13 Março 2018
“Os grandes santos e reformadores, aqueles que provocaram mudanças reais na Igreja e na história, não foram amigos de slogans, mas, sim, de gestos e entregas. Contudo, há tempo que na Igreja vivemos de slogan”. A cinco anos da eleição do Papa Francisco, Vatican Insider entrevistou o arcebispo Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica da Argentina, teólogo muito próximo do Pontífice.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 12-03-2018. A tradução é do Cepat.
Qual é o balanço destes primeiros cinco anos de Pontificado? Quais foram suas maiores características?
Não gostaria de me distrair mencionando algumas realizações na política internacional, nem sequer os êxitos que possa ter conseguido na reforma da Cúria ou das finanças vaticanas. Porque isso implicaria uma visão um tanto mundana. Deixemos que os meios de comunicação se dediquem a essas análises. Nós, católicos, acreditamos no mistério do Espírito que desata os nós e transforma a realidade ao seu modo e em seus tempos. Se me perguntar o que fez Gandhi, posso lhe dizer que já não recordo exatamente as ações e os êxitos que teve. Mas, sem dúvida, sei que deixou uma marca importantíssima na história e que provocou mudanças que não deixaram a humanidade do mesmo modo.
Qual é a mensagem que mais passou, tanto dentro como fora da Igreja?
No caso de Francisco, acredito que não se esquecerá seu convite constante, com palavras e gestos, a voltar à frescura do Evangelho e seu coração feito de misericórdia e de justiça para com os mais fracos. Ao mesmo tempo, não deixará de ressoar a reivindicação por uma Igreja mais despojada, alegre e capaz de sair de si no diálogo e o serviço. Mesmo que alguns, no futuro, pretendam retroceder a esse respeito, acredito que a grande reforma irreversível de Francisco, já conquistada, consiste em que isso dificilmente será aceito. Quem consegue pensar que após Francisco possa prosperar um papado condenatório, que ostente poder e riqueza, que não esteja disposto ao diálogo com todos, que ignore os fracos deste mundo?
Qual é a reforma mais importante que o Papa Francisco espera para a Igreja?
O aprofundamento disto que já mencionei. Ainda há muitos membros da Igreja que falam pouco de Jesus Cristo, que não vibram de afeto e admiração quando o mencionam, que preferem julgar os defeitos alheios e baixar normas éticas como rochas, com o propósito de não aceitar a dinâmica de anunciar o amor incondicional de Deus a cada pessoa, de transmitir o amor próximo e salvador de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, ainda há muitas resistências para se deixar as comodidades das estruturas que nos dão segurança, mas que cada vez atraem menos quantidade de fiéis.
Não lhe parece que existe o risco de se reduzir as mensagens do Papa a “slogans”, que, como todos os “slogans”, acabam vazios, ou seja, utilizados segundo conveniências, mas sem uma mudança verdadeira?
Os grandes santos e reformadores, aqueles que provocaram mudanças reais na Igreja e na história, não foram amigos de slogans, mas, sim, de gestos e entregas. Contudo, há tempo que na Igreja vivemos de slogan. Por exemplo, há aqueles que dizem ser “a favor da vida”, mas preferem que não se fale dos imigrantes, do compromisso com os mais pobres, da luta pela justiça para que menos gente morra por desnutrição ou por doenças que poderiam ser curadas. Esse é um slogan. Igualmente, outros repetem frases de Francisco como slogan, e até falam da “primavera da Igreja”, talvez para não parecer opositores ou para se assegurar algum posto na Igreja, mas caso se olhe para os seus hábitos, suas ações, suas insistências e suas opções, parecem não responder ao espírito deste Papa. É um modo de se fechar ao vento transformador do Espírito, sendo “politicamente correto”.
Os meios de comunicação (e não só) enfatizaram muito características humanas e simpáticas do Papa Francisco, que o tornaram um personagem popular e amado. Não existe o perigo de que se torne muito “personagem” e que se concentre muita atenção em sua pessoa?
É verdade. No entanto, ele nunca foi amante do culto às personalidades. Quando ele aprecia muito alguém, diz-lhe: “Humilhe-se”. Entrega-se muito à proximidade com o povo porque isso tem a ver com sua valorização da religiosidade popular, e ele quer que seu papado seja um sinal encarnado da proximidade terna e misericordiosa de Jesus. Mas, quem não vê isto a partir da mais autêntica fé católica, acaba esquecendo o fim de tudo, que é Jesus, e fica no personagem. É como “ficar no dedo que aponta a lua”, segundo o antigo provérbio zen. Isto tem um grave risco, porque produz o efeito contrário: se veem um erro ou um ponto frágil, ou se um dia o Papa não sorri porque está fraco ou doente, para eles, o personagem é rompido. De qualquer modo, eu vejo que dentro do âmbito católico, o estilo de Francisco está produzindo uma irreversível desmitologização do papado. Até agora, alguns católicos podiam criticar os papas, mas, agora, há uma enorme liberdade para isso, sem que ninguém seja punido. Isso retira da figura do Papa essa auréola excessivamente sagrada, de ser superior e intocável.
Alguns falam muito (às vezes, exagerando sua importância) das chamadas “resistências” internas, fenômenos que também viveram seus predecessores. De que modo contam e incidem na vida cotidiana da Igreja?
Incidem mais que antes, em razão do enorme peso dos meios de comunicação e das redes sociais. Antes, poucas pessoas liam um jornal. Hoje, são muitos os que seguem as notícias pela Internet, e os meios de comunicação em geral destacam o que faz muito barulho, o negativo, as críticas. Anos atrás, um senhor muito conservador e negativo só falava com sua esposa, porque nem os vizinhos suportavam ouvi-lo. Agora, essas pessoas podem abrir um blog e também difundir mentiras e calúnias, ou suspeitas infundadas, e sempre terá leitores. Também pode dedicar todo o dia a opinar nos fóruns de Internet e sua voz se expande. As personagens mais moderadas e serenas, que são a maioria, parecem atuar menos neste sentido. Na Argentina, onde houve nos últimos dois anos uma forte e persistente campanha de desprestígio nos meios de comunicação e nas redes, o Papa, no entanto, mantém 80% de aprovação, segundo as pesquisas mais sérias. Mas, esses 80% fazem pouco ruído.
É correto que, após a publicação da “Amoris Laetitia”, há “confusão” na Igreja de hoje?
Amoris Laetitia implica uma mudança paradigmática no modo de tratar situações complexas, ainda que isso não implique que abra todas as portas. Certamente, vai além da possibilidade de que alguns divorciados em segunda união possam comungar. Esta mudança, que nos impede de ser muito duros e matemáticos em nossos juízos, é muito incômoda para alguns. Porém, é impossível dizer que há “confusão” depois que o Papa fez publicar uma nota nas Acta Apostolicae Sedis como “magistério autêntico”. Só o Papa pode tomar uma decisão desse tipo e Francisco a tomou. Portanto, não há confusão. Já sabemos o que o Papa pede. Outra coisa é você gostar ou não, considerar adequada ou não. Mas, então, não se deve dizer: “é confuso”. É preciso dizer: “não gosto”. Ou então: “Eu prefiro uma Igreja com normas mais rígidas”.
As diferentes reformas nos organismos da Cúria romana ainda estão sendo realizadas. Em que medida são importantes as reformas estruturais?
É dada muita importância a estas reformas, mas são as mais “reversíveis”. Poderá vir outro Papa e criar uma Cúria enorme. Além disso, as pessoas que existirem nessas estruturas serão determinantes. Contudo, acredito que Francisco também conseguiu “desmistificar” para sempre a Cúria vaticana, que só poderá ser compreendida como um organismo de serviço ao Papa, que não o substitui, nem aos bispos.
Como o Papa vivencia os casos relacionados aos escândalos dos abusos contra menores cometidos pelo clero? As normas para combater o fenômeno existem, mas também será possível mudar a mentalidade?
Sei que sofre muito por este assunto, porque neste caso se destrói o sentido profundo do ministério sacerdotal, chamado a “cuidar”. Em espanhol este sentido está destacado, porque se chama o sacerdote de “cura”. O “cuidado” é uma característica do sacerdócio que Francisco carrega muito no coração. Acredito que a mentalidade está mudando nesta linha, ainda que às vezes os processos necessitem de seus tempos para evitar injustiças.
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“Sem a visão de fé, reduz-se o Papa a personagem”. Entrevista com Víctor Manuel Fernández - Instituto Humanitas Unisinos - IHU