Por: Patricia Fachin | 13 Abril 2018
Uma imagem que ilustra a situação da economia brasileira hoje “é a do fundo do poço”, porque “o PIB caiu muito nos últimos dois anos, e houve um forte aumento do desemprego, fatos que as pessoas conhecem e, mais do que conhecem, estão vivendo. Em 2017 a economia teve uma estabilização e um crescimento de 1%, ou seja, a economia ficou praticamente parada, estacionou no fundo do poço”, diz o economista Ricardo Carneiro à IHU On-Line. Na avaliação dele, o crescimento sustentável do país depende do investimento na indústria e da superação da desindustrialização. “Para crescermos de uma forma sustentável, teremos que pensar no futuro com uma estratégia para a indústria”, frisa.
Carneiro também defende a participação do Estado na economia e destaca que as parcerias público-privadas ainda são fundamentais para um país como o Brasil. “Existem várias formas de fazer isso, porque o Estado tem vários instrumentos para isso, como crédito subsidiado, incentivos fiscais, a política de conteúdo local, compras governamentais. A minha ideia é que esses instrumentos existem, estão aí e podem ser usados, cabendo escolher que setores serão beneficiados. A partir desses setores, se constrói em cada um deles uma forma de articulação com o setor privado”, argumenta.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o economista também reflete sobre o gasto social e defende que um conjunto de gastos precisa ser analisado e corrigido, como as despesas com o funcionalismo público, e as diferenças entre a previdência pública e a privada. “Minha proposta é que se faça uma indexação das despesas pelo crescimento do PIB. Então, é preciso ampliar o gasto per capita do Brasil, porque a renda do país é um quinto da renda dos EUA e um quarto da Alemanha. Para fazer Estado de bem-estar social é preciso crescer, respeitando a ideia de que a sociedade pode não querer aumento de carga tributária. Então, uma forma de melhorar o gasto é pelo crescimento do PIB, sem aumento da carga tributária, o que torna mais importante tributar e gastar corretamente. Essa proposta visa aumentar a renda disponível das pessoas que têm menos e financiar os gastos sociais. É uma forma de equacionar o conflito distributivo: mantém-se a carga tributária e os gastos crescendo em linha com o PIB, mas muda-se a sua composição na direção da progressividade”, explica.
Ricardo Carneiro | Foto: Ricardo Machado - IHU
Ricardo Carneiro é mestre e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Foi diretor executivo pelo Brasil e Suriname do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington (2012/2016). Atualmente é professor titular aposentado e professor colaborador da Unicamp. Ele esteve presente no Instituto Humanitas Unisinos - IHU na última segunda-feira, 9-4-2018, onde ministrou a palestra Novos desenvolvimentismos no Brasil. Tendências e desafios para a economia brasileira. A íntegra da conferência pode ser vista aqui.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Qual é a atual situação da economia brasileira? O aspecto mais crítico da crise já passou? O governo anuncia a retomada do crescimento, mas esse crescimento é sustentável, ele aponta para alguma direção, para um projeto de crescimento, ou trata-se apenas de uma recuperação sem direção?
Ricardo Carneiro — Uma imagem que pode ilustrar bem nossa situação é a do fundo do poço. O PIB caiu muito nos últimos dois anos, houve um forte aumento do desemprego, fatos que as pessoas conhecem e, mais do que conhecem, estão vivendo. Em 2017 a economia teve uma estabilização e um crescimento de 1%, ou seja, a economia ficou praticamente parada, estacionou no fundo do poço.
Qual é a chance de crescer? Como a economia caiu muito em 2015/2016, qualquer dado positivo que apareça, mesmo um dado isolado, como o crescimento da safra ou a liberação de recursos do FGTS, qualquer dado positivo aparece magnificado. Estatisticamente, aparece como sendo de 2,0% ou 2,5%. A verdade é que o ritmo da recuperação é um ritmo muito lento.
Há quem discuta se essa recessão é a maior da história, ou a segunda maior da história. No entanto, o importante é que a recuperação da economia a partir de 2017 é, de fato, a recuperação mais lenta da história econômica do Brasil. Isso se dá por várias razões, entre elas, porque é muito difícil crescer com um governo sem legitimidade, que foi fruto de rupturas institucionais e que não conseguiu se firmar. Por outro lado, as muitas denúncias de corrupção afetaram e afetam o clima econômico. O fato de haver uma eleição tão indefinida pela frente também dificulta o processo.
Outro aspecto importante é que a recessão não significou só uma perda de produto, de emprego etc., mas traduz o fato de que as famílias e as empresas se endividaram bastante, ou seja, os agentes privados estão muito endividados. Portanto, diante do quadro político, dos agentes econômicos endividados e do governo fazendo uma política equivocada, fazendo muita ideologia, dizendo que precisa ter menos Estado na economia, estamos indo para uma situação sem horizontes. A única coisa que salvou um pouco a situação, e não tem a ver com política de governo nem com a situação interna, foi o fato de que a situação internacional foi boa em 2017 e deve ser ainda boa em 2018. Esse é um dado importante e ajudou ao arremedo de recuperação que ocorreu em 2017.
A minha visão não é otimista. Há algum crescimento, mas um crescimento um pouco maior dependerá, sobretudo, do crescimento de consumo das famílias. Mas este é um ano difícil, e os bancos estão reticentes em emprestar. Assim, a “bala de prata” do crescimento este ano é o consumo das famílias, que depende, sobretudo, da recuperação do emprego, que recupera mas recupera mal, porque a qualidade do emprego, por conta da reforma trabalhista, está muito pior. Eu vejo vários obstáculos para que haja um crescimento econômico mais significativo e mesmo o setor externo contribuirá muito menos este ano. Será difícil chegar ao final de 2018 com 2,5% de crescimento.
IHU On-Line — O senhor tem dito que o objetivo crucial da política macroeconômica é o de conciliar crescimento econômico e preservação da estabilidade monetária, cambial e financeira. O que é fundamental para garantir esse objetivo?
Ricardo Carneiro — Nós temos um problema: tivemos, desde os anos 1990, o que inclui também os governos do PT, um processo muito amplo de abertura financeira da economia brasileira. Nesse processo de abertura financeira há momentos em que ele parece muito positivo, porque cai a taxa de juros lá fora, cai o risco país, há um influxo de dinheiro externo que empurra a economia. O problema é que quando esse movimento se reverte, há sérias implicações sobre o manejo da política macroeconômica, da taxa de câmbio, sobre o tamanho da taxa de juros, sobre os constrangimentos que aparecem sobre a política fiscal etc.
A precondição necessária para administrar melhor, do ponto de vista macro, é fazer uma gestão que dê estabilidade inflacionária, monetária, cambial e financeira. Há um conjunto de estabilidades que são difíceis de fazer, porque elas dependem de uma redução do grau de abertura financeira da economia brasileira. A economia brasileira é muito pequena ante o tamanho dos mercados financeiros internacionais e o correspondente grau de abertura da nossa economia. Isso problematiza e torna muito difícil fazer uma gestão macroeconômica mais compatível com a estabilidade e o crescimento.
IHU On-Line — A economia brasileira tem vivido o fenômeno da desindustrialização há muitos anos. A desindustrialização tem um peso ainda mais negativo na economia brasileira neste momento do que teve no passado, considerando o desenvolvimento econômico no cenário internacional? Quais são os desafios do Brasil nesse sentido?
Ricardo Carneiro — Houve, de fato, desindustrialização na economia brasileira em dois momentos distintos. No primeiro momento, nos anos 1990, a economia ficou muito especializada na direção da nossa base de recursos naturais: siderurgia, papel e celulose, agroindústria, ou seja, um conjunto de indústrias muito calcado na base de recursos naturais, com algumas exceções, como a indústria automobilística e de aviões. Com a retomada do crescimento a partir dos anos 2000, a estrutura manteve-se, mas a economia cresceu e cresceu o consumo, o investimento na produção industrial, e aí não houve desindustrialização do ponto de vista quantitativo.
A partir de 2008, sobretudo, começou um fenômeno importante, que é uma segunda onda de desindustrialização, possível de ser percebida por um aumento muito significativo na indústria do chamado coeficiente importado, tanto de produtos finais quanto de insumos. Isso ocorreu, basicamente, com um acirramento da concorrência internacional, por causa da capacidade ociosa da China e por conta da concorrência via preço. Portanto, ocorreu a partir daí uma segunda onda de desindustrialização, e hoje temos não só uma indústria mais especializada, mas uma indústria que tem muitos buracos. Qual o problema disso? É que toda vez que se cresce, a demanda vaza muito para o exterior. Além disso, se tem menos empregos do que se deveria ter e se perdem elos importantes na cadeia.
Então, a indústria ainda é um setor muito importante para um país de renda média como o Brasil, porque é o setor com que se consegue construir mais rapidamente “vantagens comparativas”, é um setor cuja demanda internacional cresce mais rápido que os demais setores. É um setor que emprega mais do que os setores agropecuário e de serviços, por conta das cadeias produtivas. Para crescermos de uma forma sustentável, teremos que pensar no futuro com uma estratégia para a indústria.
IHU On-Line — Qual é a dificuldade específica da indústria? Por que esse fenômeno se repete?
Ricardo Carneiro — Há vários fatores importantes. O primeiro aspecto é a questão mais profunda e estrutural: por volta dos anos 1980, mudou o que chamamos de padrão de industrialização e de concorrência internacional. Houve a chamada fragmentação da produção industrial, que também é chamada de criação das cadeias globais de valor, que representou uma mudança muito significativa em relação ao padrão anterior. Até os anos 1980 havia migrações de empresas no seu conjunto, o mercado era mais fechado e as empresas migravam integralmente para os países periféricos. A partir daí, houve uma mudança que gerou uma fragmentação das cadeias produtivas, preservando apenas o núcleo tecnológico mais importante das empresas nos países centrais. O fator que apoiou este processo nos países periféricos foram os salários mais baixos, tanto é que a Ásia capturou boa parte das empresas e a China fez, ademais, uma gradação da sua indústria do ponto de vista tecnológico, sendo o país mais exitoso desse ponto de vista.
O Brasil não pode entrar nisso porque o patamar salarial na década de 1980 e ainda hoje é maior que o da China. Então, o Brasil e parte da América Latina não conseguiram entrar nesse processo. O único país da América Latina que fez isso foi o México e teve uma implicação muito grande tanto sobre o patamar de salário quanto sobre emprego, e que desestruturou completamente a economia mexicana. Além do baixo dinamismo devido às mudanças na estrutura produtiva, o México exportou ¼ da sua força de trabalho para os EUA.
No caso brasileiro, desde os anos 1990, inclusive nos governos do PT, ocorreram outros equívocos de política econômica e o principal deles foi a recorrente valorização da moeda nacional. Alguns argumentavam que essa valorização da moeda não era problemática, porque ela valorizava, mas depois desvalorizava. Entretanto, essa valorização da moeda, que chegou a 50% nos governos do PT, tirou muito a competitividade da indústria brasileira, sobretudo das cadeias locais, desestruturando-as. O ponto é que, embora a taxa de câmbio possa voltar a um patamar melhor, a indústria não volta, ou pelo menos tomaria muito tempo para ocorrer. Esse é um ponto importante: há uma histerese no processo.
IHU On-Line — Qual deveria ser o papel do Estado em relação ao investimento público e privado?
Ricardo Carneiro — Continuo achando que o Estado tem um papel crucial no desenvolvimento do Brasil. Numa economia que é periférica, que tem uma moeda fraca, que sofre de insuficiente desenvolvimento tecnológico, que tem problemas sérios de desigualdade, o Estado tem um papel essencial. Mas qual Estado? Não temos mais a estrutura empresarial estatal que tínhamos nos anos 1970, que foi o que alavancou o crescimento naquele período. Dos anos 1950 até os 70 houve uma crescente intervenção do Estado, tanto pelo investimento público direto de infraestrutura quanto pelo grande número de estatais. Então, na metade dos anos 70, o público controlava quase metade da taxa de investimento do país. Depois de 12 anos de governo do PT, não se chegou a 20% da taxa de investimento.
Então, tem que se pensar que o desafio é manter a importância do Estado, mas é preciso pensar numa articulação do investimento público com o investimento privado, porque não existe mais aquele padrão nacional-desenvolvimentista dos anos 1970, como é o padrão chinês atual, no qual seis grandes grupos estatais chineses controlam mais da metade da taxa de investimento. Não existe mais isso no Brasil, por conta das privatizações. O desafio é pensar como é possível articular o público e o privado, ou seja, o público continua sendo crucial para o desenvolvimento, mas ele não pode fazer tudo sozinho.
HU On-Line – Sua aposta é nas parcerias público-privadas?
Ricardo Carneiro — Existem várias formas de fazer isso, porque o Estado tem vários instrumentos para isso, como crédito subsidiado, incentivos fiscais, a política de conteúdo local, compras governamentais. A minha ideia é que esses instrumentos existem, estão aí e podem ser usados, cabendo escolher que setores serão beneficiados. A partir desses setores, se constrói em cada um deles uma forma de articulação com o setor privado. Por exemplo, no agronegócio tem que desenvolver a Embrapa e a Embrapii, porque esses já são setores estruturados. É preciso construir em cada setor uma relação entre o público e o privado.
IHU On-Line – O senhor propõe um aperfeiçoamento do que já foi feito no governo Lula ou sua proposta se distingue em algum ponto?
Ricardo Carneiro — Essa proposta parte do pré-requisito de que é preciso uma taxa de câmbio mais desvalorizada e recolhe experiências do que temos, porque a Embrapa, por exemplo, antecede o governo Lula. No governo Dilma foi criada a Embrapii, a qual é uma espécie de Embrapa para o setor industrial, que trabalha de acordo com a demanda das empresas privadas, fazendo inovação. Além disso, as experiências locais podem ser analisadas e redirecionadas. As experiências concretas internacionais também devem ser observadas, especialmente aquelas nas quais a política industrial deu certo. Eu me refiro ao conjunto de países asiáticos, como o Japão do pós-guerra, Taiwan, Coreia e China.
IHU On-Line - Um dos fatores que contribuiu para a redução das desigualdades, segundo sua análise, foi o aumento do salário mínimo. Dado que o aumento do salário mínimo está vinculado ao aumento do PIB e considerando o baixo crescimento da economia, na sua avaliação o salário mínimo continuará sendo um instrumento de enfrentamento das desigualdades?
Ricardo Carneiro — Existem dois instrumentos importantes para melhorar a distribuição de renda no país: um deles é o salário mínimo e o outro é a tributação. Existe uma relação entre o salário mínimo e o salário médio. Os países que têm melhor distribuição de renda, sobretudo os países da Europa, têm uma relação entre salário mínimo e salário médio mais alta. Agora, isso só não é suficiente e já foi feito em grande parte nos governos Lula e Dilma.
Quando começou o governo Lula, a relação entre salário mínimo e salário médio era 25%. Ao final do governo Dilma, em 2014, essa relação foi para quase 40%, ou seja, o leque salarial encurtou por causa do crescimento do salário mínimo. Mas não se faz distribuição de renda só por esse mecanismo. É preciso melhorar a tributação e melhorar o gasto. Então, a proposta vai nesta direção: precisa tributar mais a renda e o capital e menos a produção e o consumo. Precisa mudar o gasto também, eliminar gastos que são regressivos e não distribuem renda. Então, não se trata de deixar de apostar no salário mínimo, mas é necessário apostar mais na tributação e no gasto progressivos.
IHU On-Line - O senhor, inclusive, tem sugerido que essa reforma leve em conta três aspectos: a tributação das heranças, a tributação dos dividendos e a criação de alíquotas mais progressivas no imposto de renda das pessoas físicas. Por que essas seriam as mudanças essenciais na sua avaliação?
Ricardo Carneiro — Não sou especialista nesta área, mas os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos pelo Ipea mostram que principalmente a tributação dos dividendos e a criação de alíquotas mais progressivas no imposto de renda seriam os mecanismos mais eficientes para a distribuição de renda, e a partir deles se teria um efeito melhor do ponto de vista da redução da progressividade da carga tributária. O imposto sobre heranças seria mais simbólico, não tem tanto impacto arrecadatório. Portanto, o núcleo da mudança seria esse, compensado por uma queda do PIS/Cofins, que é um imposto muito regressivo do ponto de vista da tributação indireta.
IHU On-Line - A Constituição prevê um Estado de bem-estar social para todos os cidadãos, mas o governo atual diz que essa conta não fecha porque não há recursos orçamentários para isso. O senhor tem defendido que algumas questões precisam ser resolvidas no perfil do gasto público. Que questões precisam ser resolvidas em relação ao gasto social? Que correções é preciso fazer no desenho da Política Social?
Ricardo Carneiro — É possível avançar muito neste aspecto. Minha proposta é que se faça uma indexação das despesas pelo crescimento do PIB. Então, é preciso ampliar o gasto per capita do Brasil, porque a renda do país é um quinto da renda dos EUA e um quarto da Alemanha. Para fazer Estado de bem-estar social é preciso crescer, respeitando a ideia de que a sociedade pode não querer aumento de carga tributária. Então, uma forma de melhorar o gasto é pelo crescimento do PIB, sem aumento da carga tributária, o que torna mais importante tributar e gastar corretamente. Essa proposta visa aumentar a renda disponível das pessoas que têm menos e financiar os gastos sociais. É uma forma de equacionar o conflito distributivo: mantém-se a carga tributária e os gastos crescendo em linha com o PIB, mas muda-se a sua composição na direção da progressividade.
Existe hoje um conjunto de gastos que precisam ser analisados, mas isso não requer um ajuste da noite para o dia. Porém, existe uma expansão do gasto com o funcionalismo público que precisa ser corrigida. A previdência pública também tem uma série de privilégios em relação à previdência privada, e é preciso introduzir correções nesses processos, porque isso concentra renda. Não estou dizendo para reduzir gastos, mas é preciso compreender que uma parcela do gasto pode ser usada de forma mais nobre do ponto de vista social. A ideia, então, é deslocar progressivamente o gasto, respeitando direitos adquiridos.
Uma questão central no gasto social é a da Previdência. A questão da Previdência é importante, mas não é emergencial. De todo modo, ela precisa ser feita por uma razão básica: a população brasileira está envelhecendo e vamos gastar cada vez mais com aposentadorias. Se não fizermos a reforma, as pessoas continuarão a se aposentar com a mesma idade que se aposentam hoje e a razão pessoas ativas/aposentadas vai crescer excessivamente, tornando muito alta a conta da Previdência. Logo, é preciso resolver esse problema, que é um problema importante, mas é preciso dizer que não há uma única forma de fazê-lo, mas várias. Portanto, a questão requer muito debate e a construção de consensos.
Equacionados os problemas do setor público pelo lado da regressividade do gasto, é preciso imaginar quais serão as demais prioridades. Por exemplo, onde o gasto será maior? A saúde será uma prioridade? A educação será uma prioridade? Como será feita a política social? E o Bolsa Família? Quais serão os reajustes? Como será o seguro desemprego? Portanto, há um conjunto de discussões a serem feitas e existem várias propostas sendo discutidas, mas as grandes linhas são estas: aumentar o gasto per capita, reduzir a regressividade do gasto e da tributação e equacionar a Previdência.
IHU On-Line — Entre os possíveis candidatos à presidência da República, algum sinaliza ter um programa econômico adequado para o Brasil, ou apresenta alguma preocupação com um projeto de país?
Ricardo Carneiro — O espectro está mais ou menos dado. Existe a extrema-direita, que é representada pelo [Jair] Bolsonaro, que não tem programa. Até agora não vi Bolsonaro se pronunciar sistematicamente sobre a questão da economia. Ele gosta de provocar os outros, de fazer comentários ofensivos a parte da população, mas eu não vi uma discussão sistemática do seu programa econômico.
Indo mais em direção ao centro tem o [Geraldo] Alckmin, que tem uma equipe econômica e um programa mais neoliberal, que já está anunciado em suas linhas gerais: mais privatização, menos Estado, menos gasto público, economia mais comandada pelo mercado, mais abertura financeira e comercial. É um conjunto de consignas que define um programa mais liberal, alinhado com o Consenso de Washington, com uma versão 2.0.
Caminhando mais para a centro-esquerda tem o Ciro [Gomes], que tem um programa desenvolvimentista. Embora esse programa não esteja detalhado, ele já enunciou algumas questões em relação à indústria e ao gasto social. Uma parte das questões que falei estão no programa do Ciro. Também existe o programa do PT, que está anunciado em partes, mas que vai nessa mesma linha. O PSOL já definiu a equipe de economistas, mas não tem ainda uma definição clara de programa, embora as políticas sociais devam ser semelhantes às do PT. Vejo certa semelhança entre o programa do Ciro, o do PT e do PC do B e algumas interseções com a do PSOL. Esse núcleo terá um programa que é parecido, apesar das nuances. A diferença é quem tem capacidade de executar e quem tem base dos movimentos sociais para dar suporte a esses programas. O PT tem algumas vantagens e algumas desvantagens. A vantagem é que é um partido muito maior, terá uma base parlamentar maior e pode dar mais consistência ao programa.
IHU On-Line — Como o senhor tem acompanhado os desdobramentos da Lava Jato?
Ricardo Carneiro — Se você me perguntar se eu acho que existe corrupção, vou dizer que sim, mas acredito que as pessoas usam isso como instrumento de luta político-partidária. A corrupção é, sobretudo, algo que responde ao sistema político que aí está: a forma como o sistema é estruturado, as campanhas eleitorais, que são caras, os partidos de aluguel, isto é, existe um conjunto de aspectos no sistema político brasileiro que induz a fazer caixa dois e essas coisas todas. Estou dizendo que o sujeito que pratica a corrupção deve ser penalizado e quando for o caso, preso, mas quando se prende um, vai aparecer outro para fazer a mesma coisa, porque o sistema induz a isso.
A Lava Jato poderia ter sido algo educativo, mas ela criou um viés grande, foi seletiva do ponto de vista político e perdeu apoio numa parte expressiva da população. No fundo ela produziu resultados ruins. Ela poderia ter produzido resultados melhores e fazer a população pensar sobre a própria sociedade. A corrupção no Brasil tem alguns fundamentos que se originam na própria sociedade, porque a sociedade é corrupta no sentido de que não gosta de seguir regras, não gosta de respeitar a lei; por exemplo, o proprietário particular se apropria do terreno público, o motorista não respeita limite de velocidade, o farol ou a faixa de pedestres, o aluno cola na prova, os ricos e remediados sonegam impostos, todos querem “levar vantagem”, em geral em detrimento do outro. Isto para não falar da profunda desigualdade de oportunidades e de sua reprodução. A sociedade brasileira é isso. O sistema político apenas potencializa os problemas da base da sociedade. No que a Lava Jato contribuiu para superar esses problemas, ou para a sociedade ter uma visão mais crítica sobre ela própria ou seu sistema de representação política?
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Os desafios da economia brasileira. Entrevista especial com Ricardo Carneiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU