28 Mai 2018
Com este novo post, o Pe. Ghislain Lafont entra em uma nova parte de sua reflexão, como ele esclarece bem no início do texto. Para apreciar a virada de uma “nova teologia eucarística”, é preciso parar e considerar cuidadosamente as características da “teologia clássica”. Da qual, como veremos, traz-se para o primeiro plano a figura do padre, sua espiritualidade e sua relação com o sacramento. Com uma série de postagens futuras, Lafont nos conduz ao longo desta “desconstrução” do modelo clássico da eucaristia e, necessariamente, do sacerdócio.
A introdução é do teólogo italiano Andrea Grillo, em seu blog Come Se Non, 09-04-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por Ghislain Lafont
Até aqui, tentei esboçar uma perspectiva positiva, alegre, da Eucaristia, fundamentada na convicção de que esse sacramento está no fundamento de uma existência humana simbólica, em que o pecado e o perdão, por mais importantes que possam ser, por mais dolorosa que seja a sua redenção, não estão no centro.
A troca simbólica, ou, se se preferir, o “dom” pertence à própria condição do ser humano diante de Deus, porque, misteriosamente, é a condição do próprio Deus na sua vida trinitária. Parece-me que aí estaria o fundamento de uma “nova teologia eucarística”.
Mas, neste ponto, não se pode evitar de fazer uma referência rápida à construção teológica clássica; tais referências, com efeito, são necessárias para prosseguir. Gostaria de recordar, acima de tudo, que, na história da Igreja – pelo menos, mas não só, no Ocidente –, a prática efetiva da Eucaristia, no fim das contas, foi bastante reduzida, enquanto se afirmavam costumes devotos.
Depois de mais de um milênio, um novo início apareceu no início do século XX, com os decretos de São Pio X sobre a comunhão frequente, primeiro dos adultos e depois das crianças. Sem essa mudança de regime, não teria havido nem “movimento litúrgico” nem “renovação teológica”, pois tudo se mantém na fé cristã. Abordarei, sucessivamente, estes três pontos:
- a prática efetiva limitada e seu provável fundamento;
- os costumes devotos: para os vivos, para os falecidos e a teologia que os sustenta;
- as consequências sobre a imagem do padre.
Não sei se existe um estudo completo sobre a prática da Eucaristia – e também sobre os sacramentos em geral – desde a sua instituição por Jesus Cristo até os nossos dias. É estranho que as raras menções a esse sacramento no Novo Testamento sejam bastante negativas.
Por exemplo, as duas passagens em que se fala de eucaristia em 1Coríntios emergem em contexto polêmico: não se pode comungar ao mesmo tempo na ceia do Senhor e nas refeições dos sacrifícios aos ídolos, portanto, aos demônios (capítulo 10); não se pode comungar dignamente na ceia do Senhor se não se fizer isso juntos e compartilhar a comida (capítulo 11). O contexto é o dos modos equivocados de fazer a comunhão.
De sua parte, a Carta aos Hebreus já se lamenta de um desinteresse pelas sinaxes (Hb 10, 25). Em todo o caso, a impressão que permanece, depois de ler tudo o que pude encontrar, é que, paradoxalmente, quando o culto cristão se tornou livre, no século IV, com Constantino, os cristãos se afastaram da comunhão e, em grande parte, se limitaram a assistir às liturgias, mas sem receber o sacramento [1].
Sabemos muito bem também que, se o capítulo 21 do IV Concílio Lateranense, bem mais tarde, quis tornar obrigatório um mínimo de prática sacramental na Páscoa, foi precisamente para frear uma maior deserção da Eucaristia e da Penitência. A rigidez jansenista se movimentou sucessivamente na mesma direção. Na maior parte do tempo, continuou-se a assistir à missa, mas sem fazer a comunhão.
Como explicar esse afastamento? Sem dúvida, por causa de uma conscientização, ressaltada na época pelos pastores, do grande abismo que se abre entre a dignidade sublime desse sacramento e a miséria moral do cristão médio. O pecado torna indigno da comunhão, como repetimos ainda hoje: “Senhor, eu não sou digno...”, e, se a excomunhão solene é excepcional, produz-se uma excomunhão de fato, mais ou menos encorajada pelos pastores. A perfeição transcendente do sacramento pressupõe e exige a perfeição daquele que comunga.
Por outro lado, com o progresso da reflexão moral, a importância da noção de lei e a análise dos diversos graus de culpabilidade impõem pouco a pouco um cerceamento normativo, promulgado ou espontâneo, que sirva de obstáculo para uma recepção frequente ou mesmo apenas regular do sacramento, sem contar o impacto certamente considerável de uma exigência de pureza ritual no plano sexual.
A mediação necessária do sacramento da Penitência, com demandas eventualmente pesadas para obter a absolvição, certamente desempenhou um papel importante. Talvez hoje se deveria levantar a questão: a Eucaristia é para os justos ou para os pecadores?
Ver a hóstia
Em compensação, na Idade Média e ainda mais depois do Concílio de Trento, a devoção eucarística passou da prática à visão. A brecha entre a Eucaristia, por um lado, e a boca e a mão, por outro, rapidamente se afirmou [2], e, em compensação, desenvolveram-se práticas visuais que mantiveram o contato entre o sacramento e os cristãos: exposição do Santíssimo Sacramento, com seus rituais (véu umeral, incensações, bênção eucarística com o ostensório) e seus textos eucológicos; longas adorações; procissões – tudo isso estruturou o quadro e o coração da devoção eucarística durante séculos.
Pode-se notar aqui que essa passagem do comer e do beber ao ver concentrou a atenção devota sobre a hóstia, já que o vinho não podia ser exposto à visão.
A multiplicação das missas
Tal devoção teve outro impacto, conectado ao desejo cristão de salvação eterna e ao temor das penas do purgatório. Não sei em que momento exato esse tema da oferta do sacrifício da missa pelos vivos e pelos mortos se tornou aquilo que permaneceu ao longo dos séculos. No entanto, é certo que alguns cristãos, muitas vezes nobres e príncipes, ordenaram missas, fizeram fundações, deram dinheiro pela salvação das próprias almas mediante múltiplas celebrações eucarísticas.
Parece que já era algo adquirido nos tempos de Gregório Magno. Hoje, quando se visitam as igrejas antigas, encontram-se capelas “pertencentes” antigamente a famílias ou corporações, com capelães encarregados de celebrar as missas previstas na fundação desses pequenos santuários, que também eram locais de sepultamento.
Pode-se recordar o costume, que eu conheci antes do Concílio, segundo o qual cada padre celebrava três missas no Dia de Finados, uso que era ditado por um sentimento de justiça: os saques, que começaram com a Revolução Francesa e continuaram também depois, não permitiam mais honrar as fundações feitas em épocas mais favoráveis. A multiplicação das missas estabelecidas para aquele dia permitia pelo menos compensar um pouco e abrir as portas do céu às almas à espera. E em tudo isso, é preciso notar, o sacrifício era concebido integralmente de acordo com a modalidade da reparação e da redenção.
Duas teologias
É preciso levar em conta o impacto da teologia sobre a prática. Sabe-se que, entre os séculos XI e XIII, a reflexão sobre a Eucaristia deu origem a múltiplas e ferozes discussões teológicas.
Duas maneiras de abordar a questão se opuseram: elas poderiam ser apresentadas com a oposição entre dois monges da Abadia de Corbie, Pascásio Radberto e Ratramo: uma teologia poderia ser definida como “simbólica”, a outra, “dialética”.
A primeiro, cujo antepassado poderia ser visto em Santo Agostinho, considera a Eucaristia na sua dinâmica de transformação do cristão, orientando a finalidade do sacramento para aquele cumprimento escatológico já alcançado por Cristo. A Eucaristia era chamada de corpus mysticum, que se poderia traduzir como “corpo de mistério”, ligado ao corpo ressuscitado do Cristo e constitutivo do seu corpo eclesial. Esse modo de falar da Eucaristia encontra-se admiravelmente tratado nos comentários de Santo Agostinho sobre o capítulo VI de São João. Na Idade Média, como sabemos, isso levou alguns teólogos, especialmente Berengário de Tours, a subestimar o realismo da presença eucarística sob as espécies do pão e do vinho; sua condenação legítima a esse respeito contribuiu para o enfraquecimento dessa corrente simbólica.
A segunda, que se pode correlacionar com certas fórmulas de Santo Ambrósio no seu De sacramentis/De mysteriis, estava mais interessada na presença real do corpo e do sangue de Cristo no pão e no vinho; ela estava mais espontaneamente em harmonia com o lado “racional” da reflexão escolástica. Ela permitia abrir campos de investigação tanto sobre o modo da presença quanto sobre a passagem do pão ao corpo e do vinho ao sangue. E é nesse momento que a noção de transubstanciação foi desenvolvida. Assim, constituíram-se aqueles que podem ser chamados de “tratados do Santíssimo Sacramento”, em que todas as questões ligadas a essa misteriosa passagem do pão ao Corpo e do vinho ao Sangue, e também concernentes ao pensamento da presença real, uma vez ocorrida a passagem, eram desenvolvidas o máximo possível. Essa segunda linha teológica favorecia a legitimidade daquilo que eu chamei com a expressão “costumes devotos” da Eucaristia.
Nota-se, assim, que a abordagem dialética ao Mistério, centrada na presença real, e a prática eucarística, centrada no sacrifício sacramental, considerado como purificação das almas, contribuíram para dissociar a Eucaristia tanto da comunidade celebrante quanto da comunhão sacramental dos fiéis (que já havia se tornado rara).
A consequência dessa orientação foi a formação da convicção de que a Eucaristia é algo que diz respeito aos padres. Nesse sentido, ela requer a santidade do padre e, ao mesmo tempo, a sustenta.
A santidade
O padre, com efeito, é o homem divinamente ordenado para a consagração da eucaristia (conficere sacramentum), ou seja, para ser o instrumento dessa transformação única da substância do pão na substância do Corpo de Cristo. Tal transformação, que diz respeito às realidades em nível de substância, não é comparável senão à ação divina da criação, o que dá uma ideia da dignidade daquele que faz esse ato absolutamente transcendente e da sua proximidade com Deus.
O mesmo se dirá do perdão dos pecados: quem pode concedê-lo, senão somente Deus? Por isso, de novo, a imensa dignidade do padre. São Tomás, por ocasião de uma discussão sobre o valor da vida religiosa, observa que o “poder” do padre sobre a Eucaristia o coloca acima dos religiosos, por causa da dignidade suprema do sacramento do altar [3]. Tal “estado de vida”, verdadeiramente superior a todos os outros, envolve um dom e uma demanda de santidade, que pode ser definida como suprema, e o celibato faz parte dela de um modo totalmente natural.
Reciprocamente, por outro lado, quem foi consagrado pelos votos religiosos dentro da Igreja e observa o celibato apresenta uma afinidade indiscutível com o sacerdote. Assim, nos mosteiros, os monges padres que muitas vezes celebravam inúmeras missas por dia para honrar as fundações feitas na abadia não tinham qualquer dificuldade em honrar essa tarefa. Sua prática sacerdotal, de fato, muitas vezes se limitava à celebração das missas, sem qualquer relação com a cura animarum, sem assistência senão de um noviço, sem comunhão do povo, mas o essencial era garantido.
Pode-se acrescentar que a teologia das “hierarquias” angelicais e eclesiásticas do Pseudo-Dionísio, conhecida no Ocidente a partir do início da Idade Média, veio confortar essa alta teologia, com uma aplicação extensiva ao padre das reflexões que Dionísio faz sobre o bispo que celebra os santos Mistérios: o bispo, situado no topo da hierarquia eclesiástica, habitualmente permanece em contemplação de Deus. Quando sai da contemplação, para celebrar os santos Mistérios, assim que os completou, volta ao seu silêncio. Do mesmo modo faz o monge padre, mas, até certo ponto, também o padre diante de Deus.
O caráter
Esses aprofundamentos sobre a figura do padre foram sintetizados durante a Idade Média graças à noção de “caráter”, sobre a qual é preciso dizer aqui uma palavra, pois a reencontraremos mais adiante. Historicamente, essa noção apareceu por causa da convicção que se tornou dominante na Igreja latina, segundo a qual não era necessário rebatizar um homem que tivesse recebido o batismo de um padre pecador ou de um padre que administrasse o sacramento sem estar em “estado de graça”. E o mesmo valia para a ordenação sacerdotal ou episcopal, se o prelado oficiante ou o candidato se encontrasse em uma situação de indignidade.
A razão que justifica a recusa da repetição desses sacramentos era a convicção de fé segundo a qual o verdadeiro ministro dos sacramentos é Cristo mesmo, cuja ação, em si mesma dotada de significado e de eficácia, não pode ficar sem efeito. Essa convicção na não repetibilidade dos sacramentos do batismo e da ordem, no entanto, entrava em conflito com outra convicção, igualmente forte: a indignidade do ministro ou do candidato não permitia que o sacramento trouxesse frutos de graça (apagamento do pecado original, justificação, santificação...).
A aporia era superada se se pressupusesse que a ação invencível do Cristo, contudo, sempre deixava um rastro naquele que, embora pecador, recebera o sacramento: um sinal, uma forma, um selo ou como quer que se chame, de modo que, quando o estado de pecado fosse superado com a penitência, os frutos de graça seriam normalmente alcançados. A teologia medieval chamou de “caráter” esse traço crístico indelével e, assim, distinguiu dois frutos do sacramento: o caráter e a graça.
O caráter, como quer que seja nomeado (para São Tomás, era um poder instrumental), é definido por aquilo que o torna possível: a Eucaristia. O padre, em suma, se define por aquilo que se chama de “poder de ordem”, cujo lugar no homem é justamente o caráter, diretamente orientado à celebração da Eucaristia e, consequentemente, dos outros sacramentos.
Até aqui, tentei resumir em grandes linhas e sem poder levar em conta grandes diferenças no tempo e no espaço a construção teológica clássica, que permite compreender certas convicções que se enraizaram por muito tempo na consciência cristã. Como a ideia de que o padre tem uma relação pessoal tão forte com a Eucaristia, que se traduz acima de tudo na celebração cotidiana da missa e, depois, em uma espiritualidade, eventualmente em uma pastoral, fortemente eucarística. Mas também a convicção (da qual não consegui encontrar o ponto exato da formulação e de recepção pela Igreja) pela qual o sacramento da Ordem foi instituído por Jesus Cristo na Última Ceia, com as palavras dirigidas aos únicos apóstolos presentes: “Fazei isso em memória de mim”. Daí resultaria também que o ministério ordenado foi reservado por Cristo somente aos homens: não havia mulheres no Cenáculo. E que esses homens deviam se manter longe da sexualidade, para que o sacrifício sacramental deles fosse puro e santo.
É realmente necessário que tudo isso ainda permaneça de pé?
1. “Perto do fim do século IV, não só a ceia das origens era há muito tempo reduzida a dimensões simbólicas, mas também pelo menos para uma parte daqueles que dela participavam ela havia se tornado algo a ser visto e adorado de longe em vez de consumido. Assim, muitos daqueles que participavam do rito permaneciam não comungantes, e, ao mesmo tempo, havia outros que comungavam, mas fora do rito. No entanto, enquanto a ceia tinha reduzido sua própria amplitude, as orações sobre o pão e sobre o cálice tinham aumentado seu comprimento, tornando-se orações bem mais estruturadas e complexas no quadro público em que se encontravam” (P. Bradshaw, Eucharistic Origins, Londres, 2004, p. 157).
2. Conheci o tempo em que ao próprio fiel era vetado tocar nos vasos e nos panos sagrados que tinham contato direto com as espécies sacramentais: patena, cálice, corporal, purificador [sanguíneo].
3. S. Th., II-II, q. 184, a. 8. De fato, como frequentemente acontece em São Tomás, a afirmação é colocada em um conjunto de distinções que especificam seu porte, com uma referência ao Pseudo-Dionísio. Mas, nos manuais de teologia, a citação da Summa é fornecida sem as distinções que contextualizam a proposta, de modo que a superioridade do estado sacerdotal sobre o estado religioso tornou-se, em certos ambientes, de imediatamente evidente.
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Nova teologia eucarística: construção da teologia clássica. Artigo de Ghislain Lafont - Instituto Humanitas Unisinos - IHU