25 Abril 2018
Retrato de uma captura: por meio da chamada “Pesquisa Focus”, cem banqueiros e executivos financeiros ditam rumos a quem deveria controlá-los.
O artigo é de Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal, publicado por Outras Palavras, 23-04-2018.
A edição do Plano Real em 1994 marcou o início de uma nova fase de coordenação dos instrumentos de política macroeconômica em nosso país. Após uma série de tentativas não exitosas de controle das altas taxas de inflação que marcou as décadas de 1980 e 1990, finalmente a dinâmica econômica e social passou a responder positivamente às mudanças do novo padrão monetário. A adoção da nova moeda fazia parte de um conjunto mais amplo de medidas de política econômica, dentre as quais o sistema de metas de inflação.
Com isso, o monitoramento e o controle do crescimento dos preços passaram a ser realizados de forma mais institucional, tendo por instrumento prioritário a definição do patamar da taxa oficial de juros por parte da autoridade monetária. Em 1996, foi instalado oficialmente o Comitê de Política Monetária (COPOM) no âmbito do Banco Central e constituído pelos integrantes da diretoria daquela instituição. Mais à frente, outra inovação de apoio ao sistema de metas de inflação deu-se com o estabelecimento da consulta formal do BC junto aos chamados “agentes do mercado”. Em 1999, o órgão regulador das instituições financeiras institui a Pesquisa de Expectativas de Mercado.
Trata-se da famosa Pesquisa Focus, que opera como verdadeiro misto de bússola e bíblia para os profissionais do mercado financeiro e também para a tecnocracia responsável pela implementação da política econômica, em especial a política monetária. A pesquisa tem frequência semanal e sua divulgação a cada início de período é recebida com a aura da verdade e de segurança a respeito do desempenho futuro da economia brasileira. Os jornalões são mestres em se saírem com as conhecidas frases do tipo “o mercado pensa”, “o mercado considera”, “o mercado espera”, “o mercado reage”, entre tantas outras tentativas de humanizar algo que nada mais é senão o mero interesse do financismo.
A metodologia da pesquisa é absolutamente voltada a enviesar os resultados pretendidos a priori. A própria página do BC exibe a forma de apuração das informações que servem para balizar as decisões da equipe econômica:
Focus-Relatório de Mercado: apresentação de um resumo dos resultados da pesquisa de expectativas de mercado, levantamento diário das previsões de cerca de 130 bancos, gestores de recursos e demais instituições (empresas do setor real, distribuidoras, corretoras, consultorias e outras) para a economia brasileira, publicado toda segunda-feira.
Ora, os interesses de um pouco mais de uma centena de bancos e outras empresas que operam no mercado financeiro são expressos de forma sistemática e rotineira há quase duas décadas. Essas tais “expectativas” formam uma opinião a respeito de variáveis como crescimento dos preços e evolução da taxa de câmbio, por exemplo. E tais expectativas é que norteiam as orientações do governo sobre taxa de juros, taxa de câmbio e outras variáveis relevantes para o funcionamento da economia. Em resumo: o Estado brasileiro mesmo se arma uma armadilha para ficar refém das vontades e desejos do rentismo parasita.
Desde o êxito da estratégia colocada em marcha para promover o golpeachment que os “formadores de opinião” asseguravam que os problemas todos da economia seriam finalmente solucionados. Bastava tirar Dilma do Palácio do Planalto e colocar um time dos sonhos no comando da economia. Pouco importava se isso fosse destruir as bases de credibilidade institucional e jogar o Brasil nesse cenário de vale-tudo a que assistimos desde então. O importante era colocar dois banqueiros de absoluta confiança, um no Ministério da Fazenda e o outro no Banco Central.
Meirelles e Goldfajn seguiram à risca o manual da ortodoxia conservadora e aprofundaram a estratégia do austericídio, iniciada ainda por Joaquim Levy no início do segundo mandato da Presidenta. Ocorre que a combinação calamitosa de juros altos e cortes nas despesas públicas só fez acelerar o ritmo da recessão já encomendada. Ultrapassamos a casa de 14 milhões de desempregados, conhecemos a maior estagnação de nossa História e as falências multiplicaram-se por todos os cantos. Nunca antes o nosso PIB havia recuado mais de 8% em apenas dois anos seguidos.
Não obstante esse quadro catastrófico, as pesquisas realizadas pelo BC pareciam tratar de um universo paralelo. As taxas de juros continuavam nas alturas e as expectativas quanto ao futuro da economia eram sempre as mais otimistas possíveis. Afinal, os postos chaves estavam nas mãos de pessoas consideradas competentes. O problema da dominância do financismo foi sistematicamente deixado de fora da agenda governamental. Os ganhos do sistema financeiro não foram alterados e espoliação a que todos os demais setores da sociedade estão submetidos não se alterou sequer um milímetro.
Os dados mais recentes do próprio BC bem atestam essa insanidade. Em fevereiro de 2018, por exemplo, a taxa de juros cobrada nas operações de cartão de crédito nas instituições financeiras apresentou a média de 398%. Um verdadeiro crime praticado por uns poucos agentes da banca sobre dezenas de milhões de indivíduos. Os mais otimistas talvez tenham a reação de afirmar que isso já representa uma queda, pois um ano antes, em fevereiro de 2017, essa mesma taxa era de 537% ao ano. E o pior é que essa triste constatação é verdadeira.
O financês chama de “spread” essa diferença entre a taxa que o banco remunera seus depósitos e a taxa que ele cobra dos que tomam crédito e empréstimo. No ano passado, quando a SELIC estava em 13% ao ano, eles cobravam uma taxa 41 vezes maior nas operações com cartão de crédito. Em fevereiro desse ano, quando a SELIC estava em 6,5%, eles cobravam uma taxa 61 vezes maior nesse tipo de serviço. Ou seja, na prática, a rentabilidade do financismo aumentou ao longo do período de queda da taxa de juros. E o mais impressionante é que o BC assiste a tudo isso fazendo cara de paisagem. A função de órgão regulador do sistema financeiro foi esquecida, se é que em algum momento anterior ela foi exercida de fato.
Mas apesar de todo o esforço realizado pelo establishment e pelos grandes órgãos de comunicação, a realidade é que a população percebeu claramente o enrosco em que estamos metidos. O Brasil segue devagar, quase parando. O tão alardeado cenário de retomada do crescimento sustentável não passa de mentira ilusionista ou mera força de vontade. Se é verdade que saímos do fundo do poço, o fato é que recuamos tanto ao longo dos últimos 3 anos que o esforço de recuperação vai ser imenso e lento, caso o diagnóstico equivocado e as soluções conservadoras sigam os mesmos de sempre.
A pesquisa Focus continua chutando e errando muito. As opiniões dos especialistas do tal do mercado são forjadas pelo mesmo mundinho fechado do finacismo. Assim, aquele otimismo exagerado de um crescimento do PIB superior a 3% em 2018 vai sendo revisto a cada nova segunda-feira. Agora já se fala em algo inferior a 2,7%. Se é verdade que o desemprego tenha apresentado uma queda diminuta, esse fato deu-se exclusivamente às custas de postos criados no mercado informal. Além disso, é preciso lembrar que a tragédia monumental de mais de 12 milhões de pessoas sem posto de trabalho não será alterada sem uma mudança de orientação de política econômica.
Refém da estratégia do governo comandado pelos interesses do sistema financeiro, o país assiste passivamente à paralisia de suas atividades econômicas e às sucessivas tentativas de implementar a íntegra do projeto da maldade e do desmonte. Assim foi com a Emenda Constitucional 95, que congela as despesas públicas por 20 longos anos. O mesmo se deu com a aprovação da destruição da CLT e dos direitos dos trabalhadores. Essa foi a tentativa de votar a Reforma da Previdência. Nada diferente com a entrega da exploração do Pré Sal às multinacionais. Caminho idêntico foi o da liberalização da propriedade de terras ao capital estrangeiro. Assim tem sido com as privatizações já realizadas e as encomendadas, como Petrobras e Eletrobras.
O estrago realizado foi enorme e o compasso de espera pelas eleições de outubro contribui ainda mais para o seu aprofundamento. O Brasil patina e derrapa, mas avança muito pouco rumo a um futuro que volte a enfrentar as questões relevantes, como a necessidade de um modelo de desenvolvimento social e econômico de inclusão. Apenas um Referendo Revogatório no início do ano que vem será capaz de romper as amarras desse atraso que nos foi imposto pelos representantes do capital.
Os inúmeros candidatos da direita, tão carinhosamente chamados pela grande imprensa como sendo de “centro”, não conseguem se viabilizar eleitoralmente. Bolsonaro segue sozinho pela estrada da extrema direita, que a ele foi gentilmente pavimentada por parcela de nossas classes dominantes. Porém, esses diferentes interesses se unem para urdir todo o tipo de jogada e trapaça visando impedir a candidatura de Lula, que segue líder absoluto nas pesquisas. A intenção explícita é fazer de tudo para retirar o nome do ex Presidente da urna eletrônica. Pouco importa que ele seja o preferido da maioria da maioria da população.
Esse é o verdadeiro quadro incerto das expectativas. Um quadro construído pela irresponsabilidade de uma elite que jamais ofereceu a menor preocupação com os destinos de seu próprio País.
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O Banco Central nas mãos da aristocracia financeira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU