23 Junho 2018
Nenhuma periferia está longe o bastante para escapar do alcance de um papa. Nem mesmo o espaço sideral.
A reportagem é de Carol Glatz, publicada em Catholic News Service, 20-06-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Da torre de observação do Papa Gregório XIII construída nos Jardins do Vaticano no século XVI para que os estudos celestiais pudessem ajudar na reforma do calendário até o Papa Leão XIII, que oficialmente refundou o Observatório do Vaticano no fim do século XIX, os papas mantiveram seus olhos fixos nos céus.
O Papa Pio XII e o Bem-aventurado Paulo VI espiaram através do grande telescópio do Vaticano no castelo papal de verão em Castel Gandolfo. O Bem-aventurado Paulo teve a chance de ver a área lunar onde a Apollo 11 pousou em 1969; ele escreveu uma mensagem a mão, que foi deixada na lua junto com uma bandeira do Vaticano.
Os papas Bento XVI e Francisco tiveram, cada um, uma conexão ao vivo com a tripulação da Estação Espacial Internacional para fazer perguntas aos astronautas sobre o futuro do planeta Terra e sobre o impacto espiritual de ver o mundo – como disse um astronauta – um pouco a partir da perspectiva de Deus.
Do espaço, a Terra “não tem fronteiras, não há conflito, é apenas pacífica”, disse o comandante Randy Bresnik ao Papa Francisco.
Que a raça humana deveria tentar entender o espaço “corretamente”, isto é, assegurar-se de que esse canto infinito da criação possa permanecer livre de fronteiras e conflitos, foi uma das principais razões pelas quais as Nações Unidas criaram um comitê ad hoc sobre os usos pacíficos do espaço sideral em 1958 – apenas um ano após o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite artificial na órbita da Terra.
Esse comitê, agora permanente, que se reporta à Assembleia Geral da ONU em Nova York, tem 84 membros, tornando-o um dos maiores comitês das Nações Unidas. Seu trabalho é organizado e dirigido pelo Escritório para os Assuntos do Espaço Sideral da ONU em Viena.
Há muito tempo, o Vaticano faz parte dessa diplomacia interplanetária com suas próprias “missões espaciais”, com seus representantes tanto no Escritório para os Assuntos do Espaço Sideral da ONU com sede em Viena, quanto no Comitê sobre os Usos Pacíficos do Espaço Sideral com sede em Nova York.
Durante décadas, esses delegados vaticanos ecoaram o entusiasmo dos papas com as descobertas científicas e a esperança de que tal progresso seja sempre usado em benefício de todas as pessoas.
Parece bastante apropriado que o Bem-aventurado Paulo VI, o primeiro a viajar de avião, tivesse um lugar especial em seu coração para os programas espaciais emergentes.
Ele deu inúmeras bênçãos e fez comentários e discursos sobre a descoberta do cosmos e até se encontrou com os astronautas estadunidenses Neil Armstrong, Edwin “Buzz” Aldrin Jr. e Michael Collins no Vaticano em 1969. Ele lhes disse que admirava sua coragem, espírito de paz e seu objetivo de servir a humanidade com sua missão.
Agora, 50 anos depois, os países desenvolveram acordos internacionais e cinco tratados espaciais sobre muitas questões, incluindo a não apropriação do espaço sideral por qualquer país, a liberdade de exploração e o controle de armas. A recente proposta do presidente estadunidense Donald J. Trump de estabelecer uma “força espacial” para defender os Estados Unidos pode entrar em conflito com o Tratado do Espaço Sideral de 1967, que permite a presença de equipamentos e serviços militares no espaço, mas não estações militares ou quaisquer armas de destruição em massa.
O Vaticano expressou repetidamente a esperança de que os países possam finalizar um Código Internacional de Conduta para as Atividades Espaciais que “assegure um uso mais justo e seguro do espaço sideral”, disse o arcebispo Bernardito Auza, o observador permanente do Vaticano nas Nações Unidas, em uma reunião do comitê em 2015.
O Código de Conduta Espacial seria uma “regra rodoviária”, por assim dizer, voluntária e não vinculante, regulando o crescente tráfego de satélites e de atividades espaciais, incluindo a prevenção de ações hostis e o armamento do espaço.
O irmão jesuíta Guy Consolmagno, cientista planetário e diretor do Observatório do Vaticano, disse ao Catholic News Service que algumas outras grandes questões que ainda exigem considerações éticas e diretrizes melhores são a mineração de asteroides como recursos naturais e a produção, uso, acessibilidade e pirataria de dados coletados no espaço.
“Quem fará as regras sobre como os recursos espaciais são usados?”, sejam esses recursos metais ou bytes, e como essas regras serão aplicadas, questionou ele em uma resposta por e-mail.
Consolmagno, um dos cinco astrônomos papais a ter um asteroide com o seu nome, representou o Vaticano em Viena no 50º aniversário da primeira Conferência da ONU sobre a Exploração e os Usos Pacíficos do Espaço Sideral.
O Escritório para os Assuntos do Espaço Sideral celebrou esse evento marcante acolhendo a Unispace+50, uma série de reuniões e palestras de alto nível de 18 a 21 de junho, para que todos os Estados-membros da ONU descobrissem como a cooperação espacial global pode beneficiar a todos – não apenas os poucos com o dinheiro e a tecnologia – no retorno à Terra.
O objetivo é criar uma abrangente “Agenda Espaço 2030”, que busque mapear como as atividades relacionadas ao espaço podem ajudar a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
De uma maneira histórica, o Vaticano se preparou para essa cúpula promovendo um seminário conjunto nos últimos tempos no Observatório do Vaticano em Castel Gandolfo com o Escritório para os Assuntos do Espaço Sideral da ONU. A sessão reuniu representantes vaticanos e especialistas para elaborar um documento que Consolmagno entregará à cúpula da Unispace, que não busca tornar o espaço sideral em um novo campo de batalha, mas sim em um lugar que beneficie a todos.
A Igreja teve uma voz importante para ajudar a guiar esse processo, começando com a Gaudium et spes do Concílio Vaticano II, que observou que o impulso da humanidade a “dominar o espaço” precisaria do mesmo espírito abnegado e redentor necessário em todos os empreendimentos humanos.
É importante ressaltar que os princípios oferecidos por Francisco em sua encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum podem ser aplicados a toda a criação de Deus, não apenas à terra firme.
Citando o documento extensivamente em um discurso ao comitê da ONU em 2017, Auza disse que há uma “necessidade de cuidar do nosso espaço sideral, que é universalmente reconhecido como uma herança comum da humanidade e, como tal, destinado ao bem comum universal”.
“O chamado urgente e o desafio de cuidar da criação convidam toda a humanidade a trabalhar sem hesitação rumo a um desenvolvimento sustentável e integral e rumo a usos sustentáveis e pacíficos do espaço sideral”, disse.
Com os horizontes expandidos de hoje, a mensagem do Natal, proclamada por um coro de seres celestiais, “paz na terra aos homens de boa vontade”, também terá que abrir espaço para o espaço sideral.
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Para além deste mundo: cuidado do Vaticano pela criação inclui uma fronteira final - Instituto Humanitas Unisinos - IHU