07 Abril 2018
"Cristo não nos acolhe assim como somos, sempre que nos dirigimos a ele com confiança? E isso nunca para nos dizer: "Você está bem como está", mas sim para garantir que nos ama e que, com o seu amor, pode nos fazer avançar na verdadeira vida e transformar-nos, ajudando-nos com o seu Espírito para avançar no cumprimento de sua vontade", escreve Gerard Daucourt, bispo emérito de Nanterre, em Prefácio do livro de Francesco Strazzari (eds), Fede, omosessualità, Chiesa. Riflessioni pastorali e testimonianze (Fé, homossexualidade, igreja. Reflexões pastorais e testemunhos - em tradução livre -, EDB, Bologna 2018). O prefácio é publicado por Settimana News, 05-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O conteúdo desse pequeno livro é inestimável. Se eu pudesse tê-lo encontrado no início do meu ministério, cinquenta anos atrás, teria acolhido de outra forma os pais do adolescente que tinha cometido suicídio porque tinha descoberto sua homossexualidade. Teria tomado a defesa daquele sacerdote de trinta e oito anos que também cometeu suicídio porque, devido a alguns trejeitos um pouco efeminados, era zombado publicamente, sendo chamado de homossexual, sem haver qualquer evidência concreta. Eu teria prestado mais atenção, sem dúvida, a um membro da minha comitiva, fechado em seu silêncio, amarrado interiormente, que tentava aplacar seus sofrimentos em uma longa terapia, até o dia em que conseguiu revelar sua homossexualidade para os pais.
Sim, apesar de meus pecados, fraquezas, fragilidades e o conjunto de perguntas na minha vida cristã (incluindo o celibato, no entanto, escolhido por Cristo), nunca me senti muito à vontade em relação à homossexualidade. Para fugir do assunto, ou para me sentir seguro, eu me atinha a discursos moralizantes ou condescendentes, sem anunciar e propor acima de tudo o amor de Cristo por todas as pessoas. É o que acontece, nos explica o Papa Francisco, "quando se fala mais da lei do que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do papa do que da palavra de Deus" (Evangelii gaudium, n. 38). Aos poucos, o Senhor abriu meus olhos e coração, ao longo dos anos, através de vários e numerosos encontros.
A homossexualidade continua a ser, em parte, um mistério. Para quase a totalidade daqueles que estão interessados, envolve sofrimento que têm múltiplas causas. Já não é mais vista como uma doença ou uma perversão, nem as ciências humanas deram a última palavra sobre suas origens e suas causas. A Igreja precisa ficar na escuta.
Hoje, eu sei melhor que preciso primeiro acolher e ouvir, sem trapacear com a palavra de Deus e o ensinamento da Igreja, acompanhando com discernimento e esperança. Para cada cristão que me procura, frágil ou forte em sua fé, homossexual ou heterossexual, pecador comum ou grande pecador, eu tento ser um instrumento de Cristo, o rosto misericordioso do Pai.
É o que também busca a associação "Devenir Un En Christ" (Tornando-se um em Cristo), que propõe essas reflexões pastorais e esses testemunhos dirigindo-se tanto às pessoas homossexuais, como às suas famílias e amigos, aos bispos, aos diáconos, aos sacerdotes e a cada cristão. Aqueles e aquelas que aqui se expressam simplesmente querem compartilhar suas perguntas, suas descobertas, seus sofrimentos e suas alegrias, mas sempre à luz da fé cristã. Não pretendem ser um exemplo. E não estão de forma alguma fechados para sempre em suas posições. Depositam fé em Cristo e pedem o dom do Espírito. Em "Devenir Un En Christ" encontraram irmãos e irmãs cristãos com quem meditar sobre a Palavra, orar e apoiar uns aos outros para melhor seguir Jesus, de quem são discípulos. Eles avançam em caminhos às vezes caóticos e dolorosos, às vezes alegres e agradáveis. A razão é que em "Devenir Un En Christ" todas as situações são acolhidas com discrição e sem julgamento. Cristo não nos acolhe assim como somos, sempre que nos dirigimos a ele com confiança? E isso nunca para nos dizer: "Você está bem como está", mas sim para garantir que nos ama e que, com o seu amor, pode nos fazer avançar na verdadeira vida e transformar-nos, ajudando-nos com o seu Espírito para avançar no cumprimento de sua vontade. Além disso, vemos no Evangelho que Jesus sempre admirava antes o que havia de bom nas pessoas que ele encontrava: "Você não está longe do reino de Deus" (Marcos 12:34); "Nem mesmo em Israel encontrei tanta fé!" (Lc 7, 9); "Os seus muitos pecados lhes são perdoados, porque muito amou" (Lc 7, 47). "Devenir Un En Christ" é também uma comunidade de encorajamento que valoriza o que é belo e bom na vida das pessoas homossexuais e luta para que não sejam consideradas apenas a partir de sua orientação sexual. Que apoio para aqueles que sofrem para chegar ao ideal evangélico! Mas não somos assim nós também, de uma forma ou de outra, no curso da nossa vida cristã? Não somos todos chamados a "nos tornarmos um em Cristo"? Não procuramos todos com a graça de Deus unificar nosso ser? "Une o meu coração ao temor do teu nome" (Sl 86,11). O caminho é por vezes difícil e a luta dura, mas “se a morte não te encontrar como vencedor, deve encontrar-te como lutador" (Agostinho, Discursos 22.8).
Todos os batizados têm necessidade uns dos outros para combater o mal em si mesmos e ao redor deles e crescer em santidade. O apelo que lançam os membros do “Devenir Un En Christ” é dirigido a toda a Igreja, a todas as comunidades e em especial aos seus guias. É um apelo que questiona e pode perturbar, mas é certo que nos convida a acolher sem prejuízos e ouvir, a nos livrarmos da rigidez e dureza (e talvez dos nossos medos!) para abrir mais as portas para a verdade e a misericórdia.
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Fé e homossexualidade: um apelo para ser ouvido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU