.
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Jesus, demasiadamente humano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU